quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pré-release da Segunda temporada

DIA 28 DE OUTUBRO:

Em uma pequena cabana – Blaze e Koji.
- Preciso de sua ajuda – Diz Blaze, observando o samurai limpar suavemente a lâmina das espadas gêmeas.
- E é claro que eu ajudarei. Diga-me o que deseja.
- Nós vamos... Ressuscitar alguém.
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Na sala de Vayne – Vayne, Legacy e um misterioso encapuzado.
- Mas o que diabos você quer? – Pergunta Vayne, impaciente com as charadas e ironias do convidado.
- Digamos que eu quero o mesmo que você sempre quis. O fim dos Mortuary.
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Em um pequeno templo, cruzando com as montanhas enevoadas – Blaze e um homem gordinho.
- Eu volto a dizer que dragões não existem – Afirma o caçador.
- E eu volto a dizer que eles existem, vou mostrar um a você nesse exato momento. Siga-me, por favor – O homem deixa o templo, sorrindo confiante.
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Em uma avenida movimentada, na esquina principal – Blaze e um rapaz com longos cabelos pretos.
- Saia do meu caminho. – Diz o caçador, enfurecido.
- Não sem antes termos uma pequena conversa... Meu querido irmão. – Responde o homem, abraçando fortemente o caçador.


UNFAITHFUL SEASON TWO

CHAPTER ONE : Possibilidade remota

Não percam!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Capítulo 12 - Misericórdia

Razen observou o irmão, trêmulo. A visão de Loren, com um braço metálico, empunhando uma espada, pronto para acabar com seu próprio irmão, foi muito perturbadora para o pequeno ruivo, que se afastou lentamente, dando passos pra trás e procurando uma parede com os dedos para se apoiar.
- Está com medo? – Disse Loren, desvencilhando-se das mãos de Margot, e aproximando-se de Razen.
Blaze estendeu o braço rapidamente, com o cano de sua shotgun encostada no lado esquerdo da cabeça de Loren, e disse:
- Mais um passo e o seu crânio vai voar longe, rapaz. Já cansei dessa brincadeira idiota de gato e rato. É hora de tomar uma atitude.
- Quem é esse infeliz apontando essa arma? – Retrucou o ruivo, com desprezo. Seimic apareceu nesse momento, saltando pra fora da casa de Cyka com os punhos erguidos, atacando Blaze, que desviou dando alguns passos pra trás. Loren aproveitou a brecha, e tentou apunhalar Razen no peito, que desviou por muito pouco, sofrendo um corte na camisa. O ruivo mais novo, desesperado, iniciou uma fuga pela calçada, aproveitando a ausência de pessoas e veículos. Loren seguiu-o de perto, com a espada brilhando contra o calor do sol, e o braço tremendo de tanta ansiedade em perfurar o tão odiado irmão. Clay, vendo a perseguição, pegou um pequeno pedaço de madeira – pertencente à porta destruída por Seimic outrora – e correu atrás de Loren para tentar impedir a tragédia.
Blaze tentou correr também, mas se viu encurralado por Seimic, que investia diversas vezes contra o corpo do caçador, desferindo socos e chutes carregados de uma brilhante energia branca, muito provavelmente mágica.
- Será mesmo que vou ter que acabar com você antes do seu chefe? – Provocou Blaze, defendendo um dos socos de Seimic com o braço.
- Acabar comigo? – Perguntou o mago, rindo debochadamente.
- Me desculpe, mas a minha paciência esgotou. – Sibilou o caçador, batendo com o cabo da shotgun no peito de Seimic, e girando a arma logo em seguida, apontando agora diretamente para o rosto do mago. – Espere por mim no inferno. – Disse, antes de atirar.
O tiro acertou em cheio, e a luta parecia estar acabada. Porém, algo estranho aconteceu. Mesmo com duas balas alojadas no rosto – uma no nariz e outra na bochecha – Seimic continuava sorrindo debochadamente, parecendo nem mesmo sentir dor.
- O que diabos é você? – Perguntou Blaze, assustado.
- Eu sou... – Seimic avançou contra o caçador, e desferiu um soco envolto de uma grande camada da energia branca no peito do rapaz, que acabou chocando-se contra um poste do outro lado da rua – Imortal.
Margot, que apenas assistia a tudo pacientemente, sorriu nesse momento, e olhou para a pequena gata amedrontada escondida debaixo do carro.
- Você poderia criar coragem e vir brincar comigo. Em nosso último encontro eu não tive oportunidade nem mesmo de utilizar minhas habilidades mais apavorantes – Entoou Margot, cruzando os braços delicadamente e observando a gata, que saiu lentamente de baixo do carro, e transformou-se novamente na bela jovem Cyka.
- Muito bem então. Todos estão lutando e tentando nos ajudar. Eu farei a minha parte, acabando com você.
- Ora, ora... Não blasfeme de tal modo. Você deve saber que eu sou como o meu marido. – Margot abaixou a voz nesse momento, e disse pausadamente – Imortal.
- Sim, eu sei – Respondeu Cyka – Como também sei que – A maga temporal iniciou gestos com as mãos, e começou a se aproximar de Margot – A sua imortalidade depende do seu querido líder ruivo permanecer vivo. – Uma luz roxa surgiu entre os dedos da maga, e espalhou-se pelo ar até formar uma bela espada negra – Meu papel então é manter você ocupada, até ele estar MORTO. – A maga avançou contra Margot, confiante em si mesma agora.
Margot fez alguns gestos com as mãos, e criou outra espada de luz, um pouco maior e mais grossa que a de Cyka, e atacou-a. As duas magas iniciaram um embate de espadas, onde a cada choque das lâminas, um brilho ofuscante atrapalhava a visão do próximo golpe.
Blaze e Seimic continuavam a digladiar, o caçador atirando contra diversas partes do corpo do mago, sem sucesso em derrubá-lo, e Seimic retrucando com alguns socos e chutes poderosíssimos.
Razen continuava a fugir, passando por diversas ruas desertas, seguido de perto por Loren, que disparava golpes contra o ar na tentativa de acertar as costas do irmão. Clay, um pouco mais atrás, tentava acompanhar o ritmo dos dois, desesperado em ajudar o afilhado. Ao cruzar uma avenida enorme, e quase ser atropelado por dois carros que passavam em alta velocidade, Razen entrou em um beco, crente que iria encontrar uma saída ao fim dele, mas não encontrou. Correu até o fim do beco, já não tendo mais como escapar por algum outro lugar. Virou-se de costas para a parede que representava o fim de sua fuga, e observou seu irmão, que agora diminuía o passo, rir alegremente ao constatar a ausência de caminhos no fim do beco.
- É chegada a hora que tanto esperei – Disse Loren, aproximando-se lentamente de Razen, com a espada empunhada, em posição de ataque.
- Por que tudo tem que acabar assim? – Perguntou Razen, chorando em desespero, ao ver seu irmão cada vez mais perto, pronto para tirar a sua vida. – Você é o meu IRMÃO. Nós CRESCEMOS JUNTOS, vivemos EXPERIÊNCIAS JUNTOS, PRA UM DIA VOCÊ SIMPLESMENTE MUDAR E DECIDIR ME MATAR?
- SIM, Razen, SIM! Crescemos juntos, e eu sempre fui o mais querido por todos! Fui melhor do que você em tudo, então POR QUE VOCÊ TINHA QUE TER O PODER PARA MATAR VAMPIROS? Por que você e não EU, o verdadeiro PREDESTINADO a isso? VEJA O MEU BRAÇO, VEJA O QUE ACONTECEU COMIGO POR SUA CULPA– Retrucou o ruivo mais velho, gritando enlouquecido, com o rosto sardento vermelho em fúria e o braço metálico em movimento
Razen, mergulhado em um choro incontrolável, percebeu uma coisa que jamais havia notado:
- Então... Todo o seu ódio é baseado apenas na culpa que você me atribuiu pela perda do seu braço – Sussurrou – Uma perda causada apenas pela sua própria arrogância em querer enfrentar o vampiro sozinho...
Loren fitou seu irmão por alguns segundos, controlando a respiração e recuperando a postura.
- Quer saber? Não importa de onde vem o meu ódio. O que importa é que tudo vai acabar agora. Eu nunca mais terei que ver essa sua cara nojenta, e poderei finalmente viver em paz, tendo a certeza de que todas as minhas vinganças foram completas. O assassino de meus pais já não existe mais, e o menino ruivo que ousou tirar o MEU poder de acabar com os vampiros morre AGORAAAAA – Gritou Loren, avançando contra o corpo de Razen, que, sem ação, apenas olhou para seu irmão aguardando um milagre que impedisse a sua morte.
-Milagres não acontecem, filho. Apenas um milagre poderia impedir que eu viajasse para o país vizinho com a sua mãe agora. Mas isso não vai acontecer. Eu viajarei, e resolverei de uma vez por todas os nossos problemas com um velho conhecido, que está atormentando a nossa vida há um longo tempo. Não se preocupe, eu levarei você e o seu irmão para a casa do meu jovem amigo Clay. Ele é um bom rapaz, tenho certeza de que cuidará muito bem de vocês enquanto eu estiver fora.
Razen se lembrou das palavras de seu pai Larks, quando ainda tinha apenas seis anos, e estava prestes a conhecer Clay.
- Mas quanto tempo você vai demorar lá, papai? Tenho certeza de que Loren vai chorar bastante sentindo sua falta, mas eu vou tentar ajudá-lo. Meu irmão precisa muito de mim!
- Sim filho, seja um bom irmão mais novo para o Loren. Ele vai precisar de você. Loren é um bom menino, apesar de não ter muita certeza em suas decisões e atitudes. O futuro de vocês dois será maravilhoso, e eu estarei lá para acompanhar todos os detalhes!
- Vou me juntar a você, pai. – Disse Razen, ao sentir a ponta da espada de Loren atravessar o seu peito lentamente. As lágrimas, que ainda escorriam do rosto cada vez mais pálido e sem vida, misturaram-se ao doce vermelho do sangue jorrando do corte. O pequeno ruivo já havia perdido os sentidos quando seu irmão, chocado com o que acabara de fazer, retirou a espada e observou-a. Observou o sangue fresco escorrendo da espada e do corte no peito de seu irmão, e sentiu um desamparo insuportável.
- O que... Eu fiz? Acabei com a vida da única família que me restava no mundo... Matei o meu próprio irmão... – Loren largou a espada e agarrou o corpo de Razen – ACORDE... ACORDE POR FAVOR – Chacoalhou o corpo sem vida – Por favor...
Clay avistou os ruivos nesse momento. Estava do outro lado do beco, por onde outrora eles passaram. Acelerou o passo para chegar até eles e gritou:
- Não faça nenhuma besteira Loren! Não mate seu irmão! Você vai se arrepender disso pra sempre! – Quando finalmente se aproximou, percebeu que era tarde. Ao ver a figura de Loren abraçando Razen sem vida, com um buraco no peito e um derramamento sem igual de sangue, Clay empurrou o ruivo mais velho e puxou Razen, gritando pelo nome do afilhado em uma angústia profunda.
Loren, sem conseguir raciocinar corretamente, pegou novamente a espada, e caminhou até Clay, olhando-o com a mesma raiva de antes.
- VAI ME MATAR TAMBÉM? VEJA O QUE VOCÊ FEZ SEU MANÍACO! – Gritou Clay, puxando o corpo de Razen para longe do irmão, que se aproximava lentamente.
- Não, não vou te matar. Vou fazer o que deveria ter feito desde o início – Loren olhou para Clay, clamando por piedade e murmurou – Perdão... Pai. – E cravou a espada contra o próprio peito, caindo fulminado em seguida.
Clay olhou para o corpo de Loren, e involuntariamente começou a chorar, apertando com força Razen em seus braços.
- Só pode ser um pesadelo...
Seimic, com cerca de 8 balas alojadas por entre o corpo, continuava a rir de Blaze, que agora se desvencilhava dos socos e chutes com alguma dificuldade.
Cyka, que continuava a digladiar com Margot, parou por um instante, e encarou a maga com frieza.
- Duas presenças... Acabaram de partir. Parece que... Acabou.
Margot baixou a espada, e sentiu uma pontada no coração. Percebera ali que o seu líder estava morto.
- Não... Não pode ser... – Sibilou.
- Diga adeus à sua imortalidade, e à sua vida. – Frisou Cyka, antes de atravessar sua espada na maga, que não tentou nem mesmo reagir.
Blaze, percebendo que a inimiga fora derrotada, acertou um chute em Seimic, fazendo-o cambalear, e tentou atirar novamente. Os tiros acertaram nas costas do mago, que cuspiu sangue e olhou para o caçador, assombrado.
- Sangue...? Não... MESTRE... – Disse o mago, virando a cabeça para os lados tentando sentir a presença de Loren.
Blaze aproximou-se do inimigo e apontou novamente sua shotgun na cabeça, dizendo:
- Vou lhe fazer o favor de juntá-lo ao seu mestre novamente, agora mesmo.
Seimic olhou para Blaze, e respondeu:
- Não existe motivo pra viver... Se o meu mestre não está mais aqui.
O caçador atirou no momento seguinte, e suspirou. Cyka aproximou-se, e disse:
- Temos que ser rápidos. Sinto que alguma coisa muito ruim aconteceu com aqueles ruivos. – Transformou-se novamente em gato e pulou no ombro de Blaze, que sussurrou:
- Se algo aconteceu ao Razen...

