Capítulo 10 – Queda
Passaram-se então três anos após os conturbados acontecimentos na casa abandonava do vampiro Nibelung. Esse período rendeu algumas mudanças drásticas para os irmãos Jacobs, tanto em comportamento como em objetivos.
Loren, extremamente abalado com a perda de seu braço, dedicou todo o seu tempo e esforço na tentativa de criação de um membro novo, com uma tecnologia suficientemente sofisticada capaz de tornar a nova situação de seu corpo um pouco menos complicada. E assim, criou um braço artificial, que supriu em parte a sua necessidade. Durante os três anos, o jovem não teve interesse em procurar seu irmão mais novo, e criou em seu coração uma profunda mágoa e raiva, devido a toda a inacreditável noite do confronto com o vampiro. Loren não conseguia entender – e nem aceitar - o porquê de seu irmão possuir a capacidade que ele acreditara cegamente dominar. Seimic e Margot tentaram de todas as formas animarem o lorde com agrados e atenção, mas nada ajudou a diminuir o sentimento que se formara.
Clay iniciou um treinamento intensivo com seu pupilo Razen – que cresceu bastante durante o período dos três anos, e acompanhou o lento processo inicial de sua barba ruiva com entusiasmo -, tornando-o capacitado para trabalhar ao lado de Blaze, que, ao contrário do que acreditava a dupla, não demonstrou nenhuma preocupação ou tristeza ao ser noticiado – com notável crueldade e satisfação – por Vayne da morte de seu avô vampiro. O mafioso não sabia de muitos detalhes da morte, mas acabou esclarecendo à Razen e Clay o parentesco de Blaze com o vampiro.
Quando o menino ruivo completou dezessete anos, Clay decidiu concluir o treinamento, e apresentar o afilhado novamente à Vayne, destacando a experiência ganha durante o ano. Na segunda apresentação, o mafioso – por sinal cada vez mais obeso e sedentário - mostrou-se visivelmente satisfeito com o novo semblante frio do menino, e decidiu sem delongas aceitá-lo como um recruta. Apresentou-o aos Barmen da boate – Jonh, Mike e Charles, que recepcionaram o garoto com carinho – e à alguns amigos mafiosos que descansavam com suas garotas no local. Depois, noticiou Blaze – que novamente não concordou com a idéia, embora isso não fizesse muita diferença – da nova companhia para as missões.
Razen já havia completado sua vingança contra Nibelung, mas decidiu seguir com a idéia de trabalhar eliminando aberrações. Não concordava com a existência de criaturas tão cruéis como vampiros ou demônios assolando a destruição – muitas vezes oculta e silenciosa – em uma sociedade indefesa. Clay concordou com o caminho escolhido pelo ruivo, e prometeu ajudar em tudo que fosse possível.
E a nova dupla de caçadores iniciou suas aventuras. As primeiras missões realizadas em conjunto não representaram nenhum perigo muito extremo, ou situações complicadas. Na maioria das vezes, Blaze eliminava os alvos sem sequer dar uma chance ao menino ruivo de atirar e vencer um inimigo. Mas, com bastante paciência e empenho, Razen conseguiu conquistar espaço ao lado do caçador mal-humorado, e uma amizade que se consolidou lentamente. Uma amizade que Blaze não pôde recusar após uma atitude admirável do ruivo.
Em uma tarde extremamente fria, caracterizada por uma grossa camada de neve envolvendo a movimentada rua da boate de Vayne, e pequenos flocos gelados deslizando pelo ar até tocar o chão, os dois caçadores haviam concluído mais uma missão, e caminhavam lentamente pela rua em profundo silêncio. Ao chegarem à boate, Blaze disse, em voz baixa:
- Eu... Tenho que resolver uma coisa. Aguarde no salão principal da boate, estarei de volta em alguns minutos.
- Não quer que eu o acompanhe? – Perguntou Razen, que não gostava do salão, já que os mafiosos do alto escalão muitas vezes zombavam do rapaz, devido à sua idade e aparência não muito agressiva.
Blaze pensou por um momento, e respondeu:
- Não. Eu preciso ir até o Quarto das Punições.
- Quarto das Punições? O que é isso? – Perguntou Razen, cruzando os braços tentando amenizar o frio.
- É um salão especial para o Vayne. Nesse salão ele aplica as devidas punições para as infrações dos seus servos, sejam eles simples barman ou um sub-líder de uma das facções da família Pennymore.
- E o que você fez de errado para sofrer uma punição?
