Capítulo 8 – Viagem
- E você já matou alguém?
Razen estava acomodado em uma cadeira de mármore, respondendo um sórdido questionário feito por ninguém menos que Vayne Pennymore. A espaçosa sala de reuniões, onde ficavam todos os quadros de mafiosos, e onde as ligações sempre surpreendentes de clientes com problemas aconteciam, tinha agora a presença ilustre do mais jovem dos Jacobs, acompanhado de seu tutor Clay. Depois do acontecido com Loren no dia anterior, o tutor achou melhor ligar para Vayne e solicitar um emprego para ambos.
-Nunca matei, senhor. – Respondeu o jovem ruivo, que continuava determinado a cumprir vingança – Porém, após ficar ciente de determinados fatos, estou devidamente disposto e ansioso a matar certa pessoa.
- Entendo. – Disse o entediado Vayne, balançando as banhas em sua enorme cadeira – Já pegou em uma arma, filho?
-Não senhor.
- Hmm – Vayne cutucou a verruga em seu queixo com um charuto inglês -, infelizmente, aqui não é uma creche para menores revoltados. E eu já tenho um caçador suficientemente bom, que sofre bastante nas mãos do titio aqui – Apontou para Legacy, ao seu lado, que se mantinha totalmente alienado a conversa, apenas encarando Clay com frieza.
- Eu posso ensiná-lo a lutar, Vayne. Não se preocupe. Cuidei de Razen por onze anos, ele tem uma determinação invejável. – Clay evitou o olhar do demônio, e buscou dentro de si uma determinação semelhante à de seu afilhado.
- Vou dar uma chance então. Você terá um ano para treiná-lo. Após esse período, ele será admitido como recruta e trabalhará junto de meu outro caçador.
O caçador citado entrou na sala nesse momento. Era Blaze, um pouco mais novo, sem tanta barba e apetrechos por todo o corpo. Estava um pouco sujo e sangrando por alguns cortes que rasgaram a camisa do lado direito.
- Mande a próxima missão Vayne, não tenho tempo a perder.
O mafioso sorriu ironicamente, e apresentou o caçador:
- Esse é Blaze Mortuary, meu servo e caçador de aberrações.
Razen congelou. Sentiu um arrepio e seu corpo esfriou rapidamente. Levantou-se e virou-se para observar o homem. Lembrou-se do sobrenome dito por Clay na noite passada no mesmo instante. O tutor não ficou nada contente ao descobrir o sobrenome do possível novo companheiro de Razen, mas não podia fazer nada naquele momento.
-Muito prazer, sou Razen Jacobs. – Estendeu a mão para cumprimentar Blaze, que retribuiu com um aperto dolorido.
Vayne, percebendo o descontentamento do caçador, que não estava nem um pouco interessado em ser apresentado a estranhos, entoou:
- Em breve ele será seu companheiro de caça, Blaze. Vocês vão trabalhar juntos.
Blaze voltou a sua atenção para o mafioso, e pareceu mais frio do que nunca:
-Não preciso de companheiros. Ainda mais sendo um moleque que mal saiu das fraldas.
O menino ruivo ignorou o comentário. Estava assustado demais com a idéia de trabalhar ao lado de um homem provavelmente pertencente a uma linhagem vampiresca.
- Já que não vai me dar uma nova missão, vou sair para descansar. Até mais. – Concluiu Blaze, retirando-se da sala, enquanto os demais amargavam um remoto silêncio.
Pouco tempo depois saíram dali também Razen e Clay. Passaram pela boate ligada à sala de Vayne, onde o tutor cumprimentou o barman Charles e mais alguns mordomos. Ao atingirem a rua, Clay decidiu mencionar:
- Já não acho que fiz a coisa certa. Agora estou expondo nós dois a um risco enorme. Como pode tanto azar, justamente o caçador do Vayne ser um Mortuary.
- É uma família composta inteiramente por vampiros? – Perguntou Razen, enquanto atravessavam a avenida e entravam em uma lanchonete.
- Não. Na verdade, conheço apenas Nibelung como um vampiro entre os Mortuary. Existe uma chance de Blaze também ser um vampiro, apesar de...
Clay parou de falar. Blaze estava do outro lado da rua, encostado em um muro de uma residência abandonada, apreciando o calor solar tão forte naquele momento.
- Sem chance. – Ponderou Razen.
Algum tempo após observarem o caçador em silêncio, a dupla pagou os sucos que tomaram e saíram da lanchonete, sem serem notados. Entraram em um taxi estacionado à frente, onde Clay começou a falar:
-Está na hora do meu velho taxi voltar à ativa. Já estou com saudade da rotina de taxista, mas no momento não vou poder retomá-la. Tenho que treinar você, filho, para que possa trabalhar ao lado de Blaze...
- Ele deve ser um caçador muito talentoso, não é? – Razen pegou uma revista largada no banco de couro do automóvel e começou a folheá-la.
- Oh... Sim. É difícil conseguir a confiança do velho gordo do Vayne. Devo avisá-lo de que ele não é um chefe muito agradável...
- Não vejo problemas, apesar de isso no momento não me importar. Clay – O menino ruivo colocou a revista de volta no banco e tornou seu semblante frio -, eu vou acabar com Nibelung. Com ou sem a sua ajuda.
O tutor não respondeu imediatamente, cruzou pelo menos dois quarteirões com o taxi antes de retomar a conversa.
- Penso que essa não será uma tarefa fácil. É um vampiro, oras. Vampiros possuem fraquezas, mas não deixam de serem extremamente perigosos e complicados de se enfrentar.
- E quantos como Nibelung existem hoje?
Clay pensou por um instante, roçando a barba branca do queixo com sua mão esquerda, enquanto conduzia a direção com a direita.
- Não muitos, eu diria. É uma raça cada vez mais extinta. E isso é ótimo. Eu admiro a sua tranqüilidade quando tratamos desse assunto, meu pequeno. Quando eu descobri a existência desses seres, passei dias perturbado em uma insanidade mental, sem realmente acreditar naquela coisa aparentemente surreal.
- Eu confio em você, Clay, e acredito em tudo o que me disser. É claro que estou assustado, mas tenho tentado me controlar ao máximo. Não é hora de fraquejar. – O menino apertou as mãos nos joelhos com força, descarregando todo o seu stress interno.
Estavam em frente à casa de Clay alguns minutos depois. Saíram do veículo e entraram rapidamente na residência, onde o tutor pediu que o menino aguardasse na sala. Razen sentou-se no sofá e aguardou apreensivamente. Tinha medo agora por sua vida, medo por seu irmão, que tanto mudara. Queria poder não envolver Clay naquilo, que demonstrava em suas atitudes e comportamento uma total discrepância em relação à opção tomada por seus pais. E ele mesmo agora pretendia tentar o mesmo em que Larks e Belle falharam. Viajar para outro país e se encontrar com um vampiro. Mas dessa vez sem acordos.
Clay voltou alguns minutos depois, com dois fuzis embalados em um saco preto, com muitas balas soltas, dois pequenos vidros de água benta, além de um saco transparente contendo alguns alhos e crucifixos.
- Se temos realmente que enfrentar essa criatura, que seja da maneira apropriada. – Disse o tutor, sorrindo.
- Eu não sei atirar. – Disse em voz baixa Razen, pegando um dos fuzis com certo receio.
- Você vai aprender. – Clay colocou tudo o que havia separado no porta-malas do taxi. Entrou em sua casa mais uma vez, e visitou todos os cômodos, dizendo baixinho “tchau” para seus pertences mais preciosos. Saiu logo depois, acompanhado de Razen. Antes de entrar em seu veículo, olhou para a fachada da casa, e murmurou:
- Vou sentir a sua falta.
Razen estranhou o comportamento do tutor, mas não contestou. E a dupla iniciou ali um novo rumo. Clay parou apenas em um posto de gasolina para abastecer o veículo, e em um pequeno mercado para comprar alguns mantimentos. A dupla viajou então durante horas, procurando não manter o pensamento somente no vampiro. Relembraram trechos de algumas velhas músicas que cantavam quando os irmãos Jacobs eram menores, divertiram-se recontando os bons momentos que a humilde família – irmãos e Clay – passou juntos, os maus momentos também, onde a união e perseverança superaram as adversidades. Em determinada passagem da viagem, mudaram os assuntos, e começaram a discutir as razões da mudança repentina de Loren. Clay sabia da tradição na família Jacobs, e decidiu que era o momento mais oportuno para contar ao seu afilhado. E assim o fez, e a notícia foi recebida com tranqüilidade pelo jovem ruivo, que acabou por concluir que seu irmão havia mesmo sido escolhido para reger a empresa. Quando o sol começou a se por, e o céu a escurecer, a dupla já estava no país vizinho. Percorreram uma estrada imensa que se estendia por dezenas de quilômetros, onde Razen pôde ver diversos animais alimentando-se da grama verde e cheirosa, nas laterais da pista. Logo depois chegaram à cidade mais famosa do país vizinho, dona dos maiores hotéis do mundo, além de diversos outros estabelecimentos comerciais de grande porte. Acabaram hospedando-se em um dos mais modestos hotéis, onde a diária era barata e o lugar pequeno. Clay acertava os detalhes com a recepcionista, enquanto Razen, carregando duas maletas onde estavam guardados todos os objetos anteriormente colocados no carro, observava um belo aquário que ocupava um grande espaço na entrada do hotel. Viu diversos tipos de peixes, entre os quais Barbos, Tetras, Lebistes, Coridoras, Gupis e Platis, embora ele não soubesse o nome de nenhum.
Aquela noite foi tranqüila para a dupla. Pareciam até estar viajando apenas para diversão e lazer, tamanha a serenidade e paz que apresentavam até então. Mas isso durou somente um dia. Antes de Razen dormir, Clay deixou-o preparado:
- Amanhã eu vou ensiná-lo a atirar. Poderemos treinar o dia todo, para que você adquira prática e reflexos. Seu pai era um exímio atirador, embora utilizasse seu dom apenas para lazer nos campos de tiro ao alvo.
- Devemos ter uma boa noite de sono então. Obrigado por vir comigo, Clay. Isso é realmente muito importante pra mim. – Dizendo isto, Razen fechou os olhos e tentou relaxar.
O tutor observou o afilhado durante alguns minutos, antes de apagar as luzes e deitar-se na cama de madeira.
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