Capítulo 11 - Memórias

- Acordou?
Razen abriu os olhos. Um tanto quanto desnorteado, começou a observar o ambiente. Estava em um quarto de hospital, deitado sobre uma cama macia e quentinha. Ao seu lado viu Clay, sentado em uma cadeira, apoiando-se nas mãos e observando o afilhado.
- O que... Aconteceu? – Perguntou finalmente, após observar a sala mais um instante, e a janela ao fundo que suavemente transmitia calor solar para o cômodo.
- Ninguém sabe ao certo, estamos investigando. Você adormeceu filho, exatamente cinco dias atrás. Não conseguíamos acordá-lo, então resolvemos trazê-lo ao hospital. Mas não adiantou muita coisa.
- Adormeci? Como assim?
- Isso foi obra de alguém que quer lhe fazer mal. Eu fiquei ao seu lado durante esses cinco dias, juntamente de Blaze. Você diversas vezes resmungou coisas que...
- Que o quê? – Perguntou Razen, exasperado.
- Que aconteceram conosco. Creio que você reviveu todo o seu passado, em um sonho interminável. Você resmungou sobre Nibelung, sobre Loren, e até mesmo sobre a vez em que você sofreu a primeira Queda com Blaze.
Razen arregalou os olhos, assustado. Lembrou-se de ter mesmo sonhado com tudo o que acontecera em sua vida.
- Foi... Isso mesmo. Mas como pode ter acontecido? Quem teria feito isso?
Clay não respondeu. Acabara de atender o celular, que tocava insistentemente enquanto Razen falava.
- Certo, estamos indo. – Disse Clay, desligando o celular. – É hora de descobrir a verdade, filho.
Pouco tempo depois, a dupla deixou o hospital. Clay conversou com os médicos durante algum tempo, e não teve muitos problemas para liberar o paciente.
No estacionamento, Razen, que continuava confuso e pensativo, perguntou:
- Se eu resmunguei coisas sobre Nibelung... Talvez Blaze já saiba a verdade... Que nós dois matamos o avô dele.
- Ah sim, ele já sabe. Blaze não parece muito preocupado com familiares vampiros... – Respondeu Clay com tranqüilidade, enquanto entrava no taxi para deixarem o estacionamento.
Durante o caminho, ambos permaneceram em silêncio. O dia estava calmo, as ruas pouco movimentadas e algumas poucas lojas abertas aguardando clientes. O Táxi parou em um cruzamento, com o semáforo piscando em vermelho. Dois pedestres atravessavam lentamente. Razen observou algo estranho neles, e comunicou ao companheiro:
- Veja esses dois...
Clay olhou para os pedestres, e arrepiou-se. Era uma dama, portando um longo vestido azulado que arrastava sua cauda lentamente pelo chão, e um rapaz, com um elegante terno branco e gravata vermelha. O casal olhou para a dupla no carro sorrindo alegremente.
- Seimic e Margot... – Sibilou o taxista, olhando o casal de cima a baixo com uma visível inquietação.
- Você não acha muita coincidência? – Perguntou o menino ruivo, encarando Seimic com fúria.
- Acho sim. Vamos sair logo daqui. – Clay pisou no acelerador e atravessou o cruzamento em alta velocidade. Não queria encontrar Loren naquela situação, e acreditava realmente que ele estaria perto do casal.
Algum tempo depois, o táxi estacionou. Estavam em uma rua estreita, sem movimento algum nas calçadas. Clay correu até a casa mais próxima e bateu duas vezes na porta. Atrás dele, Razen lançava olhares para os lados com medo de encontrar algo indesejável. Blaze abriu apareceu abrindo a porta, segundos depois, e pediu para que a dupla entrasse.
Depararam-se com uma sala extremamente bagunçada, com livros empilhados em cima de uma mesa retangular, junto de alguns frascos com gosmas viscosas, e alguns pequenos aparelhos estranhos. Pelo chão estavam espalhados dezenas de mapas sujos e pergaminhos com escritas desconhecidas. A dupla deu uma rápida verificada em tudo com o olhar, meio assustados, e continuaram seguindo Blaze, que permanecia quieto, caminhando pela sala tomando o devido cuidado de não pisar nos mapas. Atravessaram a sala inteira, e pararam ao se aproximarem de uma escada, que descia para um andar subterrâneo. Blaze acendeu o interruptor mais próximo com o polegar, iluminando os pequenos degraus de madeira velha.
- Vamos descer. – Disse, pisando lentamente no primeiro degrau para analisar a resistência.
O trio desceu, com alguma dificuldade, em silêncio. Pouco tempo depois chegaram à outra sala, essa ainda mais suja e desorganizada que a outra. Algumas pequenas teias de aranha misturavam-se às estantes de livro no canto mais próximo. Blaze parou subitamente, e encostou a palma da mão no peito de Clay, fazendo sinal para que não andassem. O caçador caminhou até o centro da sala, acompanhado apenas da fraca iluminação do andar de cima. Parou ao chegar próximo de um sofá, extremamente empoeirado e escuro.
- Está aí, Cyka? – Perguntou baixinho, direcionado ao sofá.
O silêncio permaneceu por mais um instante. Blaze espremeu os olhos na tentativa de enxergar algo próximo ao sofá. Clay e Razen, sem entender muito da situação, observavam a cena parados na entrada da sala. Subitamente, ouviram um miado, longo e pavoroso. Um gato negro, com pêlos extremamente grossos e sujos surgiu, pulando de trás do sofá. O gato parou em frente ao caçador, encarando-o com seus belos olhos esverdeados.
- Eu trouxe o rapaz que lhe falei. O mais novo dos Jacobs. – Blaze virou-se, mostrando Razen, que espantado, acenou com a mão devagar.
- Sem dúvidas, um dos filhos de Larks Jacobs. Sardento, com esse cabelo ruivo capaz de iluminar até mesmo um ambiente sombrio como esse. – Blaze virou-se para encarar o gato, mas ele já não estava mais lá. No seu lugar estava uma jovem moça, de olhos igualmente esverdeados, sorrindo por trás dos lábios carnudos. A moça caminhou até a entrada da sala, o único ponto realmente iluminado, e aproximou o rosto de Razen, segurando em seu queixo com a mão. – Quantos problemas você tem causado, pequenino...
- Vamos subir e conversar lá em cima. Esse tipo de ambiente não me agrada nem um pouco – Disse Blaze, tratando de levar todos para o andar superior.
Clay acomodou-se na cadeira mais próxima e suspirou. Estava tenso, sem entender muita coisa, e ansioso por respostas. Igualmente tenso, Razen cruzou os braços e encostou as costas na parede mais próxima, perto de Clay. A jovem Cyka deu uma breve olhada nos mapas espalhados pelo chão, e voltou a olhar pra Razen.
- Serei breve, já que vocês não têm muito tempo a perder. Meu nome é Cyka, e eu sou a esposa do lendário Heter, o Mago Temporal.
- Mago Temporal? – Perguntou Razen. Blaze e Clay lançaram olhares repreensivos para o menino, que ficou envergonhado.
- Sim. – Respondeu Cyka – O Mago Temporal é conhecido pela sua habilidade de confundir e dominar a mente humana, tendo, portanto a capacidade de deixar um rapaz como você, preso em um turbilhão de lembranças sobre a sua vida, em um sonho interminável.
-Então foi ele o causador de tudo. – Disse Blaze, cerrando os dentes e os punhos.
- Exato, mas a culpa não é dele. Meu marido foi capturado, há oito dias, por um casal de magos extremamente habilidosos. Eu tentei impedir, mas não pude com a força deles. Só me restou a transformação em um gato para escapar. Lembro-me que estávamos caminhando por uma rua muito bela, recheada de cerejeiras por todos os lados. O casal de magos apareceu de repente, intimando Heter a ajudá-los em uma missão. Disseram algo sobre uma vingança, que Loren Jacobs estava querendo por em prática. Obviamente, meu marido não aceitou ajudá-los, já que há muito tempo nós deixamos de praticar as artes mágicas.
- E ele acabou capturado, e você, refugiada. – Completou Blaze.
- Sim. Passei cinco dias procurando algum meio de encontrar você, menino mais jovem dos Jacobs. Eles querem você, e eu, o meu marido. – Cyka aproximou-se de Razen, que não se atreveu a encarar a maga com a mesma intensidade do olhar dela.
Clay levantou-se e passou as mãos na cabeça, um tanto quanto desesperado.
- Nós vimos Seimic e Margot no farol hoje. Eles devem estar próximos daqui. – Disse, ofegando e caminhando em círculos pela sala. – PRECISAMOS FUGIR!
O grito de Clay silenciou a todos na sala por um instante. Cyka ergueu lentamente a cabeça para olhar a porta, com alguma desconfiança.
- Não... – Disse, com a voz fraca, erguendo os dedos para apontar a porta – Eles estão... AQ- Cyka não pôde completar a frase. Uma explosão catastrófica acontecia nesse exato momento do lado de fora da casa. Com o impacto da explosão, a porta foi completamente despedaçada, e voou por todos os lados da sala em uma chuva de destroços. Blaze, Razen e Clay colocaram os braços na frente do rosto e tentaram se proteger. Cyka transformou-se novamente em um gato, e correu pra trás dos caçadores, tremendo de medo. Uma vasta camada de poeira espalhou-se por todo o cômodo, servindo de premonição para um acontecimento terrível.
Seimic surgiu na entrada nesse instante. Seu terno branco continuava impecável. O homem adentrou na sala, lentamente. Atraindo os olhares de todos, ele disse:
- É chegado o momento do verdadeiro herdeiro dos Jacobs determinar para o mundo inteiro a sua presença. – Passou a língua nos dedos brancos, sendo observado atentamente por Blaze, que mantinha as mãos sobre as armas, aguardando o momento certo. – É claro que os seus fiéis servos darão uma ajudinha, não é? – Seimic fez um movimento rápido com a mão, como se puxasse energia dentro de si para fazer algo. No segundo seguinte, uma pequena luz branca formou-se ao redor de seu punho, formando uma espécie de luva mágica.
O mago sorriu, com uma maldade terrível nos olhos, e atravessou o cômodo velozmente, na direção de Razen. Foi interceptado por Blaze, que esticou a perna no momento exato para acertar o rosto de Seimic, fazendo-o cair com força em meio aos livros e estantes.
- VAMOS SAIR DAQUI, RÁPIDO! – Gritou Blaze, puxando todos pra fora da casa. Mas não havia mais como fugir. Parados em frente aos destroços do táxi de Clay estavam Loren, empunhando uma pequena espada de prata com a mão esquerda, e Margot, agarrada no braço direito metálico do lorde.
- Há quanto tempo... Razen. – Disse o ruivo mais velho, encarando o irmão furiosamente.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Unfaithful Capítulo 10

