Capítulo 10 – Queda
Passaram-se então três anos após os conturbados acontecimentos na casa abandonava do vampiro Nibelung. Esse período rendeu algumas mudanças drásticas para os irmãos Jacobs, tanto em comportamento como em objetivos.
Loren, extremamente abalado com a perda de seu braço, dedicou todo o seu tempo e esforço na tentativa de criação de um membro novo, com uma tecnologia suficientemente sofisticada capaz de tornar a nova situação de seu corpo um pouco menos complicada. E assim, criou um braço artificial, que supriu em parte a sua necessidade. Durante os três anos, o jovem não teve interesse em procurar seu irmão mais novo, e criou em seu coração uma profunda mágoa e raiva, devido a toda a inacreditável noite do confronto com o vampiro. Loren não conseguia entender – e nem aceitar - o porquê de seu irmão possuir a capacidade que ele acreditara cegamente dominar. Seimic e Margot tentaram de todas as formas animarem o lorde com agrados e atenção, mas nada ajudou a diminuir o sentimento que se formara.
Clay iniciou um treinamento intensivo com seu pupilo Razen – que cresceu bastante durante o período dos três anos, e acompanhou o lento processo inicial de sua barba ruiva com entusiasmo -, tornando-o capacitado para trabalhar ao lado de Blaze, que, ao contrário do que acreditava a dupla, não demonstrou nenhuma preocupação ou tristeza ao ser noticiado – com notável crueldade e satisfação – por Vayne da morte de seu avô vampiro. O mafioso não sabia de muitos detalhes da morte, mas acabou esclarecendo à Razen e Clay o parentesco de Blaze com o vampiro.
Quando o menino ruivo completou dezessete anos, Clay decidiu concluir o treinamento, e apresentar o afilhado novamente à Vayne, destacando a experiência ganha durante o ano. Na segunda apresentação, o mafioso – por sinal cada vez mais obeso e sedentário - mostrou-se visivelmente satisfeito com o novo semblante frio do menino, e decidiu sem delongas aceitá-lo como um recruta. Apresentou-o aos Barmen da boate – Jonh, Mike e Charles, que recepcionaram o garoto com carinho – e à alguns amigos mafiosos que descansavam com suas garotas no local. Depois, noticiou Blaze – que novamente não concordou com a idéia, embora isso não fizesse muita diferença – da nova companhia para as missões.
Razen já havia completado sua vingança contra Nibelung, mas decidiu seguir com a idéia de trabalhar eliminando aberrações. Não concordava com a existência de criaturas tão cruéis como vampiros ou demônios assolando a destruição – muitas vezes oculta e silenciosa – em uma sociedade indefesa. Clay concordou com o caminho escolhido pelo ruivo, e prometeu ajudar em tudo que fosse possível.
E a nova dupla de caçadores iniciou suas aventuras. As primeiras missões realizadas em conjunto não representaram nenhum perigo muito extremo, ou situações complicadas. Na maioria das vezes, Blaze eliminava os alvos sem sequer dar uma chance ao menino ruivo de atirar e vencer um inimigo. Mas, com bastante paciência e empenho, Razen conseguiu conquistar espaço ao lado do caçador mal-humorado, e uma amizade que se consolidou lentamente. Uma amizade que Blaze não pôde recusar após uma atitude admirável do ruivo.
Em uma tarde extremamente fria, caracterizada por uma grossa camada de neve envolvendo a movimentada rua da boate de Vayne, e pequenos flocos gelados deslizando pelo ar até tocar o chão, os dois caçadores haviam concluído mais uma missão, e caminhavam lentamente pela rua em profundo silêncio. Ao chegarem à boate, Blaze disse, em voz baixa:
- Eu... Tenho que resolver uma coisa. Aguarde no salão principal da boate, estarei de volta em alguns minutos.
- Não quer que eu o acompanhe? – Perguntou Razen, que não gostava do salão, já que os mafiosos do alto escalão muitas vezes zombavam do rapaz, devido à sua idade e aparência não muito agressiva.
Blaze pensou por um momento, e respondeu:
- Não. Eu preciso ir até o Quarto das Punições.
- Quarto das Punições? O que é isso? – Perguntou Razen, cruzando os braços tentando amenizar o frio.
- É um salão especial para o Vayne. Nesse salão ele aplica as devidas punições para as infrações dos seus servos, sejam eles simples barman ou um sub-líder de uma das facções da família Pennymore.
- E o que você fez de errado para sofrer uma punição?
Blaze pausou por mais um instante. Observou o cair dos flocos de neve. Seus olhos negros brilhavam contra a clareza da neve. Entortou a boca sorrindo sarcasticamente e disse:
- Essa é uma pergunta um tanto quanto complicada de se responder. Quem sabe algum dia eu possa encontrar uma maneira exata de dizer o que eu fiz de errado... – Pigarreou, e continuou – Todavia, devo agora sofrer a chamada Queda.
Razen estava confuso e abalado com as declarações do caçador. Tinha diversas perguntas a fazer, mas decidiu manter uma coerência com o assunto do momento, e apenas perguntou:
- Queda?
Blaze sorriu para Razen, antes de dizer, melancolicamente:
- Quer uma definição? Eu definirei para você. Queda é o inferno na terra. É a coisa mais insuportável e destruidora que um ser humano pode sentir. A Queda é uma habilidade do Legacy, o demônio servo do Vayne. Somente ele possui essa capacidade. Legacy utiliza uma luva preta na mão direita, justamente para controlar o poder imenso que emana de seus dedos. O simples contato de toque pode causar uma insanidade descomunal em um ser humano comum. Para os merecedores de punição, a ordem dada por Vayne é de que os pecadores sofram um contato direto com a mão de Legacy. – Blaze dobrou as mangas de seu sobretudo. Várias manchas roxas estavam espalhadas pelos seus braços, tão profundas que pareciam cicatrizes eternas. Razen arregalou os olhos, assustado – Isso é o que acontece comigo, todos os meses. Pouco a pouco, Vayne vai me enfraquecendo e tornando o meu tempo de vida menor.
Legacy apareceu subitamente, na porta da boate. Um silêncio mortal se estendeu pelos segundos seguintes. Blaze virou-se para observar o demônio, que o encarava friamente. Razen não ousou observar nenhum dos dois, e apenas manteve-se de cabeça baixa.
O demônio decidiu quebrar o silêncio, dizendo, com uma voz arrastada e grave:
- Estamos aguardando-o no Quarto das Punições. O frio não vai ajudar a apagar as manchas, verme abusado.
Blaze cobriu os braços com as mangas, e respondeu:
- Vai chegar o dia – Aproximando-se de Legacy e da entrada da boate, com alguma dificuldade para tirar as botas cobertas da neve – em que o verme abusado vai comer a língua dos seus superiores.
- Estaremos aguardando ansiosamente! – Ponderou o demônio, sorrindo.
Blaze atravessou o salão principal da boate, que estava pouco movimentado devido ao frio. Razen esperou Legacy entrar no salão para entrar também. Não gostava da idéia de ultrapassar o caminho de um demônio perigoso. O ruivo notou, pela primeira vez, a existência de um corredor estreito, ao fundo, do lado da porta da sala de Vayne. Esse corredor levava ao Quarto das Punições, e por ele passaram Blaze e Legacy. Razen, cuidadosamente, seguiu-os, tentando não atrair a atenção de ninguém no salão. Os barmen estavam ocupados conversando com os poucos mafiosos presentes no local, e não perceberam a movimentação do rapaz.
A porta de entrada do Quarto das Punições era bastante comum e não chamava a atenção. Blaze engoliu seco antes de girar a maçaneta e adentrar no espaço do quarto. Uma luz estonteante invadiu o corredor quando o caçador abriu a porta. Razen, que observava tudo escondido atrás da parede, tampou o rosto com a mão para se proteger da claridade.
Quando Legacy entrou no Quarto – fechando vagarosamente a porta -, o menino ruivo caminhou em passos lentos pelo corredor, procurando não fazer barulho. Estava muito curioso para conhecer a Queda, e entender as marcas nos braços do amigo. Sabia do perigo que corria por se expor tanto, mas não havia tempo para hesitar. Razen encostou a cabeça na porta, tentando ouvir algo.
O quarto não era muito grande. Algumas pilhas de caixas amontoavam-se a diversos objetos inúteis pelas extremidades do cômodo. Ao lado de uma pequena escrivaninha extremamente empoeirada, estava Vayne, acomodado em um sofá retangular vermelho. As diversas lâmpadas espalhadas pelo teto tornavam o ambiente muito claro e desconfortável. Blaze posicionou-se no centro da sala, postou-se de joelhos e estendeu os braços à frente do peito. O caçador estava visivelmente incomodado e preocupado com o que aconteceria a seguir. Legacy caminhou até o centro também, e virou-se de frente para Blaze, encarando a situação do inimigo com uma satisfação indescritível. Subitamente, o demônio disse:
- Um verme abusado está tentando obter alguma informação à respeito da punição. Devo eliminá-lo, lorde? – O demônio lançou um olhar à Vayne, que gargalhou por um momento, antes de responder:
- Deixe-o acompanhar a punição. Para os novos recrutas são sempre boas algumas experiências marcantes.
Legacy ergueu o braço esquerdo com os dedos apontados para a porta, que abriu sozinha violentamente. Razen, que estava apoiado atrás dela, desmoronou contra o solo à frente. Vayne gargalhou novamente, e na se preocupou em prestar nenhum tipo de auxílio ao ruivo.
Blaze levantou-se furioso e disse em voz alta:
- Não quero Razen presenciando a Queda. Saia da sala, moleque.
- Por que não quer? Que mal há nisso? – Perguntou Vayne, coçando a verruga do queixo delicadamente. Virou-se para o menino ruivo, que continuava no chão, e disse – É uma longa história, meu rapaz. Mas Blaze está sendo punido por diversos erros cometido no passado. Uma vez a cada mês, ele gentilmente cede uma parte de sua vida e energia para o meu servo. Nada demais.
Razen levantou-se, com alguma dificuldade. Apesar do medo que sentia de Legacy, que o observava sedento por sangue, decidiu arriscar-se dizendo:
- Eu não estava tentando descobrir algo sobre a punição. Eu pretendia fazer um pedido, senhor.
Todos os olhares no quarto estavam voltados para Razen. Blaze, sem entender a motivação do rapaz, apenas fitou-o com atenção. Vayne, curioso, aguardou o pedido, massageando os joelhos com as mãos gordas.
- Eu quero sofrer a punição junto, senhor. Se possível, gostaria de dividir a carga com Blaze. Assim ele não irá perder muita energia, e eu serei realmente útil em algo.
Um silêncio horripilante alastrou-se pelo quarto, após o menino terminar de falar. Vayne, perplexo com a atitude do rapaz, manteve-se quieto sem responder. Blaze arregalou os olhos, desacreditando nas palavras que acabara de escutar. Quis contestar o pedido do companheiro, mas acabou não dizendo nada. A atitude admirável do ruivo não poderia ser diminuída por um simples orgulho pessoal. Após alguns segundos de silêncio, Vayne balbuciou:
- B-b-bem... Se for o que você deseja... Creio que não haja problemas, não é, Legacy?
O demônio estava ainda mais satisfeito agora. Não ousou negar o pedido:
- Não vejo nenhum problema, lorde. O verme deve ajoelhar-se e estender os braços.
Razen suspirou, antes de caminhar até Blaze, e ajoelhar-se ao lado do caçador. Estendeu os braços, observando-os uma última vez em seu estado perfeito, sem manchas ou dores.
Vayne aplaudiu a cena entusiasmado, e falou:
- Um grande show! Dois caçadores sofrendo a grandiosa Queda. Inicie o espetáculo, meu servo.
Legacy sorriu e ergueu a cabeça para observar as lâmpadas. A claridade tornava suas pupilas amarelas tão brilhantes que pareciam tomar um tom dourado. O demônio retirou a luva preta da mão direita, e ergueu-a na altura dos braços dos caçadores.
- Quem vai ser o primeiro? – Perguntou, passando a língua pontuda por todos os dentes.
Blaze, de cabeça baixa e olhos fechados, respondeu:
- Eu. Retire uma quantidade de energia maior minha. O moleque não fez nada, e não merece uma punição tão violenta.
- Como desejar. – Concluiu Legacy. Os momentos seguintes foram tão marcantes para Razen como os da noite trágica de Nibelung. O demônio tocou os braços de Blaze, com a palma da mão, pressionando-a contra o corpo do inimigo com força. Pequenas faíscas elétricas saltitaram do contato entre os dois, antes do caçador começar a gritar assustadoramente e tremer. O ruivo, ao lado, observou a cena com um pavor interno incontrolável. Blaze permanecia tremendo, como se uma corrente elétrica fortíssima estivesse percorrendo o seu corpo sucessivas vezes. Os gritos de dor do caçador só cessaram quando Legacy, extasiado com a energia drenada, retirou a mão dos braços do rapaz, que totalmente esgotado, desmaiou.
Vayne gargalhava e aplaudia, vibrando com a seqüência de atos. Razen, estático e apavorado, apenas aguardava a sua punição no mesmo lugar. Fechou os olhos, ao ver a palma da mão de Legacy cruzar o ar para pousar em seus braços.
E esse foi o seu último movimento, antes de escutar um grito apavorado de alguém, e desmaiar.
Caçadores que podem não terminar o dia vivos, preocupados não apenas com suas caças.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Unfaithful Capítulo 9
Capítulo 9 – Orgulho
Durante a semana seguinte, Clay e Razen dedicaram suas tardes em treinos básicos – e posteriormente complexos – com armas e estudos sobre vampiros. Em poucos dias, o menino ruivo já estava familiarizado com as armas, tendo reflexos e pontaria praticamente impecáveis. Tudo graças, segundo a suposição do tutor, ao seu extremo empenho e determinação. Tomar conhecimento da existência de seres tão sombrios, que acabaram com a sua família, tornou o jovem Razen uma pessoa um pouco mais fria e menos sonhadora. Seu único objetivo para o momento era acabar com Nibelung.
Ao acordar na manhã do oitavo dia no país vizinho, Clay decidiu preparar um café caprichado para seu afilhado. Saiu às ruas para comprar pães e doces, e retornou ao hotel meia hora depois. Razen estava acordando nesse momento, incomodado por insistentes pernilongos que rondavam o seu beliche. Saudado com um animado “bom dia” pelo tutor, o ruivo respondeu:
- Bom dia! Estou animado... Hoje é o meu aniversário! – Levantou-se e foi até o banheiro escovar os dentes.
Enquanto arrumava a mesa, e recheava pães com geléia, Clay dizia:
- Sim, sim... Uma data muito importante! A partir de hoje, você é um rapaz de dezesseis anos! Uma bela idade, por sinal. Eu comprei algumas coisinhas enquanto você dormia... Creio que teremos um café da manhã bem agradável.
- E hoje iremos finalmente atrás do vampiro. – Razen saiu do cômodo limpando o rosto com uma toalha azul – Não é?
Clay separou quatro pães na mesa, guardou outros dois em um saco plástico e voltou sua atenção para o menino:
- Pensei que quisesse aproveitar o seu aniversário sem correr qualquer risco.
- O melhor presente de aniversário que eu posso receber é a certeza de finalmente acabar com isso. Eu quero muito poder encarar o inimigo.
Clay hesitou por um instante. Achou melhor não contrariar:
- Entendo. Se for o seu desejo, eu vou ajudar a satisfazer. Meus parabéns pelo seu aniversário, filho. – O tutor abraçou carinhosamente o menino, que retribuiu agradecido.
Após o reforçado – e saboroso – café da manhã, onde degustaram, além dos pães com geléia; um delicioso bolo de frutas, mel e ameixas, a dupla pagou a estadia no hotel e saiu em direção ao taxi. Apesar de estar relativamente cedo – aproximadamente nove horas -, a rua já estava bastante movimentada. Diversas pessoas circulavam, juntamente de alguns ciclistas próximos à calçada, e alguns carros na larga rua. Ao entrar no carro, a conversa recomeçou.
- Como sabe onde o vampiro se esconde? – Perguntou Razen, acomodando-se no banco e colocando o cinto.
- Larks contou onde era certa vez. Eu espero que Nibelung ainda viva por lá. Apesar de que só poderemos vê-lo, e enfrentá-lo, durante a noite.
- Como dito nos livros... – Complementou o menino, esticando a cabeça para fora do carro quando Clay deu a partida. Razen adorava observar o jeito das pessoas nas ruas enquanto o carro circulava. Estando em um país vizinho, onde as roupas e os lugares eram diferentes, esse hobby se tornou ainda mais agradável de praticar. – O que faremos até o anoitecer?
Clay acelerou o veículo, e olhou rapidamente para o afilhado, esboçando um sorriso:
- Vamos aproveitar o seu aniversário!
E assim o fizeram. Durante a tarde inteira passearam pelos mais diversos locais, como o cinema mais próximo; o parque de diversões – onde aproveitaram o tiro ao alvo para testar a pontaria aprimorada -; uma praça extremamente agradável, cheia de flores cheirosas que atraíram o olfato da dupla durante um bom tempo; e uma pista para bicicletas, onde Clay alugou duas das mais baratas para brincar com Razen. Aquele dia parecia interminável, como se a noite perigosa não devesse acontecer. Mas, mesmo diante do melhor aniversário de sua vida, o menino ruivo não desistiu de seu objetivo. E quando o sol se pôs, dando início ao escurecer, ele tratou de cobrar o combinado:
- Está na hora de começarmos a busca, Clay. – Estavam dentro do taxi, descansando após as horas de diversão – Acabar com Nibelung.
Clay, ofegante, devido à sua idade já avançada para tanto exercício em uma bicicleta, concordou:
- Sim, como prometido, vamos atrás dele agora. Por sorte não estamos muito longe do lugar indicado por Larks. Ele havia me dito que é uma casa abandonada, onde vive o vampiro, sozinho.
Diferentemente da agradável tarde, onde a dupla sorria e brincava alegremente, tinham agora nos rostos um semblante sério e frio. Estavam cientes de que poderiam até mesmo morrer enfrentando a criatura, porém, era um risco a se correr. Quando o taxi recomeçou a percorrer as ruas desertas – já que o país vizinho era conhecido pelo perigo de suas ruas durante a noite -, um vento gélido contribuiu para amargar o silêncio dentro do veículo, onde Clay e Razen permaneceram absortos em seus próprios pensamentos. Pouco tempo depois, o carro atravessou um pequeno túnel que ligava dois bairros, e atingiu uma série de estreitas ruas que se ligavam em um emaranhado sem fim. Em uma dessas ruas – tão estreita que permitia a passagem de apenas um carro por vez -, Clay deu o sinal para Razen:
- Estamos chegando. Lembro-me bem, Larks disse que após o emaranhado de ruas estreitas, ele atingiria uma grande avenida, que daria acesso a outra rua menor, onde se localizaria a casa abandonada.
E o carro percorreu o trecho descrito pelo tutor. Quando atingiram a rua menor, Clay diminuiu a velocidade do veículo para analisar casa por casa, até encontrar a tal abandonada. A rua era extensa, causando certo trabalho para identificar o lugar certo. Em frente de uma casa aparentemente antiga, com paredes desgastadas e algumas rachaduras expostas, estava parada uma mulher, que para a dupla no carro era desconhecida. A mulher era a esposa de Seimic, e vice-comandante da Lirium Corporation. Balançando levemente seu vestido azul estampado em diversas flores lilás, ela desviou o olhar do casarão para observar o táxi por um instante. Seus lábios, cobertos por uma fina camada de um batom azulado, se contraíram ao perceber a presença de Razen. Clay estacionou o carro ao lado dela, e, ao abrir a porta do veículo, foi recebido com duras palavras:
- Que péssima surpresa. O filho renegado, e o velho fracassado que encontrou no menino um motivo para viver. Formam uma dupla digna de pena. - A mulher, apesar de sua beleza angelical, mostrou seu caráter repugnante.
Razen abriu a porta nesse instante, e saiu do carro com certa violência, batendo-a com força. O som da porta ecoou por toda a rua, deserta nesse momento. As luzes das luminárias espalhadas pelas laterais da rua começaram a acender se tornando os únicos pontos claros, após Clay apagar os faróis do carro. Razen não estava nada contente após ouvir o comentário da mulher. Toda a magia e alegria do aniversário, o olhar feliz e satisfeito do rapaz, modificou-se em um olhar capaz de fazer os mais fracos de espírito perecer. O menino ruivo encarou a mulher com total desprezo e repugna, e juntou forças para perguntar, secamente:
- Quem é você?
Deslizando os dedos delicadamente pela própria bochecha, a mulher respondeu:
- Lady Margot Raziv, esposa do vice-presidente da Lirium Corporation, por sinal, a empresa dos seus pais – A mulher sorriu, e disse pausadamente -, cujo líder é Loren Jacobs.
Razen perdeu o controle, e avançou contra a mulher. Clay contornou o carro e tentou segurar o menino, mas não precisou fazer nada. Margot estendeu seu braço – envolto por diversos braceletes e colares – e tocou a testa do jovem ruivo. O menino acalmou-se no mesmo momento. Sentiu-se leve, sem forças, hipnotizado. Não conseguiu sequer se mexer.
- Cuidado, rapazinho. Eu não sou seu irmão, e não vou deixar você encostar suas mãos sujas em mim. – Vociferou Margot, visivelmente irritada com o súbito ataque.
- O que você faz em frente à casa de um vampiro? – Perguntou Clay, afastando Razen da mulher.
- Estou apenas acompanhando o meu marido. Ele está lá dentro, com lorde Loren. Vocês vieram matar Nibelung? – Margot riu debochadamente – Uma abominável coincidência. Apesar de todos sabermos quem tem mais chance de cumprir esse objetivo.
Clay decidiu ignorar a presença incômoda da mulher. Preocupava-se agora com o que acabara de ouvir. Loren estava na casa abandonada, e um encontro entre os irmãos não seria exatamente um bom plano para esse dia. Porém, Razen, que também ouvira o que Margot dissera, prontificou-se em dizer:
- Meu irmão está aqui... Ótimo. Vou matar um vampiro na sua frente, e mostrar que não sou um renegado, como fui denominado hoje. Se Loren foi escolhido para se tornar o presidente – O menino sentiu um aperto no peito -, algo ele fez para merecer.
- Vamos entrar de uma vez. – Concluiu Clay, retirando as armas do taxi e abrindo lentamente a pesada porta de madeira da casa. O clarão das luminárias na rua espalhou-se pelo pequeno corredor que separava a porta do restante da casa.
Com um longo suspiro, Clay foi o primeiro a entrar no corredor, seguido por Razen. Decidiram não fechar a porta, para que a luz das luminárias esclarecesse ao menos uma parte do caminho. O corredor era pequeno, passível a uma pessoa por vez, e não continha nada em suas paredes sujas. A dupla atravessou o corredor lentamente, tomando o cuidado de não fazer muito barulho, sendo o maior dos ruídos apenas a respiração inquieta de ambos. Ao fim do corredor encontraram uma sala pequena – e uma porta fechada na outra extremidade do cômodo - com uma janela tampada por madeiras e pregos, sem qualquer tipo de iluminação para a sala, dois quadros bizarros com alguns animais mortos na lateral esquerda, e uma pequena mesa de vidro ao centro, sem qualquer objeto – exceto um pequeno vaso esverdeado – sob sua superfície. Clay checou o ambiente com dificuldade, pois a luz das luminárias lá fora já não era tão intensa nesse ponto. Razen tentou analisar os quadros, mas não conseguiu encontrar coerência alguma neles.
Subitamente, gritos pavorosos atraíram a atenção dos dois, vindos detrás da porta. O silêncio fora quebrado por uma sucessão de barulhos estrondosos. Clay abriu a porta rapidamente, e sentiu seu coração acelerar. Estavam agora em um salão um pouco maior, iluminado por diversas janelas nas laterais, onde a lua brilhante impunha sua presença. Os gritos vieram de diversos vampiros caídos ao chão, ensangüentados e derrotados. Loren estava próximo do centro da sala, de braços cruzados, confiante e destemido. Ao seu lado estava Seimic, portando mais um de seus luxuosos ternos. Suas luvas brancas, manchadas por muito sangue, eram a única imperfeição em seu traje. Clay e Razen estavam boquiabertos e confusos. Pretendiam enfrentar um vampiro lendário, e testemunhavam agora a derrota de VÁRIOS deles.
O fundo do salão, envolto por uma escuridão total, dava a sensação de que o pior ainda estava por vir. Loren ainda não havia percebido a presença do irmão, e disse em voz alta:
- Isso é o melhor que os seus lacaios podem fazer? Não serviram nem mesmo de aquecimento para o meu servo! E eu não precisei nem mesmo me mexer para ajudá-lo!
Razen aproximou-se lentamente, e sibilou:
- Loren...
O ruivo mais velho virou-se rapidamente para observar seu irmão.
- O que você faz aqui? Veio apreciar o meu poder? – Perguntou Loren, erguendo os braços como um imperador.
- Do que você está falando? – Retrucou Razen.
- O motivo pelo o qual eu sou o filho querido do papai, e não você. O motivo pelo o qual as empresas são MINHAS e não SUAS.
- QUE MOTIVO É ESSE? – Perguntou o ruivo mais novo, ensandecido.
- EU – Loren gritou no mesmo tom que o irmão – SOU AQUELE COM O PODER DE MATAR VAMPIROS! – Diminuiu a voz para as frases seguintes – Eu tenho a capacidade total para vencer um vampiro, sem precisar de qualquer arma ou proteção. Reza a lenda, meu querido irmão, que o primogênito da quarta geração entre os Jacobs seria o dono dessa habilidade. E eu a sinto correndo dentro de mim – O ruivo estendeu seus braços e observou-os com clara satisfação.
- Então... – Razen baixou a cabeça, extremamente confuso e desnorteado – Tudo não passou de interesse. Papai sabia da sua capacidade e deixou tudo pra você, como se eu não existisse ou não merecesse por nascer depois...
Movimentos na escuridão atrapalharam a conturbada conversa. Um ruído estridente atingiu os ouvidos dos quatro no salão, e atordoou-os por um instante. Quando o ruído cessou, o chão tremeu por um instante, desequilibrando Razen, que caiu de joelhos, e Clay, que se apoiou na parede. Uma horda de morcegos, de todos os tamanhos, surgiu da escuridão ao fundo e espalhou-se pelo salão, fazendo investidas contra Seimic e Loren, que se abaixaram para não serem atingidos pela fúria das criaturas. Os morcegos rodopiaram pelo teto do salão durante um tempo, descendo em alta velocidade algumas vezes e chocando-se contra os corpos dos ruivos. Uma sombra na escuridão foi tomando forma e força, criando uma estrutura humanóide. A sombra se transformou em um vampiro, muito mais aterrorizante ou temível do que os outros mortos ao chão. Clay, Razen, Seimic e Loren levantaram-se para observar a criatura, enquanto os morcegos continuavam seus rodopios no teto. O vampiro tinha olhos amarelos, muito densos e frios. Estes olhos analisaram todo o salão rapidamente, verificando o estado dos lacaios e dos intrusos. Os caninos da criatura eram maiores do que os dos outros, e se estendiam até alguns centímetros abaixo do queixo. A pele amarelada do vampiro contribuiu para que a escuridão do fundo do salão cessasse. Abrindo a boca lentamente – e exalando um odor horrível – o vampiro, com uma voz fria e arrastada, ordenou:
- Venham, minhas pequenas crias das sombras! Voltem ao seu corpo de origem, pois ele agora necessita muito da sua energia. – O vampiro abriu a boca um pouco mais, com um tamanho suficiente para engolir uma cabeça humana. Os morcegos que rodopiavam pelo salão mergulharam dentro da garganta do vampiro mestre. Razen olhou para Clay, assustado, e o mesmo retribuiu um olhar amedrontado. Quando todos os morcegos haviam sido engolidos, o vampiro diminuiu a abertura de sua boca, e dirigiu-se para Loren:
- Então... Tens a capacidade de matar vampiros. Deveras interessante, a meu ver. O que achas então de acabar com a existência do grandioso Nibelung Mortuary? Tens essa oportunidade, já que estou aqui esperando o teu milagre.
Seimic encarou a criatura friamente. Dos quatro, era o com menos temor. Aproximou-se de Loren, que estava perplexo com a aparição majestosa de Nibelung, e disse baixinho:
- Acabe com isso. Você só precisa de um braço para acabar com ele.
Loren tomou a frente, e ficou a poucos metros de distância do vampiro. Ergueu seu braço direito e disse:
- Este é o seu fim, vampiro maldito. Lembra-se de Larks e Belle Jacobs? Você os matou, e eles eram os MEUS pais! – Avançou contra a criatura, com o braço erguido, pretendendo atingi-lo com um soco. Razen queria gritar para impedir o seu irmão, mas parecia não ter voz. Não conseguiu gritar ou se mexer para ajudá-lo, e, parado ali, teve a pior visão em sua vida.
Quando o braço de Loren aproximou-se da boca de Nibelung, o vampiro abocanhou-o sem relutação. Mordeu com vontade e fúria, cravando seus caninos com tanta intensidade que quase arrancou o membro fora. Seimic avançou contra o vampiro, que largou o braço do ruivo para agarrar o novo atacante pelo pescoço, e jogá-lo contra a parede. Razen agora conseguiu gritar, desesperado, enquanto Nibelung voltou a atacar Loren, mordendo seu braço direito até arrancá-lo do corpo. O ruivo mais velho entrara agora em desespero, chorando, gritando e debatendo-se pedindo ajuda. Razen, furioso e igualmente desesperado, atacou o vampiro, empurrando-o contra a escuridão. Nibelung estava se divertindo, vendo Loren naquela situação, e o irmão valente tentando protegê-lo.
- Tens também a tal capacidade de matar vampiros, pequenino? – Perguntou ao irmão mais novo, gargalhando.
Clay empunhou um de seus fuzis e deu dois tiros contra a escuridão, onde o vampiro se camuflara. Nibelung reapareceu segundos depois, no teto, com a boca arreganhada para abocanhar o corpo inteiro de Razen em uma só mordida. Em um vôo rasante, mostrando agora suas esplendorosas asas negras o vampiro atacou. O ruivo pulou contra o chão e escapou do ataque. O vampiro sofreu uma queda violetan contra o solo, porém, não pareceu sentir o impacto, levantando-se em seguida, já preparado para atacar novamente. Clay atirou novamente com seu fuzil, e acabou atraindo a atenção do vampiro, que ultrapassou o corpo dos vampiros caídos no chão para golpear o velho. Razen surgiu por trás e agarrou o vampiro pelo pescoço, que tentou se desvencilhar chacoalhando o corpo violentamente. Razen tentou sufocar a criatura, embora soubesse que esse tipo de coisa não adiantaria. Clay tentou atirar, mas não conseguia devido aos movimentos do vampiro, que acabou por apertar com força os braços do menino ruivo, até ele soltar o seu pescoço. Nibelung virou-se para morder Razen, segurando os seus braços e mantendo-o preso. Clay tentou ajudar, mas era tarde demais. Loren, no chão, gritou como seu irmão gritara anteriormente quando o vampiro arrancara seu braço. Nibelung alargou a boca e mordeu o pescoço de Razen, que não demonstrou reação alguma. Um súbito silêncio se instalou no salão. Nibelung desgrudou o pescoço de sua boca, sem entender. Seus caninos tão resistentes e afiados estavam totalmente tortos, e o pescoço do menino, intacto. O vampiro não conseguira morder o rapaz.
Seimic observou a cena com os olhos arregalados, e sibilou:
- Aquele com o poder de matar um vampiro não precisa de armas ou proteções, por que o seu próprio corpo é um escudo.
Loren não queria acreditar:
- Não pode ser... NÃO! EU sou o filho primogênito... Como pode ele ter esse poder?
Razen sentiu sua autoconfiança e forças voltarem. Sentiu uma alegria interna imensa, e uma sensação de vitória. Olhou para o vampiro, que agora já não parecia tão amedrontador.
Nibelung largou o ruivo, e passou os finos dedos pelos caninos.
- Então o poder era real. É o fim do meu legado. – O vampiro curvou-se para o menino, e ajoelhou-se, esperando a sua sentença. Razen olhou para seu irmão, que o encarava com ódio e inveja agora. Não conseguia nutrir o mesmo sentimento, vendo que Loren acabara de perder o próprio braço, cego em sua certeza de ser dono de um poder tão grande. Clay caminhou até o vampiro e o afilhado, e entregou nas mãos do menino ruivo o seu fuzil.
- Feliz aniversário, filho. – Entoou, antes de sair pela porta que entraram anteriormente, e ouvir, segundos depois, um último disparo no salão, que deu fim à conturbada noite.
Minutos depois Razen saiu pela pesada porta de madeira na entrada da casa, e lançou um último olhar à Margot, que aguardava sorridente por Seimic e Loren.
Clay achou melhor não esperar a saída dos outros dois, e após a entrada do afilhado no táxi, deu a partida e iniciou o percurso de volta. Loren deixou a casa alguns segundos depois, continuando a chorar, com a mão esquerda procurando algo do lado direito do corpo para segurar. Margot, surpresa com a destruição do braço de seu lorde, acolheu-o e procurou confortá-lo com um abraço.
No carro, Clay e Razen mantiveram o silêncio durante um bom tempo – e já viajavam de volta para o país de origem, até que o menino decidiu falar:
- Estou curioso para ver a reação do Blaze. Caso ele não insista em vingar o vampiro, como eu fiz com meus pais, poderemos ser companheiros de trabalho.
- E seria muito interessante se você criasse uma amizade com ele. Parece ser um rapaz leal, apesar de aparentemente sofrido.
Razen decidiu fazer uma última pergunta, antes de mergulhar em suas lembranças da fatídica noite:
- Será que papai está orgulhoso de mim?
Clay não ousou responder.
Durante a semana seguinte, Clay e Razen dedicaram suas tardes em treinos básicos – e posteriormente complexos – com armas e estudos sobre vampiros. Em poucos dias, o menino ruivo já estava familiarizado com as armas, tendo reflexos e pontaria praticamente impecáveis. Tudo graças, segundo a suposição do tutor, ao seu extremo empenho e determinação. Tomar conhecimento da existência de seres tão sombrios, que acabaram com a sua família, tornou o jovem Razen uma pessoa um pouco mais fria e menos sonhadora. Seu único objetivo para o momento era acabar com Nibelung.
Ao acordar na manhã do oitavo dia no país vizinho, Clay decidiu preparar um café caprichado para seu afilhado. Saiu às ruas para comprar pães e doces, e retornou ao hotel meia hora depois. Razen estava acordando nesse momento, incomodado por insistentes pernilongos que rondavam o seu beliche. Saudado com um animado “bom dia” pelo tutor, o ruivo respondeu:
- Bom dia! Estou animado... Hoje é o meu aniversário! – Levantou-se e foi até o banheiro escovar os dentes.
Enquanto arrumava a mesa, e recheava pães com geléia, Clay dizia:
- Sim, sim... Uma data muito importante! A partir de hoje, você é um rapaz de dezesseis anos! Uma bela idade, por sinal. Eu comprei algumas coisinhas enquanto você dormia... Creio que teremos um café da manhã bem agradável.
- E hoje iremos finalmente atrás do vampiro. – Razen saiu do cômodo limpando o rosto com uma toalha azul – Não é?
Clay separou quatro pães na mesa, guardou outros dois em um saco plástico e voltou sua atenção para o menino:
- Pensei que quisesse aproveitar o seu aniversário sem correr qualquer risco.
- O melhor presente de aniversário que eu posso receber é a certeza de finalmente acabar com isso. Eu quero muito poder encarar o inimigo.
Clay hesitou por um instante. Achou melhor não contrariar:
- Entendo. Se for o seu desejo, eu vou ajudar a satisfazer. Meus parabéns pelo seu aniversário, filho. – O tutor abraçou carinhosamente o menino, que retribuiu agradecido.
Após o reforçado – e saboroso – café da manhã, onde degustaram, além dos pães com geléia; um delicioso bolo de frutas, mel e ameixas, a dupla pagou a estadia no hotel e saiu em direção ao taxi. Apesar de estar relativamente cedo – aproximadamente nove horas -, a rua já estava bastante movimentada. Diversas pessoas circulavam, juntamente de alguns ciclistas próximos à calçada, e alguns carros na larga rua. Ao entrar no carro, a conversa recomeçou.
- Como sabe onde o vampiro se esconde? – Perguntou Razen, acomodando-se no banco e colocando o cinto.
- Larks contou onde era certa vez. Eu espero que Nibelung ainda viva por lá. Apesar de que só poderemos vê-lo, e enfrentá-lo, durante a noite.
- Como dito nos livros... – Complementou o menino, esticando a cabeça para fora do carro quando Clay deu a partida. Razen adorava observar o jeito das pessoas nas ruas enquanto o carro circulava. Estando em um país vizinho, onde as roupas e os lugares eram diferentes, esse hobby se tornou ainda mais agradável de praticar. – O que faremos até o anoitecer?
Clay acelerou o veículo, e olhou rapidamente para o afilhado, esboçando um sorriso:
- Vamos aproveitar o seu aniversário!
E assim o fizeram. Durante a tarde inteira passearam pelos mais diversos locais, como o cinema mais próximo; o parque de diversões – onde aproveitaram o tiro ao alvo para testar a pontaria aprimorada -; uma praça extremamente agradável, cheia de flores cheirosas que atraíram o olfato da dupla durante um bom tempo; e uma pista para bicicletas, onde Clay alugou duas das mais baratas para brincar com Razen. Aquele dia parecia interminável, como se a noite perigosa não devesse acontecer. Mas, mesmo diante do melhor aniversário de sua vida, o menino ruivo não desistiu de seu objetivo. E quando o sol se pôs, dando início ao escurecer, ele tratou de cobrar o combinado:
- Está na hora de começarmos a busca, Clay. – Estavam dentro do taxi, descansando após as horas de diversão – Acabar com Nibelung.
Clay, ofegante, devido à sua idade já avançada para tanto exercício em uma bicicleta, concordou:
- Sim, como prometido, vamos atrás dele agora. Por sorte não estamos muito longe do lugar indicado por Larks. Ele havia me dito que é uma casa abandonada, onde vive o vampiro, sozinho.
Diferentemente da agradável tarde, onde a dupla sorria e brincava alegremente, tinham agora nos rostos um semblante sério e frio. Estavam cientes de que poderiam até mesmo morrer enfrentando a criatura, porém, era um risco a se correr. Quando o taxi recomeçou a percorrer as ruas desertas – já que o país vizinho era conhecido pelo perigo de suas ruas durante a noite -, um vento gélido contribuiu para amargar o silêncio dentro do veículo, onde Clay e Razen permaneceram absortos em seus próprios pensamentos. Pouco tempo depois, o carro atravessou um pequeno túnel que ligava dois bairros, e atingiu uma série de estreitas ruas que se ligavam em um emaranhado sem fim. Em uma dessas ruas – tão estreita que permitia a passagem de apenas um carro por vez -, Clay deu o sinal para Razen:
- Estamos chegando. Lembro-me bem, Larks disse que após o emaranhado de ruas estreitas, ele atingiria uma grande avenida, que daria acesso a outra rua menor, onde se localizaria a casa abandonada.
E o carro percorreu o trecho descrito pelo tutor. Quando atingiram a rua menor, Clay diminuiu a velocidade do veículo para analisar casa por casa, até encontrar a tal abandonada. A rua era extensa, causando certo trabalho para identificar o lugar certo. Em frente de uma casa aparentemente antiga, com paredes desgastadas e algumas rachaduras expostas, estava parada uma mulher, que para a dupla no carro era desconhecida. A mulher era a esposa de Seimic, e vice-comandante da Lirium Corporation. Balançando levemente seu vestido azul estampado em diversas flores lilás, ela desviou o olhar do casarão para observar o táxi por um instante. Seus lábios, cobertos por uma fina camada de um batom azulado, se contraíram ao perceber a presença de Razen. Clay estacionou o carro ao lado dela, e, ao abrir a porta do veículo, foi recebido com duras palavras:
- Que péssima surpresa. O filho renegado, e o velho fracassado que encontrou no menino um motivo para viver. Formam uma dupla digna de pena. - A mulher, apesar de sua beleza angelical, mostrou seu caráter repugnante.
Razen abriu a porta nesse instante, e saiu do carro com certa violência, batendo-a com força. O som da porta ecoou por toda a rua, deserta nesse momento. As luzes das luminárias espalhadas pelas laterais da rua começaram a acender se tornando os únicos pontos claros, após Clay apagar os faróis do carro. Razen não estava nada contente após ouvir o comentário da mulher. Toda a magia e alegria do aniversário, o olhar feliz e satisfeito do rapaz, modificou-se em um olhar capaz de fazer os mais fracos de espírito perecer. O menino ruivo encarou a mulher com total desprezo e repugna, e juntou forças para perguntar, secamente:
- Quem é você?
Deslizando os dedos delicadamente pela própria bochecha, a mulher respondeu:
- Lady Margot Raziv, esposa do vice-presidente da Lirium Corporation, por sinal, a empresa dos seus pais – A mulher sorriu, e disse pausadamente -, cujo líder é Loren Jacobs.
Razen perdeu o controle, e avançou contra a mulher. Clay contornou o carro e tentou segurar o menino, mas não precisou fazer nada. Margot estendeu seu braço – envolto por diversos braceletes e colares – e tocou a testa do jovem ruivo. O menino acalmou-se no mesmo momento. Sentiu-se leve, sem forças, hipnotizado. Não conseguiu sequer se mexer.
- Cuidado, rapazinho. Eu não sou seu irmão, e não vou deixar você encostar suas mãos sujas em mim. – Vociferou Margot, visivelmente irritada com o súbito ataque.
- O que você faz em frente à casa de um vampiro? – Perguntou Clay, afastando Razen da mulher.
- Estou apenas acompanhando o meu marido. Ele está lá dentro, com lorde Loren. Vocês vieram matar Nibelung? – Margot riu debochadamente – Uma abominável coincidência. Apesar de todos sabermos quem tem mais chance de cumprir esse objetivo.
Clay decidiu ignorar a presença incômoda da mulher. Preocupava-se agora com o que acabara de ouvir. Loren estava na casa abandonada, e um encontro entre os irmãos não seria exatamente um bom plano para esse dia. Porém, Razen, que também ouvira o que Margot dissera, prontificou-se em dizer:
- Meu irmão está aqui... Ótimo. Vou matar um vampiro na sua frente, e mostrar que não sou um renegado, como fui denominado hoje. Se Loren foi escolhido para se tornar o presidente – O menino sentiu um aperto no peito -, algo ele fez para merecer.
- Vamos entrar de uma vez. – Concluiu Clay, retirando as armas do taxi e abrindo lentamente a pesada porta de madeira da casa. O clarão das luminárias na rua espalhou-se pelo pequeno corredor que separava a porta do restante da casa.
Com um longo suspiro, Clay foi o primeiro a entrar no corredor, seguido por Razen. Decidiram não fechar a porta, para que a luz das luminárias esclarecesse ao menos uma parte do caminho. O corredor era pequeno, passível a uma pessoa por vez, e não continha nada em suas paredes sujas. A dupla atravessou o corredor lentamente, tomando o cuidado de não fazer muito barulho, sendo o maior dos ruídos apenas a respiração inquieta de ambos. Ao fim do corredor encontraram uma sala pequena – e uma porta fechada na outra extremidade do cômodo - com uma janela tampada por madeiras e pregos, sem qualquer tipo de iluminação para a sala, dois quadros bizarros com alguns animais mortos na lateral esquerda, e uma pequena mesa de vidro ao centro, sem qualquer objeto – exceto um pequeno vaso esverdeado – sob sua superfície. Clay checou o ambiente com dificuldade, pois a luz das luminárias lá fora já não era tão intensa nesse ponto. Razen tentou analisar os quadros, mas não conseguiu encontrar coerência alguma neles.
Subitamente, gritos pavorosos atraíram a atenção dos dois, vindos detrás da porta. O silêncio fora quebrado por uma sucessão de barulhos estrondosos. Clay abriu a porta rapidamente, e sentiu seu coração acelerar. Estavam agora em um salão um pouco maior, iluminado por diversas janelas nas laterais, onde a lua brilhante impunha sua presença. Os gritos vieram de diversos vampiros caídos ao chão, ensangüentados e derrotados. Loren estava próximo do centro da sala, de braços cruzados, confiante e destemido. Ao seu lado estava Seimic, portando mais um de seus luxuosos ternos. Suas luvas brancas, manchadas por muito sangue, eram a única imperfeição em seu traje. Clay e Razen estavam boquiabertos e confusos. Pretendiam enfrentar um vampiro lendário, e testemunhavam agora a derrota de VÁRIOS deles.
O fundo do salão, envolto por uma escuridão total, dava a sensação de que o pior ainda estava por vir. Loren ainda não havia percebido a presença do irmão, e disse em voz alta:
- Isso é o melhor que os seus lacaios podem fazer? Não serviram nem mesmo de aquecimento para o meu servo! E eu não precisei nem mesmo me mexer para ajudá-lo!
Razen aproximou-se lentamente, e sibilou:
- Loren...
O ruivo mais velho virou-se rapidamente para observar seu irmão.
- O que você faz aqui? Veio apreciar o meu poder? – Perguntou Loren, erguendo os braços como um imperador.
- Do que você está falando? – Retrucou Razen.
- O motivo pelo o qual eu sou o filho querido do papai, e não você. O motivo pelo o qual as empresas são MINHAS e não SUAS.
- QUE MOTIVO É ESSE? – Perguntou o ruivo mais novo, ensandecido.
- EU – Loren gritou no mesmo tom que o irmão – SOU AQUELE COM O PODER DE MATAR VAMPIROS! – Diminuiu a voz para as frases seguintes – Eu tenho a capacidade total para vencer um vampiro, sem precisar de qualquer arma ou proteção. Reza a lenda, meu querido irmão, que o primogênito da quarta geração entre os Jacobs seria o dono dessa habilidade. E eu a sinto correndo dentro de mim – O ruivo estendeu seus braços e observou-os com clara satisfação.
- Então... – Razen baixou a cabeça, extremamente confuso e desnorteado – Tudo não passou de interesse. Papai sabia da sua capacidade e deixou tudo pra você, como se eu não existisse ou não merecesse por nascer depois...
Movimentos na escuridão atrapalharam a conturbada conversa. Um ruído estridente atingiu os ouvidos dos quatro no salão, e atordoou-os por um instante. Quando o ruído cessou, o chão tremeu por um instante, desequilibrando Razen, que caiu de joelhos, e Clay, que se apoiou na parede. Uma horda de morcegos, de todos os tamanhos, surgiu da escuridão ao fundo e espalhou-se pelo salão, fazendo investidas contra Seimic e Loren, que se abaixaram para não serem atingidos pela fúria das criaturas. Os morcegos rodopiaram pelo teto do salão durante um tempo, descendo em alta velocidade algumas vezes e chocando-se contra os corpos dos ruivos. Uma sombra na escuridão foi tomando forma e força, criando uma estrutura humanóide. A sombra se transformou em um vampiro, muito mais aterrorizante ou temível do que os outros mortos ao chão. Clay, Razen, Seimic e Loren levantaram-se para observar a criatura, enquanto os morcegos continuavam seus rodopios no teto. O vampiro tinha olhos amarelos, muito densos e frios. Estes olhos analisaram todo o salão rapidamente, verificando o estado dos lacaios e dos intrusos. Os caninos da criatura eram maiores do que os dos outros, e se estendiam até alguns centímetros abaixo do queixo. A pele amarelada do vampiro contribuiu para que a escuridão do fundo do salão cessasse. Abrindo a boca lentamente – e exalando um odor horrível – o vampiro, com uma voz fria e arrastada, ordenou:
- Venham, minhas pequenas crias das sombras! Voltem ao seu corpo de origem, pois ele agora necessita muito da sua energia. – O vampiro abriu a boca um pouco mais, com um tamanho suficiente para engolir uma cabeça humana. Os morcegos que rodopiavam pelo salão mergulharam dentro da garganta do vampiro mestre. Razen olhou para Clay, assustado, e o mesmo retribuiu um olhar amedrontado. Quando todos os morcegos haviam sido engolidos, o vampiro diminuiu a abertura de sua boca, e dirigiu-se para Loren:
- Então... Tens a capacidade de matar vampiros. Deveras interessante, a meu ver. O que achas então de acabar com a existência do grandioso Nibelung Mortuary? Tens essa oportunidade, já que estou aqui esperando o teu milagre.
Seimic encarou a criatura friamente. Dos quatro, era o com menos temor. Aproximou-se de Loren, que estava perplexo com a aparição majestosa de Nibelung, e disse baixinho:
- Acabe com isso. Você só precisa de um braço para acabar com ele.
Loren tomou a frente, e ficou a poucos metros de distância do vampiro. Ergueu seu braço direito e disse:
- Este é o seu fim, vampiro maldito. Lembra-se de Larks e Belle Jacobs? Você os matou, e eles eram os MEUS pais! – Avançou contra a criatura, com o braço erguido, pretendendo atingi-lo com um soco. Razen queria gritar para impedir o seu irmão, mas parecia não ter voz. Não conseguiu gritar ou se mexer para ajudá-lo, e, parado ali, teve a pior visão em sua vida.
Quando o braço de Loren aproximou-se da boca de Nibelung, o vampiro abocanhou-o sem relutação. Mordeu com vontade e fúria, cravando seus caninos com tanta intensidade que quase arrancou o membro fora. Seimic avançou contra o vampiro, que largou o braço do ruivo para agarrar o novo atacante pelo pescoço, e jogá-lo contra a parede. Razen agora conseguiu gritar, desesperado, enquanto Nibelung voltou a atacar Loren, mordendo seu braço direito até arrancá-lo do corpo. O ruivo mais velho entrara agora em desespero, chorando, gritando e debatendo-se pedindo ajuda. Razen, furioso e igualmente desesperado, atacou o vampiro, empurrando-o contra a escuridão. Nibelung estava se divertindo, vendo Loren naquela situação, e o irmão valente tentando protegê-lo.
- Tens também a tal capacidade de matar vampiros, pequenino? – Perguntou ao irmão mais novo, gargalhando.
Clay empunhou um de seus fuzis e deu dois tiros contra a escuridão, onde o vampiro se camuflara. Nibelung reapareceu segundos depois, no teto, com a boca arreganhada para abocanhar o corpo inteiro de Razen em uma só mordida. Em um vôo rasante, mostrando agora suas esplendorosas asas negras o vampiro atacou. O ruivo pulou contra o chão e escapou do ataque. O vampiro sofreu uma queda violetan contra o solo, porém, não pareceu sentir o impacto, levantando-se em seguida, já preparado para atacar novamente. Clay atirou novamente com seu fuzil, e acabou atraindo a atenção do vampiro, que ultrapassou o corpo dos vampiros caídos no chão para golpear o velho. Razen surgiu por trás e agarrou o vampiro pelo pescoço, que tentou se desvencilhar chacoalhando o corpo violentamente. Razen tentou sufocar a criatura, embora soubesse que esse tipo de coisa não adiantaria. Clay tentou atirar, mas não conseguia devido aos movimentos do vampiro, que acabou por apertar com força os braços do menino ruivo, até ele soltar o seu pescoço. Nibelung virou-se para morder Razen, segurando os seus braços e mantendo-o preso. Clay tentou ajudar, mas era tarde demais. Loren, no chão, gritou como seu irmão gritara anteriormente quando o vampiro arrancara seu braço. Nibelung alargou a boca e mordeu o pescoço de Razen, que não demonstrou reação alguma. Um súbito silêncio se instalou no salão. Nibelung desgrudou o pescoço de sua boca, sem entender. Seus caninos tão resistentes e afiados estavam totalmente tortos, e o pescoço do menino, intacto. O vampiro não conseguira morder o rapaz.
Seimic observou a cena com os olhos arregalados, e sibilou:
- Aquele com o poder de matar um vampiro não precisa de armas ou proteções, por que o seu próprio corpo é um escudo.
Loren não queria acreditar:
- Não pode ser... NÃO! EU sou o filho primogênito... Como pode ele ter esse poder?
Razen sentiu sua autoconfiança e forças voltarem. Sentiu uma alegria interna imensa, e uma sensação de vitória. Olhou para o vampiro, que agora já não parecia tão amedrontador.
Nibelung largou o ruivo, e passou os finos dedos pelos caninos.
- Então o poder era real. É o fim do meu legado. – O vampiro curvou-se para o menino, e ajoelhou-se, esperando a sua sentença. Razen olhou para seu irmão, que o encarava com ódio e inveja agora. Não conseguia nutrir o mesmo sentimento, vendo que Loren acabara de perder o próprio braço, cego em sua certeza de ser dono de um poder tão grande. Clay caminhou até o vampiro e o afilhado, e entregou nas mãos do menino ruivo o seu fuzil.
- Feliz aniversário, filho. – Entoou, antes de sair pela porta que entraram anteriormente, e ouvir, segundos depois, um último disparo no salão, que deu fim à conturbada noite.
Minutos depois Razen saiu pela pesada porta de madeira na entrada da casa, e lançou um último olhar à Margot, que aguardava sorridente por Seimic e Loren.
Clay achou melhor não esperar a saída dos outros dois, e após a entrada do afilhado no táxi, deu a partida e iniciou o percurso de volta. Loren deixou a casa alguns segundos depois, continuando a chorar, com a mão esquerda procurando algo do lado direito do corpo para segurar. Margot, surpresa com a destruição do braço de seu lorde, acolheu-o e procurou confortá-lo com um abraço.
No carro, Clay e Razen mantiveram o silêncio durante um bom tempo – e já viajavam de volta para o país de origem, até que o menino decidiu falar:
- Estou curioso para ver a reação do Blaze. Caso ele não insista em vingar o vampiro, como eu fiz com meus pais, poderemos ser companheiros de trabalho.
- E seria muito interessante se você criasse uma amizade com ele. Parece ser um rapaz leal, apesar de aparentemente sofrido.
Razen decidiu fazer uma última pergunta, antes de mergulhar em suas lembranças da fatídica noite:
- Será que papai está orgulhoso de mim?
Clay não ousou responder.
Unfaithful Capítulo 8
Capítulo 8 – Viagem
- E você já matou alguém?
Razen estava acomodado em uma cadeira de mármore, respondendo um sórdido questionário feito por ninguém menos que Vayne Pennymore. A espaçosa sala de reuniões, onde ficavam todos os quadros de mafiosos, e onde as ligações sempre surpreendentes de clientes com problemas aconteciam, tinha agora a presença ilustre do mais jovem dos Jacobs, acompanhado de seu tutor Clay. Depois do acontecido com Loren no dia anterior, o tutor achou melhor ligar para Vayne e solicitar um emprego para ambos.
-Nunca matei, senhor. – Respondeu o jovem ruivo, que continuava determinado a cumprir vingança – Porém, após ficar ciente de determinados fatos, estou devidamente disposto e ansioso a matar certa pessoa.
- Entendo. – Disse o entediado Vayne, balançando as banhas em sua enorme cadeira – Já pegou em uma arma, filho?
-Não senhor.
- Hmm – Vayne cutucou a verruga em seu queixo com um charuto inglês -, infelizmente, aqui não é uma creche para menores revoltados. E eu já tenho um caçador suficientemente bom, que sofre bastante nas mãos do titio aqui – Apontou para Legacy, ao seu lado, que se mantinha totalmente alienado a conversa, apenas encarando Clay com frieza.
- Eu posso ensiná-lo a lutar, Vayne. Não se preocupe. Cuidei de Razen por onze anos, ele tem uma determinação invejável. – Clay evitou o olhar do demônio, e buscou dentro de si uma determinação semelhante à de seu afilhado.
- Vou dar uma chance então. Você terá um ano para treiná-lo. Após esse período, ele será admitido como recruta e trabalhará junto de meu outro caçador.
O caçador citado entrou na sala nesse momento. Era Blaze, um pouco mais novo, sem tanta barba e apetrechos por todo o corpo. Estava um pouco sujo e sangrando por alguns cortes que rasgaram a camisa do lado direito.
- Mande a próxima missão Vayne, não tenho tempo a perder.
O mafioso sorriu ironicamente, e apresentou o caçador:
- Esse é Blaze Mortuary, meu servo e caçador de aberrações.
Razen congelou. Sentiu um arrepio e seu corpo esfriou rapidamente. Levantou-se e virou-se para observar o homem. Lembrou-se do sobrenome dito por Clay na noite passada no mesmo instante. O tutor não ficou nada contente ao descobrir o sobrenome do possível novo companheiro de Razen, mas não podia fazer nada naquele momento.
-Muito prazer, sou Razen Jacobs. – Estendeu a mão para cumprimentar Blaze, que retribuiu com um aperto dolorido.
Vayne, percebendo o descontentamento do caçador, que não estava nem um pouco interessado em ser apresentado a estranhos, entoou:
- Em breve ele será seu companheiro de caça, Blaze. Vocês vão trabalhar juntos.
Blaze voltou a sua atenção para o mafioso, e pareceu mais frio do que nunca:
-Não preciso de companheiros. Ainda mais sendo um moleque que mal saiu das fraldas.
O menino ruivo ignorou o comentário. Estava assustado demais com a idéia de trabalhar ao lado de um homem provavelmente pertencente a uma linhagem vampiresca.
- Já que não vai me dar uma nova missão, vou sair para descansar. Até mais. – Concluiu Blaze, retirando-se da sala, enquanto os demais amargavam um remoto silêncio.
Pouco tempo depois saíram dali também Razen e Clay. Passaram pela boate ligada à sala de Vayne, onde o tutor cumprimentou o barman Charles e mais alguns mordomos. Ao atingirem a rua, Clay decidiu mencionar:
- Já não acho que fiz a coisa certa. Agora estou expondo nós dois a um risco enorme. Como pode tanto azar, justamente o caçador do Vayne ser um Mortuary.
- É uma família composta inteiramente por vampiros? – Perguntou Razen, enquanto atravessavam a avenida e entravam em uma lanchonete.
- Não. Na verdade, conheço apenas Nibelung como um vampiro entre os Mortuary. Existe uma chance de Blaze também ser um vampiro, apesar de...
Clay parou de falar. Blaze estava do outro lado da rua, encostado em um muro de uma residência abandonada, apreciando o calor solar tão forte naquele momento.
- Sem chance. – Ponderou Razen.
Algum tempo após observarem o caçador em silêncio, a dupla pagou os sucos que tomaram e saíram da lanchonete, sem serem notados. Entraram em um taxi estacionado à frente, onde Clay começou a falar:
-Está na hora do meu velho taxi voltar à ativa. Já estou com saudade da rotina de taxista, mas no momento não vou poder retomá-la. Tenho que treinar você, filho, para que possa trabalhar ao lado de Blaze...
- Ele deve ser um caçador muito talentoso, não é? – Razen pegou uma revista largada no banco de couro do automóvel e começou a folheá-la.
- Oh... Sim. É difícil conseguir a confiança do velho gordo do Vayne. Devo avisá-lo de que ele não é um chefe muito agradável...
- Não vejo problemas, apesar de isso no momento não me importar. Clay – O menino ruivo colocou a revista de volta no banco e tornou seu semblante frio -, eu vou acabar com Nibelung. Com ou sem a sua ajuda.
O tutor não respondeu imediatamente, cruzou pelo menos dois quarteirões com o taxi antes de retomar a conversa.
- Penso que essa não será uma tarefa fácil. É um vampiro, oras. Vampiros possuem fraquezas, mas não deixam de serem extremamente perigosos e complicados de se enfrentar.
- E quantos como Nibelung existem hoje?
Clay pensou por um instante, roçando a barba branca do queixo com sua mão esquerda, enquanto conduzia a direção com a direita.
- Não muitos, eu diria. É uma raça cada vez mais extinta. E isso é ótimo. Eu admiro a sua tranqüilidade quando tratamos desse assunto, meu pequeno. Quando eu descobri a existência desses seres, passei dias perturbado em uma insanidade mental, sem realmente acreditar naquela coisa aparentemente surreal.
- Eu confio em você, Clay, e acredito em tudo o que me disser. É claro que estou assustado, mas tenho tentado me controlar ao máximo. Não é hora de fraquejar. – O menino apertou as mãos nos joelhos com força, descarregando todo o seu stress interno.
Estavam em frente à casa de Clay alguns minutos depois. Saíram do veículo e entraram rapidamente na residência, onde o tutor pediu que o menino aguardasse na sala. Razen sentou-se no sofá e aguardou apreensivamente. Tinha medo agora por sua vida, medo por seu irmão, que tanto mudara. Queria poder não envolver Clay naquilo, que demonstrava em suas atitudes e comportamento uma total discrepância em relação à opção tomada por seus pais. E ele mesmo agora pretendia tentar o mesmo em que Larks e Belle falharam. Viajar para outro país e se encontrar com um vampiro. Mas dessa vez sem acordos.
Clay voltou alguns minutos depois, com dois fuzis embalados em um saco preto, com muitas balas soltas, dois pequenos vidros de água benta, além de um saco transparente contendo alguns alhos e crucifixos.
- Se temos realmente que enfrentar essa criatura, que seja da maneira apropriada. – Disse o tutor, sorrindo.
- Eu não sei atirar. – Disse em voz baixa Razen, pegando um dos fuzis com certo receio.
- Você vai aprender. – Clay colocou tudo o que havia separado no porta-malas do taxi. Entrou em sua casa mais uma vez, e visitou todos os cômodos, dizendo baixinho “tchau” para seus pertences mais preciosos. Saiu logo depois, acompanhado de Razen. Antes de entrar em seu veículo, olhou para a fachada da casa, e murmurou:
- Vou sentir a sua falta.
Razen estranhou o comportamento do tutor, mas não contestou. E a dupla iniciou ali um novo rumo. Clay parou apenas em um posto de gasolina para abastecer o veículo, e em um pequeno mercado para comprar alguns mantimentos. A dupla viajou então durante horas, procurando não manter o pensamento somente no vampiro. Relembraram trechos de algumas velhas músicas que cantavam quando os irmãos Jacobs eram menores, divertiram-se recontando os bons momentos que a humilde família – irmãos e Clay – passou juntos, os maus momentos também, onde a união e perseverança superaram as adversidades. Em determinada passagem da viagem, mudaram os assuntos, e começaram a discutir as razões da mudança repentina de Loren. Clay sabia da tradição na família Jacobs, e decidiu que era o momento mais oportuno para contar ao seu afilhado. E assim o fez, e a notícia foi recebida com tranqüilidade pelo jovem ruivo, que acabou por concluir que seu irmão havia mesmo sido escolhido para reger a empresa. Quando o sol começou a se por, e o céu a escurecer, a dupla já estava no país vizinho. Percorreram uma estrada imensa que se estendia por dezenas de quilômetros, onde Razen pôde ver diversos animais alimentando-se da grama verde e cheirosa, nas laterais da pista. Logo depois chegaram à cidade mais famosa do país vizinho, dona dos maiores hotéis do mundo, além de diversos outros estabelecimentos comerciais de grande porte. Acabaram hospedando-se em um dos mais modestos hotéis, onde a diária era barata e o lugar pequeno. Clay acertava os detalhes com a recepcionista, enquanto Razen, carregando duas maletas onde estavam guardados todos os objetos anteriormente colocados no carro, observava um belo aquário que ocupava um grande espaço na entrada do hotel. Viu diversos tipos de peixes, entre os quais Barbos, Tetras, Lebistes, Coridoras, Gupis e Platis, embora ele não soubesse o nome de nenhum.
Aquela noite foi tranqüila para a dupla. Pareciam até estar viajando apenas para diversão e lazer, tamanha a serenidade e paz que apresentavam até então. Mas isso durou somente um dia. Antes de Razen dormir, Clay deixou-o preparado:
- Amanhã eu vou ensiná-lo a atirar. Poderemos treinar o dia todo, para que você adquira prática e reflexos. Seu pai era um exímio atirador, embora utilizasse seu dom apenas para lazer nos campos de tiro ao alvo.
- Devemos ter uma boa noite de sono então. Obrigado por vir comigo, Clay. Isso é realmente muito importante pra mim. – Dizendo isto, Razen fechou os olhos e tentou relaxar.
O tutor observou o afilhado durante alguns minutos, antes de apagar as luzes e deitar-se na cama de madeira.
- E você já matou alguém?
Razen estava acomodado em uma cadeira de mármore, respondendo um sórdido questionário feito por ninguém menos que Vayne Pennymore. A espaçosa sala de reuniões, onde ficavam todos os quadros de mafiosos, e onde as ligações sempre surpreendentes de clientes com problemas aconteciam, tinha agora a presença ilustre do mais jovem dos Jacobs, acompanhado de seu tutor Clay. Depois do acontecido com Loren no dia anterior, o tutor achou melhor ligar para Vayne e solicitar um emprego para ambos.
-Nunca matei, senhor. – Respondeu o jovem ruivo, que continuava determinado a cumprir vingança – Porém, após ficar ciente de determinados fatos, estou devidamente disposto e ansioso a matar certa pessoa.
- Entendo. – Disse o entediado Vayne, balançando as banhas em sua enorme cadeira – Já pegou em uma arma, filho?
-Não senhor.
- Hmm – Vayne cutucou a verruga em seu queixo com um charuto inglês -, infelizmente, aqui não é uma creche para menores revoltados. E eu já tenho um caçador suficientemente bom, que sofre bastante nas mãos do titio aqui – Apontou para Legacy, ao seu lado, que se mantinha totalmente alienado a conversa, apenas encarando Clay com frieza.
- Eu posso ensiná-lo a lutar, Vayne. Não se preocupe. Cuidei de Razen por onze anos, ele tem uma determinação invejável. – Clay evitou o olhar do demônio, e buscou dentro de si uma determinação semelhante à de seu afilhado.
- Vou dar uma chance então. Você terá um ano para treiná-lo. Após esse período, ele será admitido como recruta e trabalhará junto de meu outro caçador.
O caçador citado entrou na sala nesse momento. Era Blaze, um pouco mais novo, sem tanta barba e apetrechos por todo o corpo. Estava um pouco sujo e sangrando por alguns cortes que rasgaram a camisa do lado direito.
- Mande a próxima missão Vayne, não tenho tempo a perder.
O mafioso sorriu ironicamente, e apresentou o caçador:
- Esse é Blaze Mortuary, meu servo e caçador de aberrações.
Razen congelou. Sentiu um arrepio e seu corpo esfriou rapidamente. Levantou-se e virou-se para observar o homem. Lembrou-se do sobrenome dito por Clay na noite passada no mesmo instante. O tutor não ficou nada contente ao descobrir o sobrenome do possível novo companheiro de Razen, mas não podia fazer nada naquele momento.
-Muito prazer, sou Razen Jacobs. – Estendeu a mão para cumprimentar Blaze, que retribuiu com um aperto dolorido.
Vayne, percebendo o descontentamento do caçador, que não estava nem um pouco interessado em ser apresentado a estranhos, entoou:
- Em breve ele será seu companheiro de caça, Blaze. Vocês vão trabalhar juntos.
Blaze voltou a sua atenção para o mafioso, e pareceu mais frio do que nunca:
-Não preciso de companheiros. Ainda mais sendo um moleque que mal saiu das fraldas.
O menino ruivo ignorou o comentário. Estava assustado demais com a idéia de trabalhar ao lado de um homem provavelmente pertencente a uma linhagem vampiresca.
- Já que não vai me dar uma nova missão, vou sair para descansar. Até mais. – Concluiu Blaze, retirando-se da sala, enquanto os demais amargavam um remoto silêncio.
Pouco tempo depois saíram dali também Razen e Clay. Passaram pela boate ligada à sala de Vayne, onde o tutor cumprimentou o barman Charles e mais alguns mordomos. Ao atingirem a rua, Clay decidiu mencionar:
- Já não acho que fiz a coisa certa. Agora estou expondo nós dois a um risco enorme. Como pode tanto azar, justamente o caçador do Vayne ser um Mortuary.
- É uma família composta inteiramente por vampiros? – Perguntou Razen, enquanto atravessavam a avenida e entravam em uma lanchonete.
- Não. Na verdade, conheço apenas Nibelung como um vampiro entre os Mortuary. Existe uma chance de Blaze também ser um vampiro, apesar de...
Clay parou de falar. Blaze estava do outro lado da rua, encostado em um muro de uma residência abandonada, apreciando o calor solar tão forte naquele momento.
- Sem chance. – Ponderou Razen.
Algum tempo após observarem o caçador em silêncio, a dupla pagou os sucos que tomaram e saíram da lanchonete, sem serem notados. Entraram em um taxi estacionado à frente, onde Clay começou a falar:
-Está na hora do meu velho taxi voltar à ativa. Já estou com saudade da rotina de taxista, mas no momento não vou poder retomá-la. Tenho que treinar você, filho, para que possa trabalhar ao lado de Blaze...
- Ele deve ser um caçador muito talentoso, não é? – Razen pegou uma revista largada no banco de couro do automóvel e começou a folheá-la.
- Oh... Sim. É difícil conseguir a confiança do velho gordo do Vayne. Devo avisá-lo de que ele não é um chefe muito agradável...
- Não vejo problemas, apesar de isso no momento não me importar. Clay – O menino ruivo colocou a revista de volta no banco e tornou seu semblante frio -, eu vou acabar com Nibelung. Com ou sem a sua ajuda.
O tutor não respondeu imediatamente, cruzou pelo menos dois quarteirões com o taxi antes de retomar a conversa.
- Penso que essa não será uma tarefa fácil. É um vampiro, oras. Vampiros possuem fraquezas, mas não deixam de serem extremamente perigosos e complicados de se enfrentar.
- E quantos como Nibelung existem hoje?
Clay pensou por um instante, roçando a barba branca do queixo com sua mão esquerda, enquanto conduzia a direção com a direita.
- Não muitos, eu diria. É uma raça cada vez mais extinta. E isso é ótimo. Eu admiro a sua tranqüilidade quando tratamos desse assunto, meu pequeno. Quando eu descobri a existência desses seres, passei dias perturbado em uma insanidade mental, sem realmente acreditar naquela coisa aparentemente surreal.
- Eu confio em você, Clay, e acredito em tudo o que me disser. É claro que estou assustado, mas tenho tentado me controlar ao máximo. Não é hora de fraquejar. – O menino apertou as mãos nos joelhos com força, descarregando todo o seu stress interno.
Estavam em frente à casa de Clay alguns minutos depois. Saíram do veículo e entraram rapidamente na residência, onde o tutor pediu que o menino aguardasse na sala. Razen sentou-se no sofá e aguardou apreensivamente. Tinha medo agora por sua vida, medo por seu irmão, que tanto mudara. Queria poder não envolver Clay naquilo, que demonstrava em suas atitudes e comportamento uma total discrepância em relação à opção tomada por seus pais. E ele mesmo agora pretendia tentar o mesmo em que Larks e Belle falharam. Viajar para outro país e se encontrar com um vampiro. Mas dessa vez sem acordos.
Clay voltou alguns minutos depois, com dois fuzis embalados em um saco preto, com muitas balas soltas, dois pequenos vidros de água benta, além de um saco transparente contendo alguns alhos e crucifixos.
- Se temos realmente que enfrentar essa criatura, que seja da maneira apropriada. – Disse o tutor, sorrindo.
- Eu não sei atirar. – Disse em voz baixa Razen, pegando um dos fuzis com certo receio.
- Você vai aprender. – Clay colocou tudo o que havia separado no porta-malas do taxi. Entrou em sua casa mais uma vez, e visitou todos os cômodos, dizendo baixinho “tchau” para seus pertences mais preciosos. Saiu logo depois, acompanhado de Razen. Antes de entrar em seu veículo, olhou para a fachada da casa, e murmurou:
- Vou sentir a sua falta.
Razen estranhou o comportamento do tutor, mas não contestou. E a dupla iniciou ali um novo rumo. Clay parou apenas em um posto de gasolina para abastecer o veículo, e em um pequeno mercado para comprar alguns mantimentos. A dupla viajou então durante horas, procurando não manter o pensamento somente no vampiro. Relembraram trechos de algumas velhas músicas que cantavam quando os irmãos Jacobs eram menores, divertiram-se recontando os bons momentos que a humilde família – irmãos e Clay – passou juntos, os maus momentos também, onde a união e perseverança superaram as adversidades. Em determinada passagem da viagem, mudaram os assuntos, e começaram a discutir as razões da mudança repentina de Loren. Clay sabia da tradição na família Jacobs, e decidiu que era o momento mais oportuno para contar ao seu afilhado. E assim o fez, e a notícia foi recebida com tranqüilidade pelo jovem ruivo, que acabou por concluir que seu irmão havia mesmo sido escolhido para reger a empresa. Quando o sol começou a se por, e o céu a escurecer, a dupla já estava no país vizinho. Percorreram uma estrada imensa que se estendia por dezenas de quilômetros, onde Razen pôde ver diversos animais alimentando-se da grama verde e cheirosa, nas laterais da pista. Logo depois chegaram à cidade mais famosa do país vizinho, dona dos maiores hotéis do mundo, além de diversos outros estabelecimentos comerciais de grande porte. Acabaram hospedando-se em um dos mais modestos hotéis, onde a diária era barata e o lugar pequeno. Clay acertava os detalhes com a recepcionista, enquanto Razen, carregando duas maletas onde estavam guardados todos os objetos anteriormente colocados no carro, observava um belo aquário que ocupava um grande espaço na entrada do hotel. Viu diversos tipos de peixes, entre os quais Barbos, Tetras, Lebistes, Coridoras, Gupis e Platis, embora ele não soubesse o nome de nenhum.
Aquela noite foi tranqüila para a dupla. Pareciam até estar viajando apenas para diversão e lazer, tamanha a serenidade e paz que apresentavam até então. Mas isso durou somente um dia. Antes de Razen dormir, Clay deixou-o preparado:
- Amanhã eu vou ensiná-lo a atirar. Poderemos treinar o dia todo, para que você adquira prática e reflexos. Seu pai era um exímio atirador, embora utilizasse seu dom apenas para lazer nos campos de tiro ao alvo.
- Devemos ter uma boa noite de sono então. Obrigado por vir comigo, Clay. Isso é realmente muito importante pra mim. – Dizendo isto, Razen fechou os olhos e tentou relaxar.
O tutor observou o afilhado durante alguns minutos, antes de apagar as luzes e deitar-se na cama de madeira.
Unfaithful Capítulo 7
Capítulo 7 – Ruivos
- Eu não sei se poderei voltar. Quando tudo se acalmar, tentarei encontrar algum jeito de retomar as nossas vidas. Mas no momento não posso levar os dois. Você realmente pode cuidar deles, Clay?
Em meio a uma torrencial chuva de verão, com pequenas pedras de gelo atingindo o chão furiosamente, um jovem rapaz ruivo, acompanhado de seus dois pequenos filhos, aguardava por uma resposta, protegido por uma lona que se estendia de ponta a ponta na entrada da casa do igualmente jovem Clay, que, atônito com a súbita aparição do amigo, fixara os olhos nos dois meninos diante dele, que nada pareciam entender da situação.
-Posso. Eu vivo sozinho aqui... Vai ser bom ter companhia. Mas não poderei dar todo o conforto que os Jacobs desfrutaram por tanto tempo...
-Oh, não se preocupe com isso. Eles ainda são pequenos... Não precisam de todo o luxo que tinham a dispor. Veja – O rapaz botou a mão nos cabelos ruivos de um dos meninos – este é Loren. – O menino ergueu a cabeça para observar o jovem Clay, e deu um sorriso bondoso, contraindo suas enormes bochechas sardentas. E esse – Acariciou os cabelos ruivos mais longos do outro – é Razen. Digam oi para o Clay, meninos!
- Olá Clay! – Disseram juntos os dois pequenos, com uma voz fina e estridente. O pai observou os filhos com olhos tristes, antes de empurrá-los levemente com as mãos para dentro da residência do amigo. Clay acomodou as crianças em um pequeno sofá empoeirado, e voltou à porta para se despedir do pai.
- É realmente lamentável que tudo tenha corrido dessa forma, Larks. Temo pela sua vida, temo pela vida da Belle, e pelos seus filhos, que poderão não crescer da forma que vocês esperavam.
Larks abaixou a cabeça e contraiu os lábios.
-Eu... Não sei onde errei. Mas preciso limpar o nome da nossa família. Belle já saiu do país, acompanhada de dois guardiões. Vou viajar também, daqui a três horas.
Clay hesitou em saciar certas dúvidas que passavam pela sua cabeça, e acabou decidindo apenas perguntar:
-Chegarei a ver você novamente, meu amigo?
Larks ergueu a cabeça e encarou os olhos castanhos de Clay com uma inquietação.
-Eu espero que sim. – Deu as costas para o amigo e entrou na limusine negra estacionada na frente da casa. Clay sentiu que a vida de seu amigo, assim como a sua, estaria agora tomando um rumo totalmente novo. Mas não necessariamente melhor.
E assim passou-se o tempo. Tratados com muito carinho e respeito, os pequenos Loren e Razen passaram onze anos sob a tutela de Clay. Durante esse tempo tiveram uma vida comum, passaram algumas dificuldades, freqüentaram a escola local, fizeram alguns amigos no bairro suburbano – Loren tinha uma facilidade enorme para amizades, enquanto seu irmão permanecia sozinho em muitos momentos –, praticaram suas travessuras e aventuras, além de outras atividades menos significantes. Quando Loren completou dezessete anos – e tinha seis anos quando foi deixado na casa de Clay -, sua postura começou a mudar. Um rapaz alto trajando um elegante terno branco certa vez o impediu de entrar na escola, segurando-o pelo braço e tomando o cuidado de afastá-lo de seu irmão para que não percebesse a aproximação. Loren, assustado, começou a falar alto:
-Quem é você??! O que pensa que está fazendo?
O homem, olhando fixamente para o rosto do menino, respondeu:
-Perdoe-me pela deselegância, meu pequeno lorde. Sou Seimic Raziv, membro honorário da Lirium Corporation.
-O que quer comigo? – Perguntou impacientemente, desvencilhando-se das mãos de Seimic.
- Creio que ainda não seja da sua ciência, mas você é o herdeiro de toda a fortuna dos Jacobs, e da Lirium Corporation. Larks e Belle Jacobs morreram há exatamente um mês, e deixaram-me a tarefa de introduzi-lo a um novo mundo.
- Meus pais... Morreram? Não que seja uma completa novidade, para nós eles já estavam mortos há muito tempo. Moramos com o senhor Clay há onze anos, e nunca recebemos sequer uma visita ou notícia deles.
-Eles tinham apenas mais uma chance de consertar todos os erros que tornaram essa família tão respeitada em uma decadente sujeira – O homem puxou de um bolso um pequeno lenço branco, e suavemente arrastou-o pelas bochechas, limpando um insistente suor expelido pela sua pele -, mas falharam cruelmente. Tiveram ao menos sabedoria para deixar tudo nos conformes de modo que você assuma o controle sem dificuldade. Você agora é um rapaz milionário, dono de uma empresa respeitada e cultuada. É hora de abandonar a sua vidinha miserável aos cuidados de um pobre velho que não tem onde cair morto.
- O POBRE VELHO ERA AMIGO DO MEU PAI! – Gritou Loren, exaltado. Seimic puxou-o até a rua seguinte, distanciando-se dos jovens que passavam cumprimentando o garoto antes de entrar na escola.
-Escute... Perdoe-me pela rispidez.
- Você disse um monte de coisas... Mas e o meu irmão? Ele também faz parte dos Jacobs, tem o mesmo sangue que eu! Como podem se esquecer de um dos filhos?
O homem pausou por um momento, olhando em sua volta. Pela rua circulavam muitos carros, que causavam um efeito sonoro suficientemente alto para que ninguém percebesse a exaltação na voz de Loren.
- Não deixaram nada para Razen. A tradição dos Jacobs sempre foi essa. Apenas uma pessoa sucede o poder. A partir da sucessão de um novo líder, quaisquer irmãos que o mesmo tenha, passam a ser apenas comandados sem qualquer chance de assumir os negócios.
-Isso é ridículo! E por que diabos escolheram justamente eu? O que eu tenho que ele não tem?
- Deseja ver com seus próprios olhos? – Perguntou Seimic, contraindo os lábios satisfatoriamente, e estendendo a palma da mão para Loren – Posso mostrar agora mesmo. Você só precisa vir comigo.
E a curiosidade em saber por que seus pais o escolheram, e não ao irmão, fez com que Loren se confundisse. Mergulhado em uma perturbação mental após a digestão de tantas novas informações dadas por um completo desconhecido, ele decidiu arriscar. Decidiu verificar se aquilo tudo era realmente verdade, e descobrir o porquê de ser escolhido. E essa foi a decisão que mais uma vez, mudou todo o destino de uma família, fadada a perecimentos e reviravoltas.
Loren só voltou para a casa de Clay no dia seguinte. Questionado sobre seu desaparecimento repentino, foi curto:
-Estou namorando, e não gostaria de envolvê-los nisso ainda... Estive apenas passeando com a minha garota. Desculpem.
Porém, esse foi apenas o primeiro passo para uma mudança drástica. De um menino calmo e dócil, querido por todos, ele se tornou rude, áspero, petulante. Agora já não concordava mais com a postura de seu tutor, e questionava a razão de ter que viver em um bairro pobre cercado de gente considerada inferior. Razen, que nesse momento estava em seus quinze anos, espantou-se com a mudança do irmão, e iniciou um conflito familiar que acabou com toda a harmonia da humilde residência. Os dois irmãos ruivos passaram a discutir constantemente, o mais novo indignado com a nova postura e brutalidade do irmão, o mais velho inconformado com a inocência e falta de personalidade do outro.
E em certa discussão, estando os dois e Clay na pequena sala, um desprezo sórdido vindo de Loren colocou o tutor – agora mais velho, com o pouco cabelo começando a criar pelos brancos – em estado de choro:
-Será difícil pra você perceber que nós não devíamos estar aqui, Razen? Esse não é o nosso lugar! Em nossas veias corre o sangue dos Jacobs – E disse Jacobs em voz alta -, não esse sangue imundo do Clay, que nem nosso pai é-
Razen avançou contra o irmão e deu-lhe um soco no rosto. Loren cambaleou e caiu em cima do sofá, fazendo subir uma enorme camada de poeira. Clay, desesperado, segurou o enfurecido Razen, que estava indignado. O irmão mais velho desceu do sofá, tocando o próprio rosto levemente com a mão, olhando com repugna para o agressor.
-Eu deveria saber – Disse, enquanto caminhava para a porta -, você é tão imundo quanto ele. Sempre foi um frouxo, e vai continuar sendo até o fim dos seus dias. Não pense que esse soco torna você um homem.
-Saia daqui. – Respondeu Razen, rangendo os dentes e se debatendo para escapar dos braços de Clay.
Loren olhou uma última vez para o irmão e para Clay, antes de abrir a porta e sair, sem levar nada. Cruzou a esquina e caminhou até a bifurcação entre duas ruas. Encostado em um muro sujo e pichado estavam uma mulher com um longo vestido vermelho, e Seimic Raziv. Ao perceber a chegada do rapaz, a mulher começou a falar:
- É chegada a hora então, meu Lorde. A Lirium Corporation finalmente vai poder retomar os seus investimentos e ações. – Deu alguns passos, o longo vestido arrastando-se pelo chão, e beijou Loren na testa. Seimic deu um abraço sutil no ruivo, e disse, com uma voz arrastada:
- Um novo Lorde... Isso é muito gratificante. Eu não agüentava mais sentir esse vazio.
Loren observou seus dois servos, com curiosidade e ansiedade.
- Levem-me até a sede da corporação. E reúnam todos os antigos empregados do meu pai. Vamos reerguer a linhagem dos Jacobs dignamente... E botar pequenos leões de volta em suas jaulas.
-Como desejar, meu Lorde. – Responderam os servos.
Razen estava completamente fora de si. Sem entender muito da situação, pediu que Clay explicasse o que estava acontecendo. Com um semblante triste, o tutor começou a falar:
-Recebi hoje uma notícia desagradável. Seus pais... Larks e Belle Jacobs foram até o país vizinho tentar um acordo com... – Clay baixou a cabeça por um momento, enquanto as lágrimas escorriam de seu rosto – Vampiros.
Razen arregalou os olhos. Um arrepio percorreu todo o seu corpo.
- Vampiros? Você só pode estar brincando. Isso não existe – Conseguiu dizer em meio a muitas pausas e gagueira.
- Temos muito a conversar, meu pequeno Razen. É nos bastidores que o grande show acontece. – Clay encarou o menino com frieza – Existe muito mais oculto em nossa sociedade do que a imprensa denota. Seres terríveis, dignos de amedrontar até mesmo os intitulados heróis do senso comum. Esses seres preferem se manter assim... Reclusos nas sombras, comandando as tropas humanas a seu bel-prazer.
- Mas... Vampiros? Aqueles que chupam o sangue e tudo mais? Como pode alguém descobrir a existência de seres assim e manter em sigilo?
Clay suspirou antes de continuar.
- Se hoje eu estou vivo é graças ao meu expressivo dom de ocultar o que sei. Talvez, contando para você agora, eu seja morto. Mas não posso mais esconder a verdade, não agora que o seu irmão decidiu tomar esse rumo. Vampiros existem. E não gostam de um contato com um humano que não vire sua refeição segundos depois. Eu avisei Larks de que isso não iria funcionar... Mas o velho cabeça-dura quis ser herói. Seu pai e sua mãe ligaram-me para avisar que estariam viajando para se encontrar com vampiros, e tentar um acordo que salvasse a reputação da família. Como eu imaginava, o acordo foi um fracasso. A Lirium Corporation não descansa, e tratou de chamar um de vocês para suceder o cargo de líder.
- E o meu irmão foi o escolhido.
- Sim. O que os levou a escolhê-lo é desconhecido pra mim, mas posso vir a descobrir. Todavia, aqui não é mais um bom lugar para ficarmos. Vou contatar um velho amigo meu, quem sabe ele nos consiga um trabalho... – Levantou-se e caminhou até a mesa para discar o número no telefone.
- Clay... Os meus pais foram mortos por vampiros então? E não vamos fazer nada a respeito? Vamos somente fugir?
Largando o telefone, Clay virou-se para Razen, e olhou-o com repreensão.
- Você escutou o que acabou de dizer? O que quer fazer a respeito? Enfrentar vampiros dando-lhes um soco como deu em seu irmão?
O jovem ruivo olhou para o tutor com a mesma expressão que fora olhado. E manteve-se firme, para dizer:
- Eu não vou ficar aqui parado sabendo de tudo o que sei agora. Fico agradecido por você ter me contado tudo isso... Mas assim como Loren, eu também preciso tomar o meu próprio rumo.
- Filho, não vou deixar você fazer nada.
- Diga-me apenas mais uma coisa, Clay. Meus pais foram fazer acordo com quem?
- Razen... Escuta – Clay botou as mãos no rosto e esfregou com força, meio exasperado.
- Diga-me apenas o nome.
Vendo que não tinha como convencer o menino ruivo do contrário, Clay apenas sibilou:
-Nibelung Mortuary.
- Eu não sei se poderei voltar. Quando tudo se acalmar, tentarei encontrar algum jeito de retomar as nossas vidas. Mas no momento não posso levar os dois. Você realmente pode cuidar deles, Clay?
Em meio a uma torrencial chuva de verão, com pequenas pedras de gelo atingindo o chão furiosamente, um jovem rapaz ruivo, acompanhado de seus dois pequenos filhos, aguardava por uma resposta, protegido por uma lona que se estendia de ponta a ponta na entrada da casa do igualmente jovem Clay, que, atônito com a súbita aparição do amigo, fixara os olhos nos dois meninos diante dele, que nada pareciam entender da situação.
-Posso. Eu vivo sozinho aqui... Vai ser bom ter companhia. Mas não poderei dar todo o conforto que os Jacobs desfrutaram por tanto tempo...
-Oh, não se preocupe com isso. Eles ainda são pequenos... Não precisam de todo o luxo que tinham a dispor. Veja – O rapaz botou a mão nos cabelos ruivos de um dos meninos – este é Loren. – O menino ergueu a cabeça para observar o jovem Clay, e deu um sorriso bondoso, contraindo suas enormes bochechas sardentas. E esse – Acariciou os cabelos ruivos mais longos do outro – é Razen. Digam oi para o Clay, meninos!
- Olá Clay! – Disseram juntos os dois pequenos, com uma voz fina e estridente. O pai observou os filhos com olhos tristes, antes de empurrá-los levemente com as mãos para dentro da residência do amigo. Clay acomodou as crianças em um pequeno sofá empoeirado, e voltou à porta para se despedir do pai.
- É realmente lamentável que tudo tenha corrido dessa forma, Larks. Temo pela sua vida, temo pela vida da Belle, e pelos seus filhos, que poderão não crescer da forma que vocês esperavam.
Larks abaixou a cabeça e contraiu os lábios.
-Eu... Não sei onde errei. Mas preciso limpar o nome da nossa família. Belle já saiu do país, acompanhada de dois guardiões. Vou viajar também, daqui a três horas.
Clay hesitou em saciar certas dúvidas que passavam pela sua cabeça, e acabou decidindo apenas perguntar:
-Chegarei a ver você novamente, meu amigo?
Larks ergueu a cabeça e encarou os olhos castanhos de Clay com uma inquietação.
-Eu espero que sim. – Deu as costas para o amigo e entrou na limusine negra estacionada na frente da casa. Clay sentiu que a vida de seu amigo, assim como a sua, estaria agora tomando um rumo totalmente novo. Mas não necessariamente melhor.
E assim passou-se o tempo. Tratados com muito carinho e respeito, os pequenos Loren e Razen passaram onze anos sob a tutela de Clay. Durante esse tempo tiveram uma vida comum, passaram algumas dificuldades, freqüentaram a escola local, fizeram alguns amigos no bairro suburbano – Loren tinha uma facilidade enorme para amizades, enquanto seu irmão permanecia sozinho em muitos momentos –, praticaram suas travessuras e aventuras, além de outras atividades menos significantes. Quando Loren completou dezessete anos – e tinha seis anos quando foi deixado na casa de Clay -, sua postura começou a mudar. Um rapaz alto trajando um elegante terno branco certa vez o impediu de entrar na escola, segurando-o pelo braço e tomando o cuidado de afastá-lo de seu irmão para que não percebesse a aproximação. Loren, assustado, começou a falar alto:
-Quem é você??! O que pensa que está fazendo?
O homem, olhando fixamente para o rosto do menino, respondeu:
-Perdoe-me pela deselegância, meu pequeno lorde. Sou Seimic Raziv, membro honorário da Lirium Corporation.
-O que quer comigo? – Perguntou impacientemente, desvencilhando-se das mãos de Seimic.
- Creio que ainda não seja da sua ciência, mas você é o herdeiro de toda a fortuna dos Jacobs, e da Lirium Corporation. Larks e Belle Jacobs morreram há exatamente um mês, e deixaram-me a tarefa de introduzi-lo a um novo mundo.
- Meus pais... Morreram? Não que seja uma completa novidade, para nós eles já estavam mortos há muito tempo. Moramos com o senhor Clay há onze anos, e nunca recebemos sequer uma visita ou notícia deles.
-Eles tinham apenas mais uma chance de consertar todos os erros que tornaram essa família tão respeitada em uma decadente sujeira – O homem puxou de um bolso um pequeno lenço branco, e suavemente arrastou-o pelas bochechas, limpando um insistente suor expelido pela sua pele -, mas falharam cruelmente. Tiveram ao menos sabedoria para deixar tudo nos conformes de modo que você assuma o controle sem dificuldade. Você agora é um rapaz milionário, dono de uma empresa respeitada e cultuada. É hora de abandonar a sua vidinha miserável aos cuidados de um pobre velho que não tem onde cair morto.
- O POBRE VELHO ERA AMIGO DO MEU PAI! – Gritou Loren, exaltado. Seimic puxou-o até a rua seguinte, distanciando-se dos jovens que passavam cumprimentando o garoto antes de entrar na escola.
-Escute... Perdoe-me pela rispidez.
- Você disse um monte de coisas... Mas e o meu irmão? Ele também faz parte dos Jacobs, tem o mesmo sangue que eu! Como podem se esquecer de um dos filhos?
O homem pausou por um momento, olhando em sua volta. Pela rua circulavam muitos carros, que causavam um efeito sonoro suficientemente alto para que ninguém percebesse a exaltação na voz de Loren.
- Não deixaram nada para Razen. A tradição dos Jacobs sempre foi essa. Apenas uma pessoa sucede o poder. A partir da sucessão de um novo líder, quaisquer irmãos que o mesmo tenha, passam a ser apenas comandados sem qualquer chance de assumir os negócios.
-Isso é ridículo! E por que diabos escolheram justamente eu? O que eu tenho que ele não tem?
- Deseja ver com seus próprios olhos? – Perguntou Seimic, contraindo os lábios satisfatoriamente, e estendendo a palma da mão para Loren – Posso mostrar agora mesmo. Você só precisa vir comigo.
E a curiosidade em saber por que seus pais o escolheram, e não ao irmão, fez com que Loren se confundisse. Mergulhado em uma perturbação mental após a digestão de tantas novas informações dadas por um completo desconhecido, ele decidiu arriscar. Decidiu verificar se aquilo tudo era realmente verdade, e descobrir o porquê de ser escolhido. E essa foi a decisão que mais uma vez, mudou todo o destino de uma família, fadada a perecimentos e reviravoltas.
Loren só voltou para a casa de Clay no dia seguinte. Questionado sobre seu desaparecimento repentino, foi curto:
-Estou namorando, e não gostaria de envolvê-los nisso ainda... Estive apenas passeando com a minha garota. Desculpem.
Porém, esse foi apenas o primeiro passo para uma mudança drástica. De um menino calmo e dócil, querido por todos, ele se tornou rude, áspero, petulante. Agora já não concordava mais com a postura de seu tutor, e questionava a razão de ter que viver em um bairro pobre cercado de gente considerada inferior. Razen, que nesse momento estava em seus quinze anos, espantou-se com a mudança do irmão, e iniciou um conflito familiar que acabou com toda a harmonia da humilde residência. Os dois irmãos ruivos passaram a discutir constantemente, o mais novo indignado com a nova postura e brutalidade do irmão, o mais velho inconformado com a inocência e falta de personalidade do outro.
E em certa discussão, estando os dois e Clay na pequena sala, um desprezo sórdido vindo de Loren colocou o tutor – agora mais velho, com o pouco cabelo começando a criar pelos brancos – em estado de choro:
-Será difícil pra você perceber que nós não devíamos estar aqui, Razen? Esse não é o nosso lugar! Em nossas veias corre o sangue dos Jacobs – E disse Jacobs em voz alta -, não esse sangue imundo do Clay, que nem nosso pai é-
Razen avançou contra o irmão e deu-lhe um soco no rosto. Loren cambaleou e caiu em cima do sofá, fazendo subir uma enorme camada de poeira. Clay, desesperado, segurou o enfurecido Razen, que estava indignado. O irmão mais velho desceu do sofá, tocando o próprio rosto levemente com a mão, olhando com repugna para o agressor.
-Eu deveria saber – Disse, enquanto caminhava para a porta -, você é tão imundo quanto ele. Sempre foi um frouxo, e vai continuar sendo até o fim dos seus dias. Não pense que esse soco torna você um homem.
-Saia daqui. – Respondeu Razen, rangendo os dentes e se debatendo para escapar dos braços de Clay.
Loren olhou uma última vez para o irmão e para Clay, antes de abrir a porta e sair, sem levar nada. Cruzou a esquina e caminhou até a bifurcação entre duas ruas. Encostado em um muro sujo e pichado estavam uma mulher com um longo vestido vermelho, e Seimic Raziv. Ao perceber a chegada do rapaz, a mulher começou a falar:
- É chegada a hora então, meu Lorde. A Lirium Corporation finalmente vai poder retomar os seus investimentos e ações. – Deu alguns passos, o longo vestido arrastando-se pelo chão, e beijou Loren na testa. Seimic deu um abraço sutil no ruivo, e disse, com uma voz arrastada:
- Um novo Lorde... Isso é muito gratificante. Eu não agüentava mais sentir esse vazio.
Loren observou seus dois servos, com curiosidade e ansiedade.
- Levem-me até a sede da corporação. E reúnam todos os antigos empregados do meu pai. Vamos reerguer a linhagem dos Jacobs dignamente... E botar pequenos leões de volta em suas jaulas.
-Como desejar, meu Lorde. – Responderam os servos.
Razen estava completamente fora de si. Sem entender muito da situação, pediu que Clay explicasse o que estava acontecendo. Com um semblante triste, o tutor começou a falar:
-Recebi hoje uma notícia desagradável. Seus pais... Larks e Belle Jacobs foram até o país vizinho tentar um acordo com... – Clay baixou a cabeça por um momento, enquanto as lágrimas escorriam de seu rosto – Vampiros.
Razen arregalou os olhos. Um arrepio percorreu todo o seu corpo.
- Vampiros? Você só pode estar brincando. Isso não existe – Conseguiu dizer em meio a muitas pausas e gagueira.
- Temos muito a conversar, meu pequeno Razen. É nos bastidores que o grande show acontece. – Clay encarou o menino com frieza – Existe muito mais oculto em nossa sociedade do que a imprensa denota. Seres terríveis, dignos de amedrontar até mesmo os intitulados heróis do senso comum. Esses seres preferem se manter assim... Reclusos nas sombras, comandando as tropas humanas a seu bel-prazer.
- Mas... Vampiros? Aqueles que chupam o sangue e tudo mais? Como pode alguém descobrir a existência de seres assim e manter em sigilo?
Clay suspirou antes de continuar.
- Se hoje eu estou vivo é graças ao meu expressivo dom de ocultar o que sei. Talvez, contando para você agora, eu seja morto. Mas não posso mais esconder a verdade, não agora que o seu irmão decidiu tomar esse rumo. Vampiros existem. E não gostam de um contato com um humano que não vire sua refeição segundos depois. Eu avisei Larks de que isso não iria funcionar... Mas o velho cabeça-dura quis ser herói. Seu pai e sua mãe ligaram-me para avisar que estariam viajando para se encontrar com vampiros, e tentar um acordo que salvasse a reputação da família. Como eu imaginava, o acordo foi um fracasso. A Lirium Corporation não descansa, e tratou de chamar um de vocês para suceder o cargo de líder.
- E o meu irmão foi o escolhido.
- Sim. O que os levou a escolhê-lo é desconhecido pra mim, mas posso vir a descobrir. Todavia, aqui não é mais um bom lugar para ficarmos. Vou contatar um velho amigo meu, quem sabe ele nos consiga um trabalho... – Levantou-se e caminhou até a mesa para discar o número no telefone.
- Clay... Os meus pais foram mortos por vampiros então? E não vamos fazer nada a respeito? Vamos somente fugir?
Largando o telefone, Clay virou-se para Razen, e olhou-o com repreensão.
- Você escutou o que acabou de dizer? O que quer fazer a respeito? Enfrentar vampiros dando-lhes um soco como deu em seu irmão?
O jovem ruivo olhou para o tutor com a mesma expressão que fora olhado. E manteve-se firme, para dizer:
- Eu não vou ficar aqui parado sabendo de tudo o que sei agora. Fico agradecido por você ter me contado tudo isso... Mas assim como Loren, eu também preciso tomar o meu próprio rumo.
- Filho, não vou deixar você fazer nada.
- Diga-me apenas mais uma coisa, Clay. Meus pais foram fazer acordo com quem?
- Razen... Escuta – Clay botou as mãos no rosto e esfregou com força, meio exasperado.
- Diga-me apenas o nome.
Vendo que não tinha como convencer o menino ruivo do contrário, Clay apenas sibilou:
-Nibelung Mortuary.
Unfaithful Capítulo 6
Capítulo 6 – Autonomia
Razen aproximou-se sorrateiramente de Blaze, e perguntou se ele havia se ferido. Blaze estava em um estado de choque. Teria morrido se não tivesse sido salvo por um samurai que ele conhecera há apenas algumas horas. Uma pessoa sem qualquer vínculo emocional com ele, mas que arriscou sua própria vida para impedir que as balas atingissem o seu corpo. E estava ali, enfrentando um demônio extremamente poderoso sem temor. Era hora de uma reação.
-Estou bem Razen. Não se preocupe.
Koji estava desarmado, encarando Nobushi com frieza. O demônio avançou contra o samurai, desferindo diversos golpes com suas garras. Surpreendentemente, Koji mostrou uma destreza respeitável, desviando com alguma dificuldade das garras sem sofrer arranhões. Blaze correu até os dois e desferiu chutes contra o corpo de Nobushi, tentando afastá-lo para Koji recuperar suas armas.
-Podem vir os dois... Podem vir TODOS! Assim eu acabo com vocês de uma só vez – Disse o lorde demônio, defendendo-se com os braços dos chutes de Blaze. Koji apanhou suas espadas gêmeas que estavam no chão, e voltou a tentar golpear Nobushi. Ambos não estavam tendo sucesso, o demônio mostrava-se imensamente superior fisicamente.
Matsuru, que assim como os outros habitantes da vila, não tinha forças ou vontade de lutar, tentou ajudar dando uma informação para Razen, que estava agora ao seu lado observando os esforços de Koji e Blaze.
-Existe um meio... De enfraquecer Nobushi. O ritual realizado para a transformação dele em um ser sobrenatural possui uma pequena falha. O corpo modificado sofre reações mutantes quando em contato com as águas batizadas pelas Flores Líricas, presentes no campo que separa a nossa aldeia da aldeia dele. Eu não utilizei deste método por que o desgraçado estava com o nosso mestre Gyakou... Mas agora não existem mais barreiras que impeçam essa atitude. VÁ Razen! Encha uma de nossas bacias com a água que escorre das Flores Líricas, e traga para enfraquecermos esse demônio!
-Ok! – Exclamou Razen, pegando uma bacia jogada em um canto próximo das pessoas, e saindo em alta velocidade da vila.
Nobushi, percebendo o desgaste e cansaço de Koji e Blaze, que continuavam tentando acertá-lo sem sucesso, aproveitou brechas nos ataques para contra-atacar. Em um dos chutes de Blaze, que ergueu a bota de couro até o rosto do demônio, ele esgueirou-se pela lateral e cravou suas garras no estômago de Blaze, que gritou de dor e caiu bruscamente. Koji, enfurecido, girou as espadas gêmeas e desferiu diversos golpes horizontais e verticais, tentando agora atingir qualquer ponto do demônio, que ria insanamente. Matsuru ergueu a cabeça e observou Nobushi.
-Hoje você morre demônio. – Sussurrou
Razen percorreu o extenso campo que separava as duas vilas utilizando toda a sua velocidade. Próximo a uma bela cerejeira, ele avistou algumas flores mergulhadas na cristalina água que serpenteava pelas fendas do campo. Ofegante, agachou-se e encheu a bacia com a água.
Na vila, Nobushi agora mostrava total superioridade sobre Koji, que relutava em recuar, mantendo sua posição de ataque e protegendo o ferido Blaze que agonizava no chão.
-Maldito ser das trevas... Como pode ser tão cruel! – Exclamou Koji, balançando suas espadas gêmeas no ar e desferindo diversos ataques. Nobushi defendia-se com as garras e contra-atacava tentando atingir o estômago de Koji, que desviava com muita dificuldade, recebendo às vezes cortes nas laterais do corpo. Subitamente, Matsuru surgiu correndo detrás de Koji, desferindo um golpe vertical fortíssimo contra Nobushi, que tentando escapar acabou batendo com as costas na parede de uma das cabanas.
-Então o velho medroso tomou coragem... Isso torna tudo mais excitante. – Disse Nobushi, cerrando os dentes e preparando uma nova investida. Blaze continuava no chão, com muito sangue escorrendo de seu ferimento. Koji e Matsuru protegiam o corpo, com as espadas apontadas para Nobushi. Razen entrou na vila com cuidado, se camuflou agachando-se junto com as pessoas da vila, e ficou aguardando uma distração de Nobushi, que não havia percebido sua entrada.
O lorde demônio, que já estava cansando de tanta agitação e petulância de seus inimigos supostamente inferiores, decidiu ser mais crucial. Esticou os braços para frente e mirou no coração de Koji com suas garras.
-Vou atingi-lo ali... Você é o mais perigoso mesmo.
Em uma fração de segundos o destino de toda a vila foi executado. Nobushi avançou com fúria pra cima de Matsuru e Koji, que brandiram suas espadas e gritaram como se fossem dar o último golpe. Razen levantou-se com a bacia nas mãos, e a poucos metros de Nobushi lançou a água purificada, que atingiu o corpo do demônio em cheio, antes mesmo que ele pudesse atacar os samurais. Nobushi arregalou os olhos, que de um cinza frio e mortal passaram para um amarelo claro reluzente, e caiu no chão se contorcendo. Sua pele começou a se ressecar, e queimar lentamente.
-É AGORA! VAMOS ACABAR DE UMA VEZ POR TODAS COM ESSA AMEAÇA QUE TANTO MAL NOS CAUSOU! – Gritou Matsuru, triunfante, avançando contra o corpo do lorde demônio e cravando sua espada diretamente no centro do corpo.
As pessoas levantaram a cabeça e começaram a observar o restante mínimo de vida presente em Nobushi, que se contorceu em uma velocidade mais lenta durante alguns segundos, até finalmente ser dominado pelo poder iluminado das Flores Líricas. Razen não abriu um sorriso, pois seu fiel companheiro Blaze estava extremamente ferido. Pegando-o no colo, Razen encaminhou-se para dentro de uma cabana e repousou o corpo do amigo em uma cama. Koji esboçou um leve sorriso ao verificar o fim do lorde demônio, e correu até a cabana para auxiliar Razen, que retirou dos bolsos da calça diversos vidros de medicamentos, além de alguns panos e curativos, e tentou estancar o sangue.
Após alguns minutos sofrendo o tratamento do amigo, Blaze recobrou a consciência. Abrindo os olhos lentamente, viu em sua volta diversos moradores da vila, observando-o com uma expressão aliviada. Razen, que tinha ao seu lado Matsuru, foi o primeiro a falar:
-Tudo bem amigo?
-Eu... Não esperava aquele ataque. Nobushi foi derrotado...?
-Seus amigos deram um jeito nele – Afirmou Matsuru, sorrindo. – de agora em diante somos uma vila livre de ameaças demoníacas, ou, como diz o talentoso samurai, “seres das trevas”.
Os moradores riram. Pareciam agora bem mais conformados com a idéia de que seu mentor Gyakou não estaria mais entre eles.
Blaze levantou-se e viu Koji repousando em outra cama do outro lado da cabana.
-É um samurai realmente muito talentoso.
-Você tem grandes amigos, meu rapaz. Eles foram capazes de arriscar a própria vida para salvá-lo. Não se esqueça de dar a cada um o seu devido valor.
Blaze esticou os braços e espreguiçou-se lentamente. Em seguida botou os pés no chão e levantou-se, saindo da cama e caminhando até a cama de Koji.
-É hora de partirmos cara. – Disse baixinho, empurrando os ombros do samurai, que despertou sem muita demora.
-Ah... Sim. Como você está se sentindo? – Koji levantou-se e tratou de verificar logo se suas espadas gêmeas estavam bem acomodadas ao seu lado.
-Aliviado. Creio que te devo uma, você salvou a minha vida. Sou realmente muito grato, Koji.
-Não foi nada. – Respondeu o samurai, rindo alegremente.
O trio saiu da cabana algum tempo depois, seguidos pelos moradores. Na entrada da vila, foram recebidos por Matsuru, que iniciou um discurso:
-Bem... Vocês cumpriram a missão que lhes foi imposta, com êxito. Nosso mestre Gyakou não poderia ser salvo, e com certeza agora descansa ao lado de Deus. Nobushi foi eliminado, algo que eu realmente não acreditava que pudesse acontecer. Mas então, cumprida a missão, chega a hora do pagamento. Havia sido combinado entre todos nós em um ato de desespero que daríamos todos os nossos bens caso a missão fosse cumprida, e faremos de acordo com o trato.
-Não queremos nada. – Disseram os três caçadores, juntos.
-Arcaremos com as conseqüências com o chefe, não se preocupem. – Afirmou Blaze, fazendo um sinal de positivo com a mão.
-M-m-mas...
-Sem mais. Nem mesmo eu, que necessito de muito dinheiro para ajudar meu sensei, não seria capaz de cobrar algo de vocês que já perderam tanto. – Cortou Koji, impedindo Matsuru de tentar convencê-los do contrário.
Blaze pigarreou, e falou:
-Creio que também seja pertinente eu dizer algo a vocês. Hoje sem dúvidas foi um dia que vocês todos dificilmente conseguirão esquecer, pois aquele que era considerado um mestre pra todos foi cruelmente morto. Mas é tempo de se reerguer. Não dependam de uma única pessoa exaltada como mestre. Vocês todos juntos são muito mais fortes e sábios do que qualquer mestre que possam eleger. Matsuru sem dúvidas é um bom regente, e tenho certeza de que será ainda mais se tiver ao seu lado um povo ativo e firme, que o ajude a tomar as decisões corretas.
Dito isso, o caçador deu as costas para os pensativos moradores, e começou a caminhar pelo mesmo caminho que o levou até a vila outrora, sendo seguido por Koji e Razen, que ajeitavam seus chapéus na cabeça e caminhavam tranquilamente.
-Obrigado!! – Disseram todos os moradores em coro, ao ver o trio desaparecer no horizonte.
Razen aproximou-se sorrateiramente de Blaze, e perguntou se ele havia se ferido. Blaze estava em um estado de choque. Teria morrido se não tivesse sido salvo por um samurai que ele conhecera há apenas algumas horas. Uma pessoa sem qualquer vínculo emocional com ele, mas que arriscou sua própria vida para impedir que as balas atingissem o seu corpo. E estava ali, enfrentando um demônio extremamente poderoso sem temor. Era hora de uma reação.
-Estou bem Razen. Não se preocupe.
Koji estava desarmado, encarando Nobushi com frieza. O demônio avançou contra o samurai, desferindo diversos golpes com suas garras. Surpreendentemente, Koji mostrou uma destreza respeitável, desviando com alguma dificuldade das garras sem sofrer arranhões. Blaze correu até os dois e desferiu chutes contra o corpo de Nobushi, tentando afastá-lo para Koji recuperar suas armas.
-Podem vir os dois... Podem vir TODOS! Assim eu acabo com vocês de uma só vez – Disse o lorde demônio, defendendo-se com os braços dos chutes de Blaze. Koji apanhou suas espadas gêmeas que estavam no chão, e voltou a tentar golpear Nobushi. Ambos não estavam tendo sucesso, o demônio mostrava-se imensamente superior fisicamente.
Matsuru, que assim como os outros habitantes da vila, não tinha forças ou vontade de lutar, tentou ajudar dando uma informação para Razen, que estava agora ao seu lado observando os esforços de Koji e Blaze.
-Existe um meio... De enfraquecer Nobushi. O ritual realizado para a transformação dele em um ser sobrenatural possui uma pequena falha. O corpo modificado sofre reações mutantes quando em contato com as águas batizadas pelas Flores Líricas, presentes no campo que separa a nossa aldeia da aldeia dele. Eu não utilizei deste método por que o desgraçado estava com o nosso mestre Gyakou... Mas agora não existem mais barreiras que impeçam essa atitude. VÁ Razen! Encha uma de nossas bacias com a água que escorre das Flores Líricas, e traga para enfraquecermos esse demônio!
-Ok! – Exclamou Razen, pegando uma bacia jogada em um canto próximo das pessoas, e saindo em alta velocidade da vila.
Nobushi, percebendo o desgaste e cansaço de Koji e Blaze, que continuavam tentando acertá-lo sem sucesso, aproveitou brechas nos ataques para contra-atacar. Em um dos chutes de Blaze, que ergueu a bota de couro até o rosto do demônio, ele esgueirou-se pela lateral e cravou suas garras no estômago de Blaze, que gritou de dor e caiu bruscamente. Koji, enfