segunda-feira, 24 de maio de 2010

Unfaithful Capítulo 2

Capítulo 2 – Aversão

“Razen se tornou o meu companheiro de trabalho há três anos. Passamos por muita coisa juntos, e demorou muito tempo para que eu o aceitasse verdadeiramente como meu amigo. Até hoje tenho dúvidas de suas motivações, mas o fato é que ele trabalha apenas para me ajudar a pagar minha dívida.”

Blaze e Razen estavam em uma sala de reuniões. Blaze estava segurando seu casaco dobrado nas mãos, juntamente de seu chapéu. Nenhuma das armas da dupla parecia visível. Diversos quadros espalhados pelas paredes do local facilmente chamavam a atenção, talvez pelas faces grotescas de figurões mafiosos em trajes elegantes presentes nas figuras. Um dos quadros, o maior de todos, trazia a foto de um homem extremamente obeso. Na legenda do quadro estava escrito, em letras garrafais: “Vayne Pennymore – The Vermillion”.

Uma mesa grande, produzida a partir de cedros de qualidade, acomodava os pés grandes e gordos do homem reproduzido no quadro, usando um terno cinza impecavelmente engomado. O homem mantinha entre os dedos da mão um cachimbo dinamarquês de aparência desgastada. O rosto enorme dele apontava sua maior característica em uma verruga presente em seu queixo. Aparentemente aborrecido, olhava fixamente para a dupla de caçadores. Acomodando-se em sua cadeira de luxo, ele começou a falar:

- Bem... Parece-me então que vocês conseguiram cumprir a missão. Richard repousou em um hospital próximo daqui por algumas horas, e efetuou o pagamento pelo serviço em seguida. – O homem deu uma lenta tragada no cachimbo, e continuou – Recebi uma ligação de um camponês solicitando os meus serviços. Essa missão parece um tanto quanto interessante – Ele arregalou os olhos e encarou Blaze com um olhar desafiante, enquanto entregava nas mãos de Razen um bilhete com o endereço do cliente – Afinal... Ele está disposto a pagar com os bens de todos os moradores de sua pacata aldeia.

A dupla mostrou-se surpresa.

-Todos os bens? Que tipo de situação esses moradores estão enfrentando? – Perguntou Blaze, encarando o homem com a mesma intensidade.

-Isso vocês terão que descobrir sozinhos. Não é problema meu. – O homem deu uma risada arrastada e fez sinal com a mão para que eles saíssem.

Razen puxou o braço de Blaze e levou-o pra fora da sala. Os dois percorreram um grande espaço dedicado à acomodação dos amigos de Vayne, onde bebida e mesas redondas formavam um grande ciclo confortável. Alguns mafiosos estavam sentados em aconchegantes sofás vermelhos, acompanhados de suas escravas. Um Barman sorridente, mascando um palito de dentes, aproximou-se da dupla e procurou conseguir atenção:

-Heeeey! Não vão parar nem pra beber um pouquinho? Não sei como agüentam essa rotina agitada...

Blaze parou, lançou um olhar com frieza para o Barman e disse:

-Felizmente, Charles, sua única ocupação é servir bebidas para os mais moribundos mafiosos dessa cidade.

Charles coçou a nuca e disse:

-Ok, ok. Desculpe-me por interromper sua tarefa... Todavia, quando tiverem um tempo, repousem por aqui. Garanto que vocês irão provar do melhor drinque que esse Barman pode fazer! – Concluiu dando uma piscadela.

Blaze, sem dar muita atenção ao comentário, deixou a boate seguido por Razen, e se dirigiu ao taxi mais próximo, que estava do outro lado da calçada. A rua estava bastante movimentada, dificultando a passagem de pedestres. A dupla cumprimentou Clay, que gentilmente abaixou a cabeça e perguntou:

-Para onde iremos hoje, senhores?

-Leve-nos até a estação de trem. Depressa. – Solicitou Blaze, entrando no carro, sentando-se no banco de couro meio rasgado e repousando seu chapéu sobre as pernas. Suas armas estavam debaixo do banco do motorista. Razen entrou em seguida, verificando se seu punhal e revólver também estavam debaixo do banco. O taxista fechou as portas, entrou no carro e disse:

-Hoje quase descobriram essas armas aqui. Estou tendo dificuldades para escondê-las, afinal, não são materiais comuns de um cidadão. – O homem deu a partida e o carro começou a circular.

Razen deu uma nova conferida nas armas e disse:

- Não se preocupe Clay. Vou providenciar um novo esconderijo para as nossas armas. Com o nosso trabalho sendo malvisto pela sociedade, é realmente complicado manter esse tipo de objeto no seu veículo.

O taxi entrou em uma rua à direita no segundo cruzamento. As ruas seguintes estavam tão movimentadas quanto a rua da boate. Clay suspirou e calmamente puxou assunto:

-Bem... Como andam as coisas com Vayne? Vocês me parecem um tanto quanto inquietos...

Blaze olhou pela janela e não respondeu a pergunta. Razen, vendo a atitude do companheiro, disse:

-Vayne não é um cara muito fácil de lidar... E às vezes ele nos causa raiva devido as suas atitudes inadequadas. Estamos indo para uma pequena vila existente ao norte... Sem nem mesmo sabermos que tipo de problemas o nosso cliente está tendo por lá.

-Hum... Eu conheço aquele velho gordo há muito tempo, e sei do quão imbecil ele consegue se tornar... É realmente uma pessoa complicada pra se ter como chefe. – Disse Clay, enquanto contornava uma praça com o carro. O veículo seguiu até o fim de uma rua estreita, e parou em frente a uma estação de trem. Blaze e Razen saíram do carro, colocaram suas armas dentro dos bolsos e alças de suas roupas, pagaram Clay e encaminharam-se para o banco de espera. Razen retirou do bolso o bilhete dado por Vayne, e percebeu a presença de duas passagens de trem.

-Ao menos as passagens ele providenciou pra nós.

O trem chegou logo em seguida. Blaze continuava quieto. A dupla entrou e se acomodou no banco plástico mais próximo. Razen fitou o companheiro por alguns instantes, e disse:

-Estamos completando três anos de trabalho juntos. Já passamos por tanta coisa, não é?

Blaze resmungou em sinal positivo.

-Eu sempre quis saber o que motivou você a trabalhar pro Vayne... - Insistiu Razen, desviando o olhar pro chão.

Blaze girou a cabeça para observar o vagão do trem e verificar quantas pessoas estavam ali. Havia apenas mais duas pessoas, uma sentada no último banco ao fundo, outra um pouco mais perto, lendo um jornal. Ambos com casacos um pouco sujos. A pessoa mais ao fundo usava um chapéu grande, o que impedia a visualização de seu rosto. Blaze virou-se para Razen e disse:

-Vou lhe contar então como tudo aconteceu. Preciso mesmo dividir isso com alguém, pois está difícil suportar sozinho. – O caçador deu uma pequena pausa, para um suspiro, e continuou - Eu sou o único filho de Gisele e Romeu Mortuary, dois burgueses diretamente ligados à Vayne Pennymore. Quando completei seis anos de idade, meu pai me levou até aquela boate imunda do Vayne, e me ofereceu como recruta a ele, para que eu pudesse ser forte o suficiente pra trabalhar e pagar as dívidas da família. Gisele e Romeu eram muito ambiciosos, e assinaram diversos empréstimos para conseguirem obter todos os bens materiais que desejavam. Como Vayne era, e ainda é, o mafioso mais rico e influente do país, ele naturalmente enriqueceu meus pais com bens para depois cobrar os empréstimos e recuperar triplamente o dinheiro. Eu me tornei um recruta da máfia... – Baixou a cabeça por um instante, e continuou – E sofri um rígido treinamento para me tornar apto a trabalhar pro Vayne. Logo de início ele deixou bem claro pro meu pai que eu me tornaria um caçador de aberrações, mas – Blaze deu uma risada sarcástica – Até parece que Romeu Mortuary estava preocupado. Aos 12 anos o meu treinamento foi finalizado. Meus pais continuavam com dívidas imensas e não tinham como arrumar dinheiro. É claro que, com o início do meu trabalho, eu rapidamente conseguiria juntar o suficiente para pagar o que devíamos, mas foi aí que o destino me mostrou que nada seria tão simples. Um verdadeiro desastre mudou pra sempre, a vida que já não começou fácil.

- Desastre?! – Indagou Razen, que estava muito mais surpreso do que pensou que ficaria.

- Sim. Um desastre comumente chamado de... Legacy.

O homem sentado à frente deles virou a pagina do jornal, cruzou as pernas e continuou a ler. Razen, estático, aguardava Blaze continuar a falar.

-Na mesma época que Romeu e Gisele fizeram diversos empréstimos para obter seus bens, uma facção mafiosa conhecida como Rotwild começou a se manifestar no país. A família Pennymore, que até esse momento era a mais influente, pouco a pouco foi perdendo seu espaço para os violentos recrutas da Rotwild, que saqueavam postos e lojas, ameaçavam cidadãos, e eliminavam membros de famílias rivais para aumentar sua popularidade. O líder, Danathor Rotwild, declarou publicamente que pretendia se tornar o carrasco na vida de Vayne. Claro que ele não ficou sem reação perante essa situação. Ambicioso e petulante como sempre foi, Vayne fez um pacto maligno com Legacy, o demônio mais poderoso que existe.

Razen se perdeu em pensamentos por um instante, e interrompeu Blaze complementando:

-Lembro-me do meu primeiro dia como recruta do Vayne. Ao lado dele estava um ser com um aspecto demoníaco, que ficara encarando o Clay outrora, e agora me observava. Aquela criatura me incomodou um pouco, mas eu estava decidido a trabalhar. Alguns dias depois acabei decidindo me juntar a você no seu objetivo... E sofrer junto as conseqüências. Nesse último mês... – Razen esticou os braços e observou-os com um semblante triste. Marcas roxas se estendiam até o cotovelo. – Sofremos duas “quedas”. Eu não imaginava que fosse tão doloroso.

Blaze olhou pros braços de Razen, e continuou a falar:

-Como você já sabe, a principal característica do Legacy, além de sua mobilidade e força extremas em combate, é a capacidade denominada “queda”. Uma luva existente em seu braço lhe permite sugar determinadas quantidades de energia vital dos seres humanos, e revertê-las em energia para si próprio. Porém, a forma com que a luva suga a energia é realmente aterrorizante, devido aos distúrbios mentais causados durante o processo. Vayne fez um pacto com Legacy justamente por estar ciente do poder grandioso existente nele. E com esse pacto, a destruição e desequilíbrio assolaram esse país. Legacy, sozinho, aniquilou todos os membros da família Rotwild e recolocou os Pennymore no poder absoluto do país. A segunda ordem foi a de que Legacy fosse até a residência de determinados clientes dele, a fim de colocar um ponto final nas dívidas não-pagas – Blaze abaixou a cabeça por um momento – Logicamente Legacy foi até a casa dos meus pais. Neste dia estávamos tendo um jantar em família, como há muito tempo não tínhamos. Meu pai estava comentando sobre a possibilidade de nos reerguermos financeiramente com o início do meu trabalho... Ele parecia feliz. Mamãe sorria, algo que em raras oportunidades eu pude presenciar. Mas tudo durou poucos instantes. O massacre foi rápido. Legacy adentrou em nossa sala de jantar de forma misteriosa, ele simplesmente apareceu do lado de Romeu, com uma espada apontada para o pescoço do meu pai. Antes de matá-lo, o demônio cruelmente disse: - Blaze deu uma nova verificada nos vagões do trem, e continuou – “Essa é a punição para burgueses mesquinhos que acham ter direito de não pagar suas dívidas”. Legacy degolou a cabeça de Romeu sem deixá-lo tomar qualquer atitude, e saltou por cima da mesa em direção à Gisele, que só teve tempo de gritar e pedir para que eu fugisse, antes de ser retalhada pela espada do demônio. Eu me mantive imóvel, não conseguia tomar qualquer atitude vendo meus pais serem mortos. Naquele momento, Legacy voltou a sua atenção pra mim. Ele se aproximou lentamente da cadeira onde eu estava sentado, até subitamente parar e me encarar com frieza. Reparei na ausência de pupilas nele, os dois olhos amarelos pareciam mais duas fendas mortais. O rosto, que tinha um semblante de um humano comum, demonstrava nesses dois olhos a característica primaria de que ele era um demônio.

Legacy encarou-me por alguns segundos. Eu conseguia sentir a respiração ofegante dele, o cheiro de morte, e a ânsia por mais sangue. Mas, contrariando a situação e a vontade, ele não me matou. Quando aproximou o rosto, disse baixinho “Estranho. Você não é como os seres fracos que matei agora. O que diabos é essa presença que o seu corpo emana?”

Fiquei ali, assustado enquanto o demônio analisava-me com os olhos, curioso sobre a diferença entre eu e meus pais. Não consegui entender muito bem o que ele havia visto de diferente, porém aquilo contrariou os planos dele de tal forma que ele simplesmente saltou pela janela e fugiu do local, sem tocar um dedo em mim. Mas eu percebi ali que não importa o que eu faça, o meu futuro já está escrito. Seremos nós dois, apenas nós. E apenas um vai terminar o dia vivo.

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