Capítulo 10 – Queda

Passaram-se então três anos após os conturbados acontecimentos na casa abandonava do vampiro Nibelung. Esse período rendeu algumas mudanças drásticas para os irmãos Jacobs, tanto em comportamento como em objetivos.

Loren, extremamente abalado com a perda de seu braço, dedicou todo o seu tempo e esforço na tentativa de criação de um membro novo, com uma tecnologia suficientemente sofisticada capaz de tornar a nova situação de seu corpo um pouco menos complicada. E assim, criou um braço artificial, que supriu em parte a sua necessidade. Durante os três anos, o jovem não teve interesse em procurar seu irmão mais novo, e criou em seu coração uma profunda mágoa e raiva, devido a toda a inacreditável noite do confronto com o vampiro. Loren não conseguia entender – e nem aceitar - o porquê de seu irmão possuir a capacidade que ele acreditara cegamente dominar. Seimic e Margot tentaram de todas as formas animarem o lorde com agrados e atenção, mas nada ajudou a diminuir o sentimento que se formara.

Clay iniciou um treinamento intensivo com seu pupilo Razen – que cresceu bastante durante o período dos três anos, e acompanhou o lento processo inicial de sua barba ruiva com entusiasmo -, tornando-o capacitado para trabalhar ao lado de Blaze, que, ao contrário do que acreditava a dupla, não demonstrou nenhuma preocupação ou tristeza ao ser noticiado – com notável crueldade e satisfação – por Vayne da morte de seu avô vampiro. O mafioso não sabia de muitos detalhes da morte, mas acabou esclarecendo à Razen e Clay o parentesco de Blaze com o vampiro.

Quando o menino ruivo completou dezessete anos, Clay decidiu concluir o treinamento, e apresentar o afilhado novamente à Vayne, destacando a experiência ganha durante o ano. Na segunda apresentação, o mafioso – por sinal cada vez mais obeso e sedentário - mostrou-se visivelmente satisfeito com o novo semblante frio do menino, e decidiu sem delongas aceitá-lo como um recruta. Apresentou-o aos Barmen da boate – Jonh, Mike e Charles, que recepcionaram o garoto com carinho – e à alguns amigos mafiosos que descansavam com suas garotas no local. Depois, noticiou Blaze – que novamente não concordou com a idéia, embora isso não fizesse muita diferença – da nova companhia para as missões.

Razen já havia completado sua vingança contra Nibelung, mas decidiu seguir com a idéia de trabalhar eliminando aberrações. Não concordava com a existência de criaturas tão cruéis como vampiros ou demônios assolando a destruição – muitas vezes oculta e silenciosa – em uma sociedade indefesa. Clay concordou com o caminho escolhido pelo ruivo, e prometeu ajudar em tudo que fosse possível.

E a nova dupla de caçadores iniciou suas aventuras. As primeiras missões realizadas em conjunto não representaram nenhum perigo muito extremo, ou situações complicadas. Na maioria das vezes, Blaze eliminava os alvos sem sequer dar uma chance ao menino ruivo de atirar e vencer um inimigo. Mas, com bastante paciência e empenho, Razen conseguiu conquistar espaço ao lado do caçador mal-humorado, e uma amizade que se consolidou lentamente. Uma amizade que Blaze não pôde recusar após uma atitude admirável do ruivo.

Em uma tarde extremamente fria, caracterizada por uma grossa camada de neve envolvendo a movimentada rua da boate de Vayne, e pequenos flocos gelados deslizando pelo ar até tocar o chão, os dois caçadores haviam concluído mais uma missão, e caminhavam lentamente pela rua em profundo silêncio. Ao chegarem à boate, Blaze disse, em voz baixa:

- Eu... Tenho que resolver uma coisa. Aguarde no salão principal da boate, estarei de volta em alguns minutos.

- Não quer que eu o acompanhe? – Perguntou Razen, que não gostava do salão, já que os mafiosos do alto escalão muitas vezes zombavam do rapaz, devido à sua idade e aparência não muito agressiva.

Blaze pensou por um momento, e respondeu:

- Não. Eu preciso ir até o Quarto das Punições.

- Quarto das Punições? O que é isso? – Perguntou Razen, cruzando os braços tentando amenizar o frio.

- É um salão especial para o Vayne. Nesse salão ele aplica as devidas punições para as infrações dos seus servos, sejam eles simples barman ou um sub-líder de uma das facções da família Pennymore.

- E o que você fez de errado para sofrer uma punição?

Blaze pausou por mais um instante. Observou o cair dos flocos de neve. Seus olhos negros brilhavam contra a clareza da neve. Entortou a boca sorrindo sarcasticamente e disse:

- Essa é uma pergunta um tanto quanto complicada de se responder. Quem sabe algum dia eu possa encontrar uma maneira exata de dizer o que eu fiz de errado... – Pigarreou, e continuou – Todavia, devo agora sofrer a chamada Queda.

Razen estava confuso e abalado com as declarações do caçador. Tinha diversas perguntas a fazer, mas decidiu manter uma coerência com o assunto do momento, e apenas perguntou:

- Queda?

Blaze sorriu para Razen, antes de dizer, melancolicamente:

- Quer uma definição? Eu definirei para você. Queda é o inferno na terra. É a coisa mais insuportável e destruidora que um ser humano pode sentir. A Queda é uma habilidade do Legacy, o demônio servo do Vayne. Somente ele possui essa capacidade. Legacy utiliza uma luva preta na mão direita, justamente para controlar o poder imenso que emana de seus dedos. O simples contato de toque pode causar uma insanidade descomunal em um ser humano comum. Para os merecedores de punição, a ordem dada por Vayne é de que os pecadores sofram um contato direto com a mão de Legacy. – Blaze dobrou as mangas de seu sobretudo. Várias manchas roxas estavam espalhadas pelos seus braços, tão profundas que pareciam cicatrizes eternas. Razen arregalou os olhos, assustado – Isso é o que acontece comigo, todos os meses. Pouco a pouco, Vayne vai me enfraquecendo e tornando o meu tempo de vida menor.

Legacy apareceu subitamente, na porta da boate. Um silêncio mortal se estendeu pelos segundos seguintes. Blaze virou-se para observar o demônio, que o encarava friamente. Razen não ousou observar nenhum dos dois, e apenas manteve-se de cabeça baixa.

O demônio decidiu quebrar o silêncio, dizendo, com uma voz arrastada e grave:

- Estamos aguardando-o no Quarto das Punições. O frio não vai ajudar a apagar as manchas, verme abusado.

