Capítulo 6 – Autonomia
Razen aproximou-se sorrateiramente de Blaze, e perguntou se ele havia se ferido. Blaze estava em um estado de choque. Teria morrido se não tivesse sido salvo por um samurai que ele conhecera há apenas algumas horas. Uma pessoa sem qualquer vínculo emocional com ele, mas que arriscou sua própria vida para impedir que as balas atingissem o seu corpo. E estava ali, enfrentando um demônio extremamente poderoso sem temor. Era hora de uma reação.
-Estou bem Razen. Não se preocupe.
Koji estava desarmado, encarando Nobushi com frieza. O demônio avançou contra o samurai, desferindo diversos golpes com suas garras. Surpreendentemente, Koji mostrou uma destreza respeitável, desviando com alguma dificuldade das garras sem sofrer arranhões. Blaze correu até os dois e desferiu chutes contra o corpo de Nobushi, tentando afastá-lo para Koji recuperar suas armas.
-Podem vir os dois... Podem vir TODOS! Assim eu acabo com vocês de uma só vez – Disse o lorde demônio, defendendo-se com os braços dos chutes de Blaze. Koji apanhou suas espadas gêmeas que estavam no chão, e voltou a tentar golpear Nobushi. Ambos não estavam tendo sucesso, o demônio mostrava-se imensamente superior fisicamente.
Matsuru, que assim como os outros habitantes da vila, não tinha forças ou vontade de lutar, tentou ajudar dando uma informação para Razen, que estava agora ao seu lado observando os esforços de Koji e Blaze.
-Existe um meio... De enfraquecer Nobushi. O ritual realizado para a transformação dele em um ser sobrenatural possui uma pequena falha. O corpo modificado sofre reações mutantes quando em contato com as águas batizadas pelas Flores Líricas, presentes no campo que separa a nossa aldeia da aldeia dele. Eu não utilizei deste método por que o desgraçado estava com o nosso mestre Gyakou... Mas agora não existem mais barreiras que impeçam essa atitude. VÁ Razen! Encha uma de nossas bacias com a água que escorre das Flores Líricas, e traga para enfraquecermos esse demônio!
-Ok! – Exclamou Razen, pegando uma bacia jogada em um canto próximo das pessoas, e saindo em alta velocidade da vila.
Nobushi, percebendo o desgaste e cansaço de Koji e Blaze, que continuavam tentando acertá-lo sem sucesso, aproveitou brechas nos ataques para contra-atacar. Em um dos chutes de Blaze, que ergueu a bota de couro até o rosto do demônio, ele esgueirou-se pela lateral e cravou suas garras no estômago de Blaze, que gritou de dor e caiu bruscamente. Koji, enfurecido, girou as espadas gêmeas e desferiu diversos golpes horizontais e verticais, tentando agora atingir qualquer ponto do demônio, que ria insanamente. Matsuru ergueu a cabeça e observou Nobushi.
-Hoje você morre demônio. – Sussurrou
Razen percorreu o extenso campo que separava as duas vilas utilizando toda a sua velocidade. Próximo a uma bela cerejeira, ele avistou algumas flores mergulhadas na cristalina água que serpenteava pelas fendas do campo. Ofegante, agachou-se e encheu a bacia com a água.
Na vila, Nobushi agora mostrava total superioridade sobre Koji, que relutava em recuar, mantendo sua posição de ataque e protegendo o ferido Blaze que agonizava no chão.
-Maldito ser das trevas... Como pode ser tão cruel! – Exclamou Koji, balançando suas espadas gêmeas no ar e desferindo diversos ataques. Nobushi defendia-se com as garras e contra-atacava tentando atingir o estômago de Koji, que desviava com muita dificuldade, recebendo às vezes cortes nas laterais do corpo. Subitamente, Matsuru surgiu correndo detrás de Koji, desferindo um golpe vertical fortíssimo contra Nobushi, que tentando escapar acabou batendo com as costas na parede de uma das cabanas.
-Então o velho medroso tomou coragem... Isso torna tudo mais excitante. – Disse Nobushi, cerrando os dentes e preparando uma nova investida. Blaze continuava no chão, com muito sangue escorrendo de seu ferimento. Koji e Matsuru protegiam o corpo, com as espadas apontadas para Nobushi. Razen entrou na vila com cuidado, se camuflou agachando-se junto com as pessoas da vila, e ficou aguardando uma distração de Nobushi, que não havia percebido sua entrada.
O lorde demônio, que já estava cansando de tanta agitação e petulância de seus inimigos supostamente inferiores, decidiu ser mais crucial. Esticou os braços para frente e mirou no coração de Koji com suas garras.
-Vou atingi-lo ali... Você é o mais perigoso mesmo.
Em uma fração de segundos o destino de toda a vila foi executado. Nobushi avançou com fúria pra cima de Matsuru e Koji, que brandiram suas espadas e gritaram como se fossem dar o último golpe. Razen levantou-se com a bacia nas mãos, e a poucos metros de Nobushi lançou a água purificada, que atingiu o corpo do demônio em cheio, antes mesmo que ele pudesse atacar os samurais. Nobushi arregalou os olhos, que de um cinza frio e mortal passaram para um amarelo claro reluzente, e caiu no chão se contorcendo. Sua pele começou a se ressecar, e queimar lentamente.
-É AGORA! VAMOS ACABAR DE UMA VEZ POR TODAS COM ESSA AMEAÇA QUE TANTO MAL NOS CAUSOU! – Gritou Matsuru, triunfante, avançando contra o corpo do lorde demônio e cravando sua espada diretamente no centro do corpo.
As pessoas levantaram a cabeça e começaram a observar o restante mínimo de vida presente em Nobushi, que se contorceu em uma velocidade mais lenta durante alguns segundos, até finalmente ser dominado pelo poder iluminado das Flores Líricas. Razen não abriu um sorriso, pois seu fiel companheiro Blaze estava extremamente ferido. Pegando-o no colo, Razen encaminhou-se para dentro de uma cabana e repousou o corpo do amigo em uma cama. Koji esboçou um leve sorriso ao verificar o fim do lorde demônio, e correu até a cabana para auxiliar Razen, que retirou dos bolsos da calça diversos vidros de medicamentos, além de alguns panos e curativos, e tentou estancar o sangue.
Após alguns minutos sofrendo o tratamento do amigo, Blaze recobrou a consciência. Abrindo os olhos lentamente, viu em sua volta diversos moradores da vila, observando-o com uma expressão aliviada. Razen, que tinha ao seu lado Matsuru, foi o primeiro a falar:
-Tudo bem amigo?
-Eu... Não esperava aquele ataque. Nobushi foi derrotado...?
-Seus amigos deram um jeito nele – Afirmou Matsuru, sorrindo. – de agora em diante somos uma vila livre de ameaças demoníacas, ou, como diz o talentoso samurai, “seres das trevas”.
Os moradores riram. Pareciam agora bem mais conformados com a idéia de que seu mentor Gyakou não estaria mais entre eles.
Blaze levantou-se e viu Koji repousando em outra cama do outro lado da cabana.
-É um samurai realmente muito talentoso.
-Você tem grandes amigos, meu rapaz. Eles foram capazes de arriscar a própria vida para salvá-lo. Não se esqueça de dar a cada um o seu devido valor.
Blaze esticou os braços e espreguiçou-se lentamente. Em seguida botou os pés no chão e levantou-se, saindo da cama e caminhando até a cama de Koji.
-É hora de partirmos cara. – Disse baixinho, empurrando os ombros do samurai, que despertou sem muita demora.
-Ah... Sim. Como você está se sentindo? – Koji levantou-se e tratou de verificar logo se suas espadas gêmeas estavam bem acomodadas ao seu lado.
-Aliviado. Creio que te devo uma, você salvou a minha vida. Sou realmente muito grato, Koji.
-Não foi nada. – Respondeu o samurai, rindo alegremente.
O trio saiu da cabana algum tempo depois, seguidos pelos moradores. Na entrada da vila, foram recebidos por Matsuru, que iniciou um discurso:
-Bem... Vocês cumpriram a missão que lhes foi imposta, com êxito. Nosso mestre Gyakou não poderia ser salvo, e com certeza agora descansa ao lado de Deus. Nobushi foi eliminado, algo que eu realmente não acreditava que pudesse acontecer. Mas então, cumprida a missão, chega a hora do pagamento. Havia sido combinado entre todos nós em um ato de desespero que daríamos todos os nossos bens caso a missão fosse cumprida, e faremos de acordo com o trato.
-Não queremos nada. – Disseram os três caçadores, juntos.
-Arcaremos com as conseqüências com o chefe, não se preocupem. – Afirmou Blaze, fazendo um sinal de positivo com a mão.
-M-m-mas...
-Sem mais. Nem mesmo eu, que necessito de muito dinheiro para ajudar meu sensei, não seria capaz de cobrar algo de vocês que já perderam tanto. – Cortou Koji, impedindo Matsuru de tentar convencê-los do contrário.
Blaze pigarreou, e falou:
-Creio que também seja pertinente eu dizer algo a vocês. Hoje sem dúvidas foi um dia que vocês todos dificilmente conseguirão esquecer, pois aquele que era considerado um mestre pra todos foi cruelmente morto. Mas é tempo de se reerguer. Não dependam de uma única pessoa exaltada como mestre. Vocês todos juntos são muito mais fortes e sábios do que qualquer mestre que possam eleger. Matsuru sem dúvidas é um bom regente, e tenho certeza de que será ainda mais se tiver ao seu lado um povo ativo e firme, que o ajude a tomar as decisões corretas.
Dito isso, o caçador deu as costas para os pensativos moradores, e começou a caminhar pelo mesmo caminho que o levou até a vila outrora, sendo seguido por Koji e Razen, que ajeitavam seus chapéus na cabeça e caminhavam tranquilamente.
-Obrigado!! – Disseram todos os moradores em coro, ao ver o trio desaparecer no horizonte.
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