Blaze pausou por mais um instante. Observou o cair dos flocos de neve. Seus olhos negros brilhavam contra a clareza da neve. Entortou a boca sorrindo sarcasticamente e disse:
- Essa é uma pergunta um tanto quanto complicada de se responder. Quem sabe algum dia eu possa encontrar uma maneira exata de dizer o que eu fiz de errado... – Pigarreou, e continuou – Todavia, devo agora sofrer a chamada Queda.
Razen estava confuso e abalado com as declarações do caçador. Tinha diversas perguntas a fazer, mas decidiu manter uma coerência com o assunto do momento, e apenas perguntou:
- Queda?
Blaze sorriu para Razen, antes de dizer, melancolicamente:
- Quer uma definição? Eu definirei para você. Queda é o inferno na terra. É a coisa mais insuportável e destruidora que um ser humano pode sentir. A Queda é uma habilidade do Legacy, o demônio servo do Vayne. Somente ele possui essa capacidade. Legacy utiliza uma luva preta na mão direita, justamente para controlar o poder imenso que emana de seus dedos. O simples contato de toque pode causar uma insanidade descomunal em um ser humano comum. Para os merecedores de punição, a ordem dada por Vayne é de que os pecadores sofram um contato direto com a mão de Legacy. – Blaze dobrou as mangas de seu sobretudo. Várias manchas roxas estavam espalhadas pelos seus braços, tão profundas que pareciam cicatrizes eternas. Razen arregalou os olhos, assustado – Isso é o que acontece comigo, todos os meses. Pouco a pouco, Vayne vai me enfraquecendo e tornando o meu tempo de vida menor.
Legacy apareceu subitamente, na porta da boate. Um silêncio mortal se estendeu pelos segundos seguintes. Blaze virou-se para observar o demônio, que o encarava friamente. Razen não ousou observar nenhum dos dois, e apenas manteve-se de cabeça baixa.
O demônio decidiu quebrar o silêncio, dizendo, com uma voz arrastada e grave:
- Estamos aguardando-o no Quarto das Punições. O frio não vai ajudar a apagar as manchas, verme abusado.
Blaze cobriu os braços com as mangas, e respondeu:
- Vai chegar o dia – Aproximando-se de Legacy e da entrada da boate, com alguma dificuldade para tirar as botas cobertas da neve – em que o verme abusado vai comer a língua dos seus superiores.
- Estaremos aguardando ansiosamente! – Ponderou o demônio, sorrindo.
Blaze atravessou o salão principal da boate, que estava pouco movimentado devido ao frio. Razen esperou Legacy entrar no salão para entrar também. Não gostava da idéia de ultrapassar o caminho de um demônio perigoso. O ruivo notou, pela primeira vez, a existência de um corredor estreito, ao fundo, do lado da porta da sala de Vayne. Esse corredor levava ao Quarto das Punições, e por ele passaram Blaze e Legacy. Razen, cuidadosamente, seguiu-os, tentando não atrair a atenção de ninguém no salão. Os barmen estavam ocupados conversando com os poucos mafiosos presentes no local, e não perceberam a movimentação do rapaz.
A porta de entrada do Quarto das Punições era bastante comum e não chamava a atenção. Blaze engoliu seco antes de girar a maçaneta e adentrar no espaço do quarto. Uma luz estonteante invadiu o corredor quando o caçador abriu a porta. Razen, que observava tudo escondido atrás da parede, tampou o rosto com a mão para se proteger da claridade.
Quando Legacy entrou no Quarto – fechando vagarosamente a porta -, o menino ruivo caminhou em passos lentos pelo corredor, procurando não fazer barulho. Estava muito curioso para conhecer a Queda, e entender as marcas nos braços do amigo. Sabia do perigo que corria por se expor tanto, mas não havia tempo para hesitar. Razen encostou a cabeça na porta, tentando ouvir algo.
O quarto não era muito grande. Algumas pilhas de caixas amontoavam-se a diversos objetos inúteis pelas extremidades do cômodo. Ao lado de uma pequena escrivaninha extremamente empoeirada, estava Vayne, acomodado em um sofá retangular vermelho. As diversas lâmpadas espalhadas pelo teto tornavam o ambiente muito claro e desconfortável. Blaze posicionou-se no centro da sala, postou-se de joelhos e estendeu os braços à frente do peito. O caçador estava visivelmente incomodado e preocupado com o que aconteceria a seguir. Legacy caminhou até o centro também, e virou-se de frente para Blaze, encarando a situação do inimigo com uma satisfação indescritível. Subitamente, o demônio disse:
- Um verme abusado está tentando obter alguma informação à respeito da punição. Devo eliminá-lo, lorde? – O demônio lançou um olhar à Vayne, que gargalhou por um momento, antes de responder:
- Deixe-o acompanhar a punição. Para os novos recrutas são sempre boas algumas experiências marcantes.