Blaze cobriu os braços com as mangas, e respondeu:

- Vai chegar o dia – Aproximando-se de Legacy e da entrada da boate, com alguma dificuldade para tirar as botas cobertas da neve – em que o verme abusado vai comer a língua dos seus superiores.

- Estaremos aguardando ansiosamente! – Ponderou o demônio, sorrindo.

Blaze atravessou o salão principal da boate, que estava pouco movimentado devido ao frio. Razen esperou Legacy entrar no salão para entrar também. Não gostava da idéia de ultrapassar o caminho de um demônio perigoso. O ruivo notou, pela primeira vez, a existência de um corredor estreito, ao fundo, do lado da porta da sala de Vayne. Esse corredor levava ao Quarto das Punições, e por ele passaram Blaze e Legacy. Razen, cuidadosamente, seguiu-os, tentando não atrair a atenção de ninguém no salão. Os barmen estavam ocupados conversando com os poucos mafiosos presentes no local, e não perceberam a movimentação do rapaz.

A porta de entrada do Quarto das Punições era bastante comum e não chamava a atenção. Blaze engoliu seco antes de girar a maçaneta e adentrar no espaço do quarto. Uma luz estonteante invadiu o corredor quando o caçador abriu a porta. Razen, que observava tudo escondido atrás da parede, tampou o rosto com a mão para se proteger da claridade.

Quando Legacy entrou no Quarto – fechando vagarosamente a porta -, o menino ruivo caminhou em passos lentos pelo corredor, procurando não fazer barulho. Estava muito curioso para conhecer a Queda, e entender as marcas nos braços do amigo. Sabia do perigo que corria por se expor tanto, mas não havia tempo para hesitar. Razen encostou a cabeça na porta, tentando ouvir algo.

O quarto não era muito grande. Algumas pilhas de caixas amontoavam-se a diversos objetos inúteis pelas extremidades do cômodo. Ao lado de uma pequena escrivaninha extremamente empoeirada, estava Vayne, acomodado em um sofá retangular vermelho. As diversas lâmpadas espalhadas pelo teto tornavam o ambiente muito claro e desconfortável. Blaze posicionou-se no centro da sala, postou-se de joelhos e estendeu os braços à frente do peito. O caçador estava visivelmente incomodado e preocupado com o que aconteceria a seguir. Legacy caminhou até o centro também, e virou-se de frente para Blaze, encarando a situação do inimigo com uma satisfação indescritível. Subitamente, o demônio disse:

- Um verme abusado está tentando obter alguma informação à respeito da punição. Devo eliminá-lo, lorde? – O demônio lançou um olhar à Vayne, que gargalhou por um momento, antes de responder:

- Deixe-o acompanhar a punição. Para os novos recrutas são sempre boas algumas experiências marcantes.

Legacy ergueu o braço esquerdo com os dedos apontados para a porta, que abriu sozinha violentamente. Razen, que estava apoiado atrás dela, desmoronou contra o solo à frente. Vayne gargalhou novamente, e na se preocupou em prestar nenhum tipo de auxílio ao ruivo.

Blaze levantou-se furioso e disse em voz alta:

- Não quero Razen presenciando a Queda. Saia da sala, moleque.

- Por que não quer? Que mal há nisso? – Perguntou Vayne, coçando a verruga do queixo delicadamente. Virou-se para o menino ruivo, que continuava no chão, e disse – É uma longa história, meu rapaz. Mas Blaze está sendo punido por diversos erros cometido no passado. Uma vez a cada mês, ele gentilmente cede uma parte de sua vida e energia para o meu servo. Nada demais.

Razen levantou-se, com alguma dificuldade. Apesar do medo que sentia de Legacy, que o observava sedento por sangue, decidiu arriscar-se dizendo:

- Eu não estava tentando descobrir algo sobre a punição. Eu pretendia fazer um pedido, senhor.

Todos os olhares no quarto estavam voltados para Razen. Blaze, sem entender a motivação do rapaz, apenas fitou-o com atenção. Vayne, curioso, aguardou o pedido, massageando os joelhos com as mãos gordas.

- Eu quero sofrer a punição junto, senhor. Se possível, gostaria de dividir a carga com Blaze. Assim ele não irá perder muita energia, e eu serei realmente útil em algo.

Um silêncio horripilante alastrou-se pelo quarto, após o menino terminar de falar. Vayne, perplexo com a atitude do rapaz, manteve-se quieto sem responder. Blaze arregalou os olhos, desacreditando nas palavras que acabara de escutar. Quis contestar o pedido do companheiro, mas acabou não dizendo nada. A atitude admirável do ruivo não poderia ser diminuída por um simples orgulho pessoal. Após alguns segundos de silêncio, Vayne balbuciou:

- B-b-bem... Se for o que você deseja... Creio que não haja problemas, não é, Legacy?

O demônio estava ainda mais satisfeito agora. Não ousou negar o pedido:

- Não vejo nenhum problema, lorde. O verme deve ajoelhar-se e estender os braços.

Razen suspirou, antes de caminhar até Blaze, e ajoelhar-se ao lado do caçador. Estendeu os braços, observando-os uma última vez em seu estado perfeito, sem manchas ou dores.

Vayne aplaudiu a cena entusiasmado, e falou:

- Um grande show! Dois caçadores sofrendo a grandiosa Queda. Inicie o espetáculo, meu servo.

Legacy sorriu e ergueu a cabeça para observar as lâmpadas. A claridade tornava suas pupilas amarelas tão brilhantes que pareciam tomar um tom dourado. O demônio retirou a luva preta da mão direita, e ergueu-a na altura dos braços dos caçadores.

- Quem vai ser o primeiro? – Perguntou, passando a língua pontuda por todos os dentes.

Blaze, de cabeça baixa e olhos fechados, respondeu:

- Eu. Retire uma quantidade de energia maior minha. O moleque não fez nada, e não merece uma punição tão violenta.

- Como desejar. – Concluiu Legacy. Os momentos seguintes foram tão marcantes para Razen como os da noite trágica de Nibelung. O demônio tocou os braços de Blaze, com a palma da mão, pressionando-a contra o corpo do inimigo com força. Pequenas faíscas elétricas saltitaram do contato entre os dois, antes do caçador começar a gritar assustadoramente e tremer. O ruivo, ao lado, observou a cena com um pavor interno incontrolável. Blaze permanecia tremendo, como se uma corrente elétrica fortíssima estivesse percorrendo o seu corpo sucessivas vezes. Os gritos de dor do caçador só cessaram quando Legacy, extasiado com a energia drenada, retirou a mão dos braços do rapaz, que totalmente esgotado, desmaiou.

Vayne gargalhava e aplaudia, vibrando com a seqüência de atos. Razen, estático e apavorado, apenas aguardava a sua punição no mesmo lugar. Fechou os olhos, ao ver a palma da mão de Legacy cruzar o ar para pousar em seus braços.

E esse foi o seu último movimento, antes de escutar um grito apavorado de alguém, e desmaiar.

Unfaithful Capítulo 9

Capítulo 9 – Orgulho

Durante a semana seguinte, Clay e Razen dedicaram suas tardes em treinos básicos – e posteriormente complexos – com armas e estudos sobre vampiros. Em poucos dias, o menino ruivo já estava familiarizado com as armas, tendo reflexos e pontaria praticamente impecáveis. Tudo graças, segundo a suposição do tutor, ao seu extremo empenho e determinação. Tomar conhecimento da existência de seres tão sombrios, que acabaram com a sua família, tornou o jovem Razen uma pessoa um pouco mais fria e menos sonhadora. Seu único objetivo para o momento era acabar com Nibelung.

Ao acordar na manhã do oitavo dia no país vizinho, Clay decidiu preparar um café caprichado para seu afilhado. Saiu às ruas para comprar pães e doces, e retornou ao hotel meia hora depois. Razen estava acordando nesse momento, incomodado por insistentes pernilongos que rondavam o seu beliche. Saudado com um animado “bom dia” pelo tutor, o ruivo respondeu:

- Bom dia! Estou animado... Hoje é o meu aniversário! – Levantou-se e foi até o banheiro escovar os dentes.

Enquanto arrumava a mesa, e recheava pães com geléia, Clay dizia:

- Sim, sim... Uma data muito importante! A partir de hoje, você é um rapaz de dezesseis anos! Uma bela idade, por sinal. Eu comprei algumas coisinhas enquanto você dormia... Creio que teremos um café da manhã bem agradável.

- E hoje iremos finalmente atrás do vampiro. – Razen saiu do cômodo limpando o rosto com uma toalha azul – Não é?

Clay separou quatro pães na mesa, guardou outros dois em um saco plástico e voltou sua atenção para o menino:

- Pensei que quisesse aproveitar o seu aniversário sem correr qualquer risco.

- O melhor presente de aniversário que eu posso receber é a certeza de finalmente acabar com isso. Eu quero muito poder encarar o inimigo.

Clay hesitou por um instante. Achou melhor não contrariar:

- Entendo. Se for o seu desejo, eu vou ajudar a satisfazer. Meus parabéns pelo seu aniversário, filho. – O tutor abraçou carinhosamente o menino, que retribuiu agradecido.

Após o reforçado – e saboroso – café da manhã, onde degustaram, além dos pães com geléia; um delicioso bolo de frutas, mel e ameixas, a dupla pagou a estadia no hotel e saiu em direção ao taxi. Apesar de estar relativamente cedo – aproximadamente nove horas -, a rua já estava bastante movimentada. Diversas pessoas circulavam, juntamente de alguns ciclistas próximos à calçada, e alguns carros na larga rua. Ao entrar no carro, a conversa recomeçou.

- Como sabe onde o vampiro se esconde? – Perguntou Razen, acomodando-se no banco e colocando o cinto.

- Larks contou onde era certa vez. Eu espero que Nibelung ainda viva por lá. Apesar de que só poderemos vê-lo, e enfrentá-lo, durante a noite.

- Como dito nos livros... – Complementou o menino, esticando a cabeça para fora do carro quando Clay deu a partida. Razen adorava observar o jeito das pessoas nas ruas enquanto o carro circulava. Estando em um país vizinho, onde as roupas e os lugares eram diferentes, esse hobby se tornou ainda mais agradável de praticar. – O que faremos até o anoitecer?

Clay acelerou o veículo, e olhou rapidamente para o afilhado, esboçando um sorriso:

- Vamos aproveitar o seu aniversário!

E assim o fizeram. Durante a tarde inteira passearam pelos mais diversos locais, como o cinema mais próximo; o parque de diversões – onde aproveitaram o tiro ao alvo para testar a pontaria aprimorada -; uma praça extremamente agradável, cheia de flores cheirosas que atraíram o olfato da dupla durante um bom tempo; e uma pista para bicicletas, onde Clay alugou duas das mais baratas para brincar com Razen. Aquele dia parecia interminável, como se a noite perigosa não devesse acontecer. Mas, mesmo diante do melhor aniversário de sua vida, o menino ruivo não desistiu de seu objetivo. E quando o sol se pôs, dando início ao escurecer, ele tratou de cobrar o combinado:

- Está na hora de começarmos a busca, Clay. – Estavam dentro do taxi, descansando após as horas de diversão – Acabar com Nibelung.

Clay, ofegante, devido à sua idade já avançada para tanto exercício em uma bicicleta, concordou:

- Sim, como prometido, vamos atrás dele agora. Por sorte não estamos muito longe do lugar indicado por Larks. Ele havia me dito que é uma casa abandonada, onde vive o vampiro, sozinho.

Diferentemente da agradável tarde, onde a dupla sorria e brincava alegremente, tinham agora nos rostos um semblante sério e frio. Estavam cientes de que poderiam até mesmo morrer enfrentando a criatura, porém, era um risco a se correr. Quando o taxi recomeçou a percorrer as ruas desertas – já que o país vizinho era conhecido pelo perigo de suas ruas durante a noite -, um vento gélido contribuiu para amargar o silêncio dentro do veículo, onde Clay e Razen permaneceram absortos em seus próprios pensamentos. Pouco tempo depois, o carro atravessou um pequeno túnel que ligava dois bairros, e atingiu uma série de estreitas ruas que se ligavam em um emaranhado sem fim. Em uma dessas ruas – tão estreita que permitia a passagem de apenas um carro por vez -, Clay deu o sinal para Razen:

- Estamos chegando. Lembro-me bem, Larks disse que após o emaranhado de ruas estreitas, ele atingiria uma grande avenida, que daria acesso a outra rua menor, onde se localizaria a casa abandonada.

E o carro percorreu o trecho descrito pelo tutor. Quando atingiram a rua menor, Clay diminuiu a velocidade do veículo para analisar casa por casa, até encontrar a tal abandonada. A rua era extensa, causando certo trabalho para identificar o lugar certo. Em frente de uma casa aparentemente antiga, com paredes desgastadas e algumas rachaduras expostas, estava parada uma mulher, que para a dupla no carro era desconhecida. A mulher era a esposa de Seimic, e vice-comandante da Lirium Corporation. Balançando levemente seu vestido azul estampado em diversas flores lilás, ela desviou o olhar do casarão para observar o táxi por um instante. Seus lábios, cobertos por uma fina camada de um batom azulado, se contraíram ao perceber a presença de Razen. Clay estacionou o carro ao lado dela, e, ao abrir a porta do veículo, foi recebido com duras palavras:

- Que péssima surpresa. O filho renegado, e o velho fracassado que encontrou no menino um motivo para viver. Formam uma dupla digna de pena. - A mulher, apesar de sua beleza angelical, mostrou seu caráter repugnante.

Razen abriu a porta nesse instante, e saiu do carro com certa violência, batendo-a com força. O som da porta ecoou por toda a rua, deserta nesse momento. As luzes das luminárias espalhadas pelas laterais da rua começaram a acender se tornando os únicos pontos claros, após Clay apagar os faróis do carro. Razen não estava nada contente após ouvir o comentário da mulher. Toda a magia e alegria do aniversário, o olhar feliz e satisfeito do rapaz, modificou-se em um olhar capaz de fazer os mais fracos de espírito perecer. O menino ruivo encarou a mulher com total desprezo e repugna, e juntou forças para perguntar, secamente:

- Quem é você?

Deslizando os dedos delicadamente pela própria bochecha, a mulher respondeu:

- Lady Margot Raziv, esposa do vice-presidente da Lirium Corporation, por sinal, a empresa dos seus pais – A mulher sorriu, e disse pausadamente -, cujo líder é Loren Jacobs.

Razen perdeu o controle, e avançou contra a mulher. Clay contornou o carro e tentou segurar o menino, mas não precisou fazer nada. Margot estendeu seu braço – envolto por diversos braceletes e colares – e tocou a testa do jovem ruivo. O menino acalmou-se no mesmo momento. Sentiu-se leve, sem forças, hipnotizado. Não conseguiu sequer se mexer.

- Cuidado, rapazinho. Eu não sou seu irmão, e não vou deixar você encostar suas mãos sujas em mim. – Vociferou Margot, visivelmente irritada com o súbito ataque.

- O que você faz em frente à casa de um vampiro? – Perguntou Clay, afastando Razen da mulher.

- Estou apenas acompanhando o meu marido. Ele está lá dentro, com lorde Loren. Vocês vieram matar Nibelung? – Margot riu debochadamente – Uma abominável coincidência. Apesar de todos sabermos quem tem mais chance de cumprir esse objetivo.

Clay decidiu ignorar a presença incômoda da mulher. Preocupava-se agora com o que acabara de ouvir. Loren estava na casa abandonada, e um encontro entre os irmãos não seria exatamente um bom plano para esse dia. Porém, Razen, que também ouvira o que Margot dissera, prontificou-se em dizer:

- Meu irmão está aqui... Ótimo. Vou matar um vampiro na sua frente, e mostrar que não sou um renegado, como fui denominado hoje. Se Loren foi escolhido para se tornar o presidente – O menino sentiu um aperto no peito -, algo ele fez para merecer.

- Vamos entrar de uma vez. – Concluiu Clay, retirando as armas do taxi e abrindo lentamente a pesada porta de madeira da casa. O clarão das luminárias na rua espalhou-se pelo pequeno corredor que separava a porta do restante da casa.

Com um longo suspiro, Clay foi o primeiro a entrar no corredor, seguido por Razen. Decidiram não fechar a porta, para que a luz das luminárias esclarecesse ao menos uma parte do caminho. O corredor era pequeno, passível a uma pessoa por vez, e não continha nada em suas paredes sujas. A dupla atravessou o corredor lentamente, tomando o cuidado de não fazer muito barulho, sendo o maior dos ruídos apenas a respiração inquieta de ambos. Ao fim do corredor encontraram uma sala pequena – e uma porta fechada na outra extremidade do cômodo - com uma janela tampada por madeiras e pregos, sem qualquer tipo de iluminação para a sala, dois quadros bizarros com alguns animais mortos na lateral esquerda, e uma pequena mesa de vidro ao centro, sem qualquer objeto – exceto um pequeno vaso esverdeado – sob sua superfície. Clay checou o ambiente com dificuldade, pois a luz das luminárias lá fora já não era tão intensa nesse ponto. Razen tentou analisar os quadros, mas não conseguiu encontrar coerência alguma neles.

Subitamente, gritos pavorosos atraíram a atenção dos dois, vindos detrás da porta. O silêncio fora quebrado por uma sucessão de barulhos estrondosos. Clay abriu a porta rapidamente, e sentiu seu coração acelerar. Estavam agora em um salão um pouco maior, iluminado por diversas janelas nas laterais, onde a lua brilhante impunha sua presença. Os gritos vieram de diversos vampiros caídos ao chão, ensangüentados e derrotados. Loren estava próximo do centro da sala, de braços cruzados, confiante e destemido. Ao seu lado estava Seimic, portando mais um de seus luxuosos ternos. Suas luvas brancas, manchadas por muito sangue, eram a única imperfeição em seu traje. Clay e Razen estavam boquiabertos e confusos. Pretendiam enfrentar um vampiro lendário, e testemunhavam agora a derrota de VÁRIOS deles.

O fundo do salão, envolto por uma escuridão total, dava a sensação de que o pior ainda estava por vir. Loren ainda não havia percebido a presença do irmão, e disse em voz alta:

- Isso é o melhor que os seus lacaios podem fazer? Não serviram nem mesmo de aquecimento para o meu servo! E eu não precisei nem mesmo me mexer para ajudá-lo!

Razen aproximou-se lentamente, e sibilou:

- Loren...

O ruivo mais velho virou-se rapidamente para observar seu irmão.

- O que você faz aqui? Veio apreciar o meu poder? – Perguntou Loren, erguendo os braços como um imperador.

- Do que você está falando? – Retrucou Razen.

- O motivo pelo o qual eu sou o filho querido do papai, e não você. O motivo pelo o qual as empresas são MINHAS e não SUAS.

- QUE MOTIVO É ESSE? – Perguntou o ruivo mais novo, ensandecido.

- EU – Loren gritou no mesmo tom que o irmão – SOU AQUELE COM O PODER DE MATAR VAMPIROS! – Diminuiu a voz para as frases seguintes – Eu tenho a capacidade total para vencer um vampiro, sem precisar de qualquer arma ou proteção. Reza a lenda, meu querido irmão, que o primogênito da quarta geração entre os Jacobs seria o dono dessa habilidade. E eu a sinto correndo dentro de mim – O ruivo estendeu seus braços e observou-os com clara satisfação.

- Então... – Razen baixou a cabeça, extremamente confuso e desnorteado – Tudo não passou de interesse. Papai sabia da sua capacidade e deixou tudo pra você, como se eu não existisse ou não merecesse por nascer depois...

Movimentos na escuridão atrapalharam a conturbada conversa. Um ruído estridente atingiu os ouvidos dos quatro no salão, e atordoou-os por um instante. Quando o ruído cessou, o chão tremeu por um instante, desequilibrando Razen, que caiu de joelhos, e Clay, que se apoiou na parede. Uma horda de morcegos, de todos os tamanhos, surgiu da escuridão ao fundo e espalhou-se pelo salão, fazendo investidas contra Seimic e Loren, que se abaixaram para não serem atingidos pela fúria das criaturas. Os morcegos rodopiaram pelo teto do salão durante um tempo, descendo em alta velocidade algumas vezes e chocando-se contra os corpos dos ruivos. Uma sombra na escuridão foi tomando forma e força, criando uma estrutura humanóide. A sombra se transformou em um vampiro, muito mais aterrorizante ou temível do que os outros mortos ao chão. Clay, Razen, Seimic e Loren levantaram-se para observar a criatura, enquanto os morcegos continuavam seus rodopios no teto. O vampiro tinha olhos amarelos, muito densos e frios. Estes olhos analisaram todo o salão rapidamente, verificando o estado dos lacaios e dos intrusos. Os caninos da criatura eram maiores do que os dos outros, e se estendiam até alguns centímetros abaixo do queixo. A pele amarelada do vampiro contribuiu para que a escuridão do fundo do salão cessasse. Abrindo a boca lentamente – e exalando um odor horrível – o vampiro, com uma voz fria e arrastada, ordenou:

- Venham, minhas pequenas crias das sombras! Voltem ao seu corpo de origem, pois ele agora necessita muito da sua energia. – O vampiro abriu a boca um pouco mais, com um tamanho suficiente para engolir uma cabeça humana. Os morcegos que rodopiavam pelo salão mergulharam dentro da garganta do vampiro mestre. Razen olhou para Clay, assustado, e o mesmo retribuiu um olhar amedrontado. Quando todos os morcegos haviam sido engolidos, o vampiro diminuiu a abertura de sua boca, e dirigiu-se para Loren:

- Então... Tens a capacidade de matar vampiros. Deveras interessante, a meu ver. O que achas então de acabar com a existência do grandioso Nibelung Mortuary? Tens essa oportunidade, já que estou aqui esperando o teu milagre.

Seimic encarou a criatura friamente. Dos quatro, era o com menos temor. Aproximou-se de Loren, que estava perplexo com a aparição majestosa de Nibelung, e disse baixinho:

- Acabe com isso. Você só precisa de um braço para acabar com ele.

Loren tomou a frente, e ficou a poucos metros de distância do vampiro. Ergueu seu braço direito e disse:

- Este é o seu fim, vampiro maldito. Lembra-se de Larks e Belle Jacobs? Você os matou, e eles eram os MEUS pais! – Avançou contra a criatura, com o braço erguido, pretendendo atingi-lo com um soco. Razen queria gritar para impedir o seu irmão, mas parecia não ter voz. Não conseguiu gritar ou se mexer para ajudá-lo, e, parado ali, teve a pior visão em sua vida.

Quando o braço de Loren aproximou-se da boca de Nibelung, o vampiro abocanhou-o sem relutação. Mordeu com vontade e fúria, cravando seus caninos com tanta intensidade que quase arrancou o membro fora. Seimic avançou contra o vampiro, que largou o braço do ruivo para agarrar o novo atacante pelo pescoço, e jogá-lo contra a parede. Razen agora conseguiu gritar, desesperado, enquanto Nibelung voltou a atacar Loren, mordendo seu braço direito até arrancá-lo do corpo. O ruivo mais velho entrara agora em desespero, chorando, gritando e debatendo-se pedindo ajuda. Razen, furioso e igualmente desesperado, atacou o vampiro, empurrando-o contra a escuridão. Nibelung estava se divertindo, vendo Loren naquela situação, e o irmão valente tentando protegê-lo.

- Tens também a tal capacidade de matar vampiros, pequenino? – Perguntou ao irmão mais novo, gargalhando.

Clay empunhou um de seus fuzis e deu dois tiros contra a escuridão, onde o vampiro se camuflara. Nibelung reapareceu segundos depois, no teto, com a boca arreganhada para abocanhar o corpo inteiro de Razen em uma só mordida. Em um vôo rasante, mostrando agora suas esplendorosas asas negras o vampiro atacou. O ruivo pulou contra o chão e escapou do ataque. O vampiro sofreu uma queda violetan contra o solo, porém, não pareceu sentir o impacto, levantando-se em seguida, já preparado para atacar novamente. Clay atirou novamente com seu fuzil, e acabou atraindo a atenção do vampiro, que ultrapassou o corpo dos vampiros caídos no chão para golpear o velho. Razen surgiu por trás e agarrou o vampiro pelo pescoço, que tentou se desvencilhar chacoalhando o corpo violentamente. Razen tentou sufocar a criatura, embora soubesse que esse tipo de coisa não adiantaria. Clay tentou atirar, mas não conseguia devido aos movimentos do vampiro, que acabou por apertar com força os braços do menino ruivo, até ele soltar o seu pescoço. Nibelung virou-se para morder Razen, segurando os seus braços e mantendo-o preso. Clay tentou ajudar, mas era tarde demais. Loren, no chão, gritou como seu irmão gritara anteriormente quando o vampiro arrancara seu braço. Nibelung alargou a boca e mordeu o pescoço de Razen, que não demonstrou reação alguma. Um súbito silêncio se instalou no salão. Nibelung desgrudou o pescoço de sua boca, sem entender. Seus caninos tão resistentes e afiados estavam totalmente tortos, e o pescoço do menino, intacto. O vampiro não conseguira morder o rapaz.

Seimic observou a cena com os olhos arregalados, e sibilou:

- Aquele com o poder de matar um vampiro não precisa de armas ou proteções, por que o seu próprio corpo é um escudo.

Loren não queria acreditar:

- Não pode ser... NÃO! EU sou o filho primogênito... Como pode ele ter esse poder?

Razen sentiu sua autoconfiança e forças voltarem. Sentiu uma alegria interna imensa, e uma sensação de vitória. Olhou para o vampiro, que agora já não parecia tão amedrontador.

Nibelung largou o ruivo, e passou os finos dedos pelos caninos.

- Então o poder era real. É o fim do meu legado. – O vampiro curvou-se para o menino, e ajoelhou-se, esperando a sua sentença. Razen olhou para seu irmão, que o encarava com ódio e inveja agora. Não conseguia nutrir o mesmo sentimento, vendo que Loren acabara de perder o próprio braço, cego em sua certeza de ser dono de um poder tão grande. Clay caminhou até o vampiro e o afilhado, e entregou nas mãos do menino ruivo o seu fuzil.

- Feliz aniversário, filho. – Entoou, antes de sair pela porta que entraram anteriormente, e ouvir, segundos depois, um último disparo no salão, que deu fim à conturbada noite.

Minutos depois Razen saiu pela pesada porta de madeira na entrada da casa, e lançou um último olhar à Margot, que aguardava sorridente por Seimic e Loren.

Clay achou melhor não esperar a saída dos outros dois, e após a entrada do afilhado no táxi, deu a partida e iniciou o percurso de volta. Loren deixou a casa alguns segundos depois, continuando a chorar, com a mão esquerda procurando algo do lado direito do corpo para segurar. Margot, surpresa com a destruição do braço de seu lorde, acolheu-o e procurou confortá-lo com um abraço.

No carro, Clay e Razen mantiveram o silêncio durante um bom tempo – e já viajavam de volta para o país de origem, até que o menino decidiu falar:

- Estou curioso para ver a reação do Blaze. Caso ele não insista em vingar o vampiro, como eu fiz com meus pais, poderemos ser companheiros de trabalho.

- E seria muito interessante se você criasse uma amizade com ele. Parece ser um rapaz leal, apesar de aparentemente sofrido.

Razen decidiu fazer uma última pergunta, antes de mergulhar em suas lembranças da fatídica noite:

- Será que papai está orgulhoso de mim?

Clay não ousou responder.

Unfaithful Capítulo 8

Capítulo 8 – Viagem

- E você já matou alguém?

Razen estava acomodado em uma cadeira de mármore, respondendo um sórdido questionário feito por ninguém menos que Vayne Pennymore. A espaçosa sala de reuniões, onde ficavam todos os quadros de mafiosos, e onde as ligações sempre surpreendentes de clientes com problemas aconteciam, tinha agora a presença ilustre do mais jovem dos Jacobs, acompanhado de seu tutor Clay. Depois do acontecido com Loren no dia anterior, o tutor achou melhor ligar para Vayne e solicitar um emprego para ambos.

-Nunca matei, senhor. – Respondeu o jovem ruivo, que continuava determinado a cumprir vingança – Porém, após ficar ciente de determinados fatos, estou devidamente disposto e ansioso a matar certa pessoa.

- Entendo. – Disse o entediado Vayne, balançando as banhas em sua enorme cadeira – Já pegou em uma arma, filho?

-Não senhor.

- Hmm – Vayne cutucou a verruga em seu queixo com um charuto inglês -, infelizmente, aqui não é uma creche para menores revoltados. E eu já tenho um caçador suficientemente bom, que sofre bastante nas mãos do titio aqui – Apontou para Legacy, ao seu lado, que se mantinha totalmente alienado a conversa, apenas encarando Clay com frieza.

- Eu posso ensiná-lo a lutar, Vayne. Não se preocupe. Cuidei de Razen por onze anos, ele tem uma determinação invejável. – Clay evitou o olhar do demônio, e buscou dentro de si uma determinação semelhante à de seu afilhado.

- Vou dar uma chance então. Você terá um ano para treiná-lo. Após esse período, ele será admitido como recruta e trabalhará junto de meu outro caçador.

O caçador citado entrou na sala nesse momento. Era Blaze, um pouco mais novo, sem tanta barba e apetrechos por todo o corpo. Estava um pouco sujo e sangrando por alguns cortes que rasgaram a camisa do lado direito.

- Mande a próxima missão Vayne, não tenho tempo a perder.

O mafioso sorriu ironicamente, e apresentou o caçador:

- Esse é Blaze Mortuary, meu servo e caçador de aberrações.

Razen congelou. Sentiu um arrepio e seu corpo esfriou rapidamente. Levantou-se e virou-se para observar o homem. Lembrou-se do sobrenome dito por Clay na noite passada no mesmo instante. O tutor não ficou nada contente ao descobrir o sobrenome do possível novo companheiro de Razen, mas não podia fazer nada naquele momento.

-Muito prazer, sou Razen Jacobs. – Estendeu a mão para cumprimentar Blaze, que retribuiu com um aperto dolorido.

Vayne, percebendo o descontentamento do caçador, que não estava nem um pouco interessado em ser apresentado a estranhos, entoou:

- Em breve ele será seu companheiro de caça, Blaze. Vocês vão trabalhar juntos.

Blaze voltou a sua atenção para o mafioso, e pareceu mais frio do que nunca:

-Não preciso de companheiros. Ainda mais sendo um moleque que mal saiu das fraldas.

O menino ruivo ignorou o comentário. Estava assustado demais com a idéia de trabalhar ao lado de um homem provavelmente pertencente a uma linhagem vampiresca.

- Já que não vai me dar uma nova missão, vou sair para descansar. Até mais. – Concluiu Blaze, retirando-se da sala, enquanto os demais amargavam um remoto silêncio.

Pouco tempo depois saíram dali também Razen e Clay. Passaram pela boate ligada à sala de Vayne, onde o tutor cumprimentou o barman Charles e mais alguns mordomos. Ao atingirem a rua, Clay decidiu mencionar:

- Já não acho que fiz a coisa certa. Agora estou expondo nós dois a um risco enorme. Como pode tanto azar, justamente o caçador do Vayne ser um Mortuary.

- É uma família composta inteiramente por vampiros? – Perguntou Razen, enquanto atravessavam a avenida e entravam em uma lanchonete.

- Não. Na verdade, conheço apenas Nibelung como um vampiro entre os Mortuary. Existe uma chance de Blaze também ser um vampiro, apesar de...

Clay parou de falar. Blaze estava do outro lado da rua, encostado em um muro de uma residência abandonada, apreciando o calor solar tão forte naquele momento.

- Sem chance. – Ponderou Razen.

Algum tempo após observarem o caçador em silêncio, a dupla pagou os sucos que tomaram e saíram da lanchonete, sem serem notados. Entraram em um taxi estacionado à frente, onde Clay começou a falar:

-Está na hora do meu velho taxi voltar à ativa. Já estou com saudade da rotina de taxista, mas no momento não vou poder retomá-la. Tenho que treinar você, filho, para que possa trabalhar ao lado de Blaze...

- Ele deve ser um caçador muito talentoso, não é? – Razen pegou uma revista largada no banco de couro do automóvel e começou a folheá-la.

- Oh... Sim. É difícil conseguir a confiança do velho gordo do Vayne. Devo avisá-lo de que ele não é um chefe muito agradável...

- Não vejo problemas, apesar de isso no momento não me importar. Clay – O menino ruivo colocou a revista de volta no banco e tornou seu semblante frio -, eu vou acabar com Nibelung. Com ou sem a sua ajuda.

O tutor não respondeu imediatamente, cruzou pelo menos dois quarteirões com o taxi antes de retomar a conversa.

- Penso que essa não será uma tarefa fácil. É um vampiro, oras. Vampiros possuem fraquezas, mas não deixam de serem extremamente perigosos e complicados de se enfrentar.

- E quantos como Nibelung existem hoje?

Clay pensou por um instante, roçando a barba branca do queixo com sua mão esquerda, enquanto conduzia a direção com a direita.

- Não muitos, eu diria. É uma raça cada vez mais extinta. E isso é ótimo. Eu admiro a sua tranqüilidade quando tratamos desse assunto, meu pequeno. Quando eu descobri a existência desses seres, passei dias perturbado em uma insanidade mental, sem realmente acreditar naquela coisa aparentemente surreal.

- Eu confio em você, Clay, e acredito em tudo o que me disser. É claro que estou assustado, mas tenho tentado me controlar ao máximo. Não é hora de fraquejar. – O menino apertou as mãos nos joelhos com força, descarregando todo o seu stress interno.

Estavam em frente à casa de Clay alguns minutos depois. Saíram do veículo e entraram rapidamente na residência, onde o tutor pediu que o menino aguardasse na sala. Razen sentou-se no sofá e aguardou apreensivamente. Tinha medo agora por sua vida, medo por seu irmão, que tanto mudara. Queria poder não envolver Clay naquilo, que demonstrava em suas atitudes e comportamento uma total discrepância em relação à opção tomada por seus pais. E ele mesmo agora pretendia tentar o mesmo em que Larks e Belle falharam. Viajar para outro país e se encontrar com um vampiro. Mas dessa vez sem acordos.

Clay voltou alguns minutos depois, com dois fuzis embalados em um saco preto, com muitas balas soltas, dois pequenos vidros de água benta, além de um saco transparente contendo alguns alhos e crucifixos.

- Se temos realmente que enfrentar essa criatura, que seja da maneira apropriada. – Disse o tutor, sorrindo.

- Eu não sei atirar. – Disse em voz baixa Razen, pegando um dos fuzis com certo receio.

- Você vai aprender. – Clay colocou tudo o que havia separado no porta-malas do taxi. Entrou em sua casa mais uma vez, e visitou todos os cômodos, dizendo baixinho “tchau” para seus pertences mais preciosos. Saiu logo depois, acompanhado de Razen. Antes de entrar em seu veículo, olhou para a fachada da casa, e murmurou:

- Vou sentir a sua falta.

Razen estranhou o comportamento do tutor, mas não contestou. E a dupla iniciou ali um novo rumo. Clay parou apenas em um posto de gasolina para abastecer o veículo, e em um pequeno mercado para comprar alguns mantimentos. A dupla viajou então durante horas, procurando não manter o pensamento somente no vampiro. Relembraram trechos de algumas velhas músicas que cantavam quando os irmãos Jacobs eram menores, divertiram-se recontando os bons momentos que a humilde família – irmãos e Clay – passou juntos, os maus momentos também, onde a união e perseverança superaram as adversidades. Em determinada passagem da viagem, mudaram os assuntos, e começaram a discutir as razões da mudança repentina de Loren. Clay sabia da tradição na família Jacobs, e decidiu que era o momento mais oportuno para contar ao seu afilhado. E assim o fez, e a notícia foi recebida com tranqüilidade pelo jovem ruivo, que acabou por concluir que seu irmão havia mesmo sido escolhido para reger a empresa. Quando o sol começou a se por, e o céu a escurecer, a dupla já estava no país vizinho. Percorreram uma estrada imensa que se estendia por dezenas de quilômetros, onde Razen pôde ver diversos animais alimentando-se da grama verde e cheirosa, nas laterais da pista. Logo depois chegaram à cidade mais famosa do país vizinho, dona dos maiores hotéis do mundo, além de diversos outros estabelecimentos comerciais de grande porte. Acabaram hospedando-se em um dos mais modestos hotéis, onde a diária era barata e o lugar pequeno. Clay acertava os detalhes com a recepcionista, enquanto Razen, carregando duas maletas onde estavam guardados todos os objetos anteriormente colocados no carro, observava um belo aquário que ocupava um grande espaço na entrada do hotel. Viu diversos tipos de peixes, entre os quais Barbos, Tetras, Lebistes, Coridoras, Gupis e Platis, embora ele não soubesse o nome de nenhum.

Aquela noite foi tranqüila para a dupla. Pareciam até estar viajando apenas para diversão e lazer, tamanha a serenidade e paz que apresentavam até então. Mas isso durou somente um dia. Antes de Razen dormir, Clay deixou-o preparado:

- Amanhã eu vou ensiná-lo a atirar. Poderemos treinar o dia todo, para que você adquira prática e reflexos. Seu pai era um exímio atirador, embora utilizasse seu dom apenas para lazer nos campos de tiro ao alvo.

- Devemos ter uma boa noite de sono então. Obrigado por vir comigo, Clay. Isso é realmente muito importante pra mim. – Dizendo isto, Razen fechou os olhos e tentou relaxar.

O tutor observou o afilhado durante alguns minutos, antes de apagar as luzes e deitar-se na cama de madeira.

Unfaithful Capítulo 7

Capítulo 7 – Ruivos

- Eu não sei se poderei voltar. Quando tudo se acalmar, tentarei encontrar algum jeito de retomar as nossas vidas. Mas no momento não posso levar os dois. Você realmente pode cuidar deles, Clay?

Em meio a uma torrencial chuva de verão, com pequenas pedras de gelo atingindo o chão furiosamente, um jovem rapaz ruivo, acompanhado de seus dois pequenos filhos, aguardava por uma resposta, protegido por uma lona que se estendia de ponta a ponta na entrada da casa do igualmente jovem Clay, que, atônito com a súbita aparição do amigo, fixara os olhos nos dois meninos diante dele, que nada pareciam entender da situação.

-Posso. Eu vivo sozinho aqui... Vai ser bom ter companhia. Mas não poderei dar todo o conforto que os Jacobs desfrutaram por tanto tempo...

-Oh, não se preocupe com isso. Eles ainda são pequenos... Não precisam de todo o luxo que tinham a dispor. Veja – O rapaz botou a mão nos cabelos ruivos de um dos meninos – este é Loren. – O menino ergueu a cabeça para observar o jovem Clay, e deu um sorriso bondoso, contraindo suas enormes bochechas sardentas. E esse – Acariciou os cabelos ruivos mais longos do outro – é Razen. Digam oi para o Clay, meninos!

- Olá Clay! – Disseram juntos os dois pequenos, com uma voz fina e estridente. O pai observou os filhos com olhos tristes, antes de empurrá-los levemente com as mãos para dentro da residência do amigo. Clay acomodou as crianças em um pequeno sofá empoeirado, e voltou à porta para se despedir do pai.

- É realmente lamentável que tudo tenha corrido dessa forma, Larks. Temo pela sua vida, temo pela vida da Belle, e pelos seus filhos, que poderão não crescer da forma que vocês esperavam.

Larks abaixou a cabeça e contraiu os lábios.

-Eu... Não sei onde errei. Mas preciso limpar o nome da nossa família. Belle já saiu do país, acompanhada de dois guardiões. Vou viajar também, daqui a três horas.

Clay hesitou em saciar certas dúvidas que passavam pela sua cabeça, e acabou decidindo apenas perguntar:

-Chegarei a ver você novamente, meu amigo?

Larks ergueu a cabeça e encarou os olhos castanhos de Clay com uma inquietação.

-Eu espero que sim. – Deu as costas para o amigo e entrou na limusine negra estacionada na frente da casa. Clay sentiu que a vida de seu amigo, assim como a sua, estaria agora tomando um rumo totalmente novo. Mas não necessariamente melhor.

E assim passou-se o tempo. Tratados com muito carinho e respeito, os pequenos Loren e Razen passaram onze anos sob a tutela de Clay. Durante esse tempo tiveram uma vida comum, passaram algumas dificuldades, freqüentaram a escola local, fizeram alguns amigos no bairro suburbano – Loren tinha uma facilidade enorme para amizades, enquanto seu irmão permanecia sozinho em muitos momentos –, praticaram suas travessuras e aventuras, além de outras atividades menos significantes. Quando Loren completou dezessete anos – e tinha seis anos quando foi deixado na casa de Clay -, sua postura começou a mudar. Um rapaz alto trajando um elegante terno branco certa vez o impediu de entrar na escola, segurando-o pelo braço e tomando o cuidado de afastá-lo de seu irmão para que não percebesse a aproximação. Loren, assustado, começou a falar alto:

-Quem é você??! O que pensa que está fazendo?

O homem, olhando fixamente para o rosto do menino, respondeu:

-Perdoe-me pela deselegância, meu pequeno lorde. Sou Seimic Raziv, membro honorário da Lirium Corporation.

-O que quer comigo? – Perguntou impacientemente, desvencilhando-se das mãos de Seimic.

- Creio que ainda não seja da sua ciência, mas você é o herdeiro de toda a fortuna dos Jacobs, e da Lirium Corporation. Larks e Belle Jacobs morreram há exatamente um mês, e deixaram-me a tarefa de introduzi-lo a um novo mundo.

- Meus pais... Morreram? Não que seja uma completa novidade, para nós eles já estavam mortos há muito tempo. Moramos com o senhor Clay há onze anos, e nunca recebemos sequer uma visita ou notícia deles.

-Eles tinham apenas mais uma chance de consertar todos os erros que tornaram essa família tão respeitada em uma decadente sujeira – O homem puxou de um bolso um pequeno lenço branco, e suavemente arrastou-o pelas bochechas, limpando um insistente suor expelido pela sua pele -, mas falharam cruelmente. Tiveram ao menos sabedoria para deixar tudo nos conformes de modo que você assuma o controle sem dificuldade. Você agora é um rapaz milionário, dono de uma empresa respeitada e cultuada. É hora de abandonar a sua vidinha miserável aos cuidados de um pobre velho que não tem onde cair morto.

- O POBRE VELHO ERA AMIGO DO MEU PAI! – Gritou Loren, exaltado. Seimic puxou-o até a rua seguinte, distanciando-se dos jovens que passavam cumprimentando o garoto antes de entrar na escola.

-Escute... Perdoe-me pela rispidez.

- Você disse um monte de coisas... Mas e o meu irmão? Ele também faz parte dos Jacobs, tem o mesmo sangue que eu! Como podem se esquecer de um dos filhos?

O homem pausou por um momento, olhando em sua volta. Pela rua circulavam muitos carros, que causavam um efeito sonoro suficientemente alto para que ninguém percebesse a exaltação na voz de Loren.

- Não deixaram nada para Razen. A tradição dos Jacobs sempre foi essa. Apenas uma pessoa sucede o poder. A partir da sucessão de um novo líder, quaisquer irmãos que o mesmo tenha, passam a ser apenas comandados sem qualquer chance de assumir os negócios.

-Isso é ridículo! E por que diabos escolheram justamente eu? O que eu tenho que ele não tem?

- Deseja ver com seus próprios olhos? – Perguntou Seimic, contraindo os lábios satisfatoriamente, e estendendo a palma da mão para Loren – Posso mostrar agora mesmo. Você só precisa vir comigo.

E a curiosidade em saber por que seus pais o escolheram, e não ao irmão, fez com que Loren se confundisse. Mergulhado em uma perturbação mental após a digestão de tantas novas informações dadas por um completo desconhecido, ele decidiu arriscar. Decidiu verificar se aquilo tudo era realmente verdade, e descobrir o porquê de ser escolhido. E essa foi a decisão que mais uma vez, mudou todo o destino de uma família, fadada a perecimentos e reviravoltas.

Loren só voltou para a casa de Clay no dia seguinte. Questionado sobre seu desaparecimento repentino, foi curto:

-Estou namorando, e não gostaria de envolvê-los nisso ainda... Estive apenas passeando com a minha garota. Desculpem.

Porém, esse foi apenas o primeiro passo para uma mudança drástica. De um menino calmo e dócil, querido por todos, ele se tornou rude, áspero, petulante. Agora já não concordava mais com a postura de seu tutor, e questionava a razão de ter que viver em um bairro pobre cercado de gente considerada inferior. Razen, que nesse momento estava em seus quinze anos, espantou-se com a mudança do irmão, e iniciou um conflito familiar que acabou com toda a harmonia da humilde residência. Os dois irmãos ruivos passaram a discutir constantemente, o mais novo indignado com a nova postura e brutalidade do irmão, o mais velho inconformado com a inocência e falta de personalidade do outro.

E em certa discussão, estando os dois e Clay na pequena sala, um desprezo sórdido vindo de Loren colocou o tutor – agora mais velho, com o pouco cabelo começando a criar pelos brancos – em estado de choro:

-Será difícil pra você perceber que nós não devíamos estar aqui, Razen? Esse não é o nosso lugar! Em nossas veias corre o sangue dos Jacobs – E disse Jacobs em voz alta -, não esse sangue imundo do Clay, que nem nosso pai é-

Razen avançou contra o irmão e deu-lhe um soco no rosto. Loren cambaleou e caiu em cima do sofá, fazendo subir uma enorme camada de poeira. Clay, desesperado, segurou o enfurecido Razen, que estava indignado. O irmão mais velho desceu do sofá, tocando o próprio rosto levemente com a mão, olhando com repugna para o agressor.

-Eu deveria saber – Disse, enquanto caminhava para a porta -, você é tão imundo quanto ele. Sempre foi um frouxo, e vai continuar sendo até o fim dos seus dias. Não pense que esse soco torna você um homem.

-Saia daqui. – Respondeu Razen, rangendo os dentes e se debatendo para escapar dos braços de Clay.

Loren olhou uma última vez para o irmão e para Clay, antes de abrir a porta e sair, sem levar nada. Cruzou a esquina e caminhou até a bifurcação entre duas ruas. Encostado em um muro sujo e pichado estavam uma mulher com um longo vestido vermelho, e Seimic Raziv. Ao perceber a chegada do rapaz, a mulher começou a falar:

- É chegada a hora então, meu Lorde. A Lirium Corporation finalmente vai poder retomar os seus investimentos e ações. – Deu alguns passos, o longo vestido arrastando-se pelo chão, e beijou Loren na testa. Seimic deu um abraço sutil no ruivo, e disse, com uma voz arrastada:

- Um novo Lorde... Isso é muito gratificante. Eu não agüentava mais sentir esse vazio.

Loren observou seus dois servos, com curiosidade e ansiedade.

- Levem-me até a sede da corporação. E reúnam todos os antigos empregados do meu pai. Vamos reerguer a linhagem dos Jacobs dignamente... E botar pequenos leões de volta em suas jaulas.

-Como desejar, meu Lorde. – Responderam os servos.

Razen estava completamente fora de si. Sem entender muito da situação, pediu que Clay explicasse o que estava acontecendo. Com um semblante triste, o tutor começou a falar:

-Recebi hoje uma notícia desagradável. Seus pais... Larks e Belle Jacobs foram até o país vizinho tentar um acordo com... – Clay baixou a cabeça por um momento, enquanto as lágrimas escorriam de seu rosto – Vampiros.

Razen arregalou os olhos. Um arrepio percorreu todo o seu corpo.

- Vampiros? Você só pode estar brincando. Isso não existe – Conseguiu dizer em meio a muitas pausas e gagueira.

- Temos muito a conversar, meu pequeno Razen. É nos bastidores que o grande show acontece. – Clay encarou o menino com frieza – Existe muito mais oculto em nossa sociedade do que a imprensa denota. Seres terríveis, dignos de amedrontar até mesmo os intitulados heróis do senso comum. Esses seres preferem se manter assim... Reclusos nas sombras, comandando as tropas humanas a seu bel-prazer.

- Mas... Vampiros? Aqueles que chupam o sangue e tudo mais? Como pode alguém descobrir a existência de seres assim e manter em sigilo?

Clay suspirou antes de continuar.

- Se hoje eu estou vivo é graças ao meu expressivo dom de ocultar o que sei. Talvez, contando para você agora, eu seja morto. Mas não posso mais esconder a verdade, não agora que o seu irmão decidiu tomar esse rumo. Vampiros existem. E não gostam de um contato com um humano que não vire sua refeição segundos depois. Eu avisei Larks de que isso não iria funcionar... Mas o velho cabeça-dura quis ser herói. Seu pai e sua mãe ligaram-me para avisar que estariam viajando para se encontrar com vampiros, e tentar um acordo que salvasse a reputação da família. Como eu imaginava, o acordo foi um fracasso. A Lirium Corporation não descansa, e tratou de chamar um de vocês para suceder o cargo de líder.

- E o meu irmão foi o escolhido.

- Sim. O que os levou a escolhê-lo é desconhecido pra mim, mas posso vir a descobrir. Todavia, aqui não é mais um bom lugar para ficarmos. Vou contatar um velho amigo meu, quem sabe ele nos consiga um trabalho... – Levantou-se e caminhou até a mesa para discar o número no telefone.

- Clay... Os meus pais foram mortos por vampiros então? E não vamos fazer nada a respeito? Vamos somente fugir?

Largando o telefone, Clay virou-se para Razen, e olhou-o com repreensão.

- Você escutou o que acabou de dizer? O que quer fazer a respeito? Enfrentar vampiros dando-lhes um soco como deu em seu irmão?

O jovem ruivo olhou para o tutor com a mesma expressão que fora olhado. E manteve-se firme, para dizer:

- Eu não vou ficar aqui parado sabendo de tudo o que sei agora. Fico agradecido por você ter me contado tudo isso... Mas assim como Loren, eu também preciso tomar o meu próprio rumo.

- Filho, não vou deixar você fazer nada.

- Diga-me apenas mais uma coisa, Clay. Meus pais foram fazer acordo com quem?

- Razen... Escuta – Clay botou as mãos no rosto e esfregou com força, meio exasperado.

- Diga-me apenas o nome.

Vendo que não tinha como convencer o menino ruivo do contrário, Clay apenas sibilou:

-Nibelung Mortuary.