Capítulo 3 – Samurai
“Quando eu era pequeno, ouvia meu pai me contar diversas histórias sobre a linhagem dos Mortuary, a bravura do meu avô e as dificuldades e superações diversas que eles passaram. Naquela época eu ficava vislumbrado a cada palavra dele, e sonhava em fazer parte dos mais famosos parentes. Porém o sonho foi se apagando conforme os anos foram passando, e eu descobri que toda a riqueza e poder da família não passavam de uma farsa mascarada pelo mafioso mais astuto desse país.”
Razen e Blaze ficaram em silêncio por alguns segundos, até repararem que o homem sentado ao fundo estava se comportando estranhamente. Blaze levantou-se, e caminhou até o homem, para escutar as palavras que ele dizia baixinho. O homem subitamente girou a cabeça para observar Blaze, que se arrepiou com o que viu. O homem era, na verdade, um robô. Uma fina camada de aço azulado cobria o que seria a sua “pele”. Duas lâmpadas brancas assumiam a posição de olhos. Abaixo das lâmpadas havia uma pequena abertura que representava a boca. O robô levantou-se, era um pouco mais alto que Blaze, e movimentou a cabeça analisando-o de cima a baixo. Olhou também para Razen, e após isso se comportou de forma ainda mais estranha. A máquina começou a fazer um ruído que se transformou em voz:
-ALVO ENCONTRADO. ELIMINAR IMEDIATAMENTE. - Disse, saltando por cima de Blaze e correndo em direção de Razen. O robô levantou um dos braços, onde havia uma lâmina fina feita de metal, e atacou Razen ferozmente, que desviou do golpe e caiu no chão assustado. O robô esticou o braço novamente pra desferir outro golpe. Blaze atravessou o vagão e sacou as duas shotgun para combater o robô, mas não precisou fazer nada. O homem que lia um jornal pegou uma espada que repousava ao seu lado, e que não havia sido notada por ninguém no vagão, e cortou o corpo do robô em dois, com um golpe lateral. Razen, estatelado no chão, não conseguia dizer nada. O susto foi maior. Blaze estava surpreso com a atitude do homem, que após cortar o robô, caindo fulminado no chão, repousou tranquilamente a espada de volta no canto do banco, ergueu a cabeça e disse:
- Faltam-lhes astúcia e velocidade de reação para uma situação como essa. Porém, o destino agraciou-lhes com a presença do mais habilidoso samurai de todos os feudos.
Blaze encarou o homem e falou:
- Quem é você afinal?
O homem agachou-se perto da carcaça do robô e disse:
-Kojiro Hashibana, comumente chamado de Koji Das Duas Lâminas. Seu senhor, Vayne Pennymore, solicitou os meus serviços para auxiliá-los em sua tarefa.
Razen levantou-se, aproximou-se do samurai e verificou a presença de uma pequena placa soldada no outro braço do robô.
A placa continha os dizeres:
“LIRIUM CORPORATION”
Arregalando os olhos e se afastando da máquina, Razen balbuciou:
-Essa máquina... Foi enviada pelo meu irmão! É uma fabricação da empresa dele!
-Seu próprio irmão tentando eliminá-lo? – Indagou Blaze, enquanto observava o samurai.
Razen baixou a cabeça, e disse:
-É uma longa história. Prefiro... Não falar nisso agora...
O samurai despiu seu jaleco, dobrou-o cuidadosamente e colocou do lado da espada. Vestia um kimono feito de um tecido muito branco, com bordas azuladas. O rosto dele pôde finalmente ser observado. Ele aparentava ter cerca de 30 anos, face marcada por algumas cicatrizes de cortes, sobrancelhas grossas, nariz fino e pontudo, dando ar de superioridade.
Blaze suspirou, e disse:
-E quanto a você... Koji. Um samurai se sujeitando a trabalhar para um mafioso?
Koji fitou Blaze de cima a baixo, e respondeu:
-Meu sensei precisa da minha ajuda. O melhor meio que possuo para ajudá-lo é trabalhar para um mafioso em troca de muito dinheiro. E Vayne Pennymore é a pessoa mais rica do país, logo, trabalhando pra ele eu rapidamente conseguirei juntar o dinheiro que necessito.
-Mas por qual razão Vayne o enviou até aqui?
O samurai virou a cabeça e observou a paisagem pela janela do trem. Os campos rurais cheios de gado e plantações indicavam que a chegada ao feudo estava próxima.
-Vayne disse que essa missão será demasiadamente complicada para apenas duas pessoas. E que a minha espada poderia ser necessária para manter vocês dois vivos.
O trem parou, havia chegado à estação. Blaze, que continuava insatisfeito com a presença de um terceiro elemento na missão, desceu do vagão, juntamente de Razen, que continuava cabisbaixo e pensativo, e Koji. O trio caminhou até sair da estação, e se depararam com uma pequena cidade. Algumas poucas pessoas caminhavam e conversavam alegremente. Duas pequenas barracas atraiam diversos curiosos, onde três pequenos meninos vendiam diversas bugigangas estranhas. Um homem idoso que estava sentado perto de uma fonte onde água cristalina jorrava levantou-se ao perceber a chegada do trio, e caminhou até eles. Em seu rosto notava-se uma expressão triste e vazia, que tornava as diversas rugas ainda mais intensas. Uma longa barba estendia-se de seu queixo até o peito.
-Soldados da agência Pennymore? – Perguntou o homem.
-Sim. Senhor Matsuru, certo? Conte-nos o que se passa com a sua aldeia. – Disse Razen, tentando distrair-se e não pensar mais no que aconteceu no trem.
O homem fez sinal para que o trio o acompanhasse, e caminhou até uma das saídas da cidade, que era próxima à estação. Ninguém disse nada, apenas acompanharam o cliente, que em seguida caminhou mais um pouco e desceu uma pequena ladeira, seguido pelo trio.
Ao fim da ladeira, um grupo de pessoas com trajes simples de camponeses aguardava os visitantes. O semblante de seus rostos era de imensa tristeza e desolação. Matsuru parou de caminhar ao se aproximar das pessoas, e virou-se para o trio.
-Estes são os moradores da minha aldeia. Como vocês podem observar, não desprovemos de luxo ou ostentação em nossas vestimentas, tampouco em nossas construções. – Disse Matsuru, abrindo caminho por entre as pessoas e apontando para algumas pequenas casas erguidas por madeiras velhas, com telhados de palha. – Temos o nosso espaço de plantio – Matsuru apontou para dois pequenos campos ao fundo do lado direito, povoados por diversos tipos de vegetais e cereais. – Não nos queixamos da nossa humilde existência, e tudo estaria muito bem assim se não existissem os Hoanes.
-O que são Hoanes? – Perguntou Blaze, já pretendendo ir direto ao assunto e evitar maiores delongas de Matsuru.
-Descendo ao extremo sul de nossa aldeia, seguindo a correnteza de água cristalina que nos abastece diariamente, é possível avistar outra aldeia, um pouco maior e mais enriquecida de produtos e materiais. Ela é liderada por Nobushi, filho de um falecido aldeão desta minha vila, que... – Matsuru deu uma pequena pausa e olhou para o céu – Teve sua vida consumida pelo próprio filho, um verdadeiro tirano. Eu expulsei Nobushi da aldeia quando ele matou seu pai, e assim, ele levantou uma nova aldeia, governando nada mais, nada menos que... Demônios.
-Os seres das trevas sujeitaram-se a um humano? – Indagou Koji.
Matsuru deu uma risadinha sarcástica, e respondeu:
-Nobushi não é um humano... Ele se rendeu aos encantos das trevas desde pequeno, quando fez amizade com alguns demônios que sempre apareciam por aqui para tentar saquear mantimentos. Quando atingiu a adolescência, Nobushi percebeu que já poderia liderar um exército dos seres que tanto o fascinavam, e assim o fez. Os demônios-servos dele foram nomeados Hoanes, pelo próprio, que significa “Incansável”. Uma denominação justa, para seres que não param de lutar até que não lhes restem mais forças para se levantar. Os Hoanes são temíveis, meus caros.
-E o que você quer é que eliminemos esses Hoanes? Só por serem servos do Nobushi? – Perguntou Blaze, já impaciente. Razen observava a aldeia enquanto escutava a explicação de Matsuru, e ao ver dois irmãos brincando juntos com algumas pedrinhas, lembrou-se vagamente dele mesmo quando pequeno sozinho em um quarto sem brinquedos nem irmãos.
-Ora, meu caro. Quem dera fosse apenas esse o problema. O fato é que Nobushi odeia a nossa vila, e tirou de nós o bem mais precioso: Nosso oráculo. Existe um sábio nesta vila, que já trouxe muita prosperidade e alegria para todos os aldeões. O sábio contou histórias de suas aventuras de quando jovem para as crianças, ensinava os mais velhos a plantar nos solos mais férteis, pescar os peixes com maestria, entre muitas outras coisas. Seu nome é Gyakou, um dos cinco lendários xamãs do passado. Gyakou é um membro fundamental do nosso grupo, e foi seqüestrado pelo exército de Nobushi na noite passada.
Uma mulher do grupo de pessoas tomou um passo à frente, e, em prantos, disse:
-Não podemos esperar até algo ruim acontecer. Precisamos do nosso oráculo. Eu imploro!
O trio observou o desespero da mulher e das outras pessoas no grupo, que pareciam desnorteadas sem a presença do oráculo.
-Entendo... Isso torna tudo mais interessante. Nossa missão então é resgatar o velho. Nobushi deve ser eliminado? – Perguntou Blaze, estralando os dedos.
-Creio que essa seja a solução mais pertinente, afinal, ele não vai descansar até acabar com todos nós. Se quiserem, vocês podem repousar essa noite, o sol já está se pondo.
Um grito de pânico desviou a atenção de todos.
-ESSE GRITO... FOI DA MINHA FILHA SHALEEN. ELA ESTÁ NAQUELA ÚLTIMA CASA AO FUNDO, VAMOS! – Gritou Matsuru, avançando rapidamente até a casa, sendo seguido por Blaze, Razen, Koji e o grupo de pessoas.
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