Legacy ergueu o braço esquerdo com os dedos apontados para a porta, que abriu sozinha violentamente. Razen, que estava apoiado atrás dela, desmoronou contra o solo à frente. Vayne gargalhou novamente, e na se preocupou em prestar nenhum tipo de auxílio ao ruivo.
Blaze levantou-se furioso e disse em voz alta:
- Não quero Razen presenciando a Queda. Saia da sala, moleque.
- Por que não quer? Que mal há nisso? – Perguntou Vayne, coçando a verruga do queixo delicadamente. Virou-se para o menino ruivo, que continuava no chão, e disse – É uma longa história, meu rapaz. Mas Blaze está sendo punido por diversos erros cometido no passado. Uma vez a cada mês, ele gentilmente cede uma parte de sua vida e energia para o meu servo. Nada demais.
Razen levantou-se, com alguma dificuldade. Apesar do medo que sentia de Legacy, que o observava sedento por sangue, decidiu arriscar-se dizendo:
- Eu não estava tentando descobrir algo sobre a punição. Eu pretendia fazer um pedido, senhor.
Todos os olhares no quarto estavam voltados para Razen. Blaze, sem entender a motivação do rapaz, apenas fitou-o com atenção. Vayne, curioso, aguardou o pedido, massageando os joelhos com as mãos gordas.
- Eu quero sofrer a punição junto, senhor. Se possível, gostaria de dividir a carga com Blaze. Assim ele não irá perder muita energia, e eu serei realmente útil em algo.
Um silêncio horripilante alastrou-se pelo quarto, após o menino terminar de falar. Vayne, perplexo com a atitude do rapaz, manteve-se quieto sem responder. Blaze arregalou os olhos, desacreditando nas palavras que acabara de escutar. Quis contestar o pedido do companheiro, mas acabou não dizendo nada. A atitude admirável do ruivo não poderia ser diminuída por um simples orgulho pessoal. Após alguns segundos de silêncio, Vayne balbuciou:
- B-b-bem... Se for o que você deseja... Creio que não haja problemas, não é, Legacy?
O demônio estava ainda mais satisfeito agora. Não ousou negar o pedido:
- Não vejo nenhum problema, lorde. O verme deve ajoelhar-se e estender os braços.
Razen suspirou, antes de caminhar até Blaze, e ajoelhar-se ao lado do caçador. Estendeu os braços, observando-os uma última vez em seu estado perfeito, sem manchas ou dores.
Vayne aplaudiu a cena entusiasmado, e falou:
- Um grande show! Dois caçadores sofrendo a grandiosa Queda. Inicie o espetáculo, meu servo.
Legacy sorriu e ergueu a cabeça para observar as lâmpadas. A claridade tornava suas pupilas amarelas tão brilhantes que pareciam tomar um tom dourado. O demônio retirou a luva preta da mão direita, e ergueu-a na altura dos braços dos caçadores.
- Quem vai ser o primeiro? – Perguntou, passando a língua pontuda por todos os dentes.
Blaze, de cabeça baixa e olhos fechados, respondeu:
- Eu. Retire uma quantidade de energia maior minha. O moleque não fez nada, e não merece uma punição tão violenta.
- Como desejar. – Concluiu Legacy. Os momentos seguintes foram tão marcantes para Razen como os da noite trágica de Nibelung. O demônio tocou os braços de Blaze, com a palma da mão, pressionando-a contra o corpo do inimigo com força. Pequenas faíscas elétricas saltitaram do contato entre os dois, antes do caçador começar a gritar assustadoramente e tremer. O ruivo, ao lado, observou a cena com um pavor interno incontrolável. Blaze permanecia tremendo, como se uma corrente elétrica fortíssima estivesse percorrendo o seu corpo sucessivas vezes. Os gritos de dor do caçador só cessaram quando Legacy, extasiado com a energia drenada, retirou a mão dos braços do rapaz, que totalmente esgotado, desmaiou.
Vayne gargalhava e aplaudia, vibrando com a seqüência de atos. Razen, estático e apavorado, apenas aguardava a sua punição no mesmo lugar. Fechou os olhos, ao ver a palma da mão de Legacy cruzar o ar para pousar em seus braços.
E esse foi o seu último movimento, antes de escutar um grito apavorado de alguém, e desmaiar.
ta muito show!
ResponderExcluirto aguardando o próximo cap!
e enviando o blog pros amigos :D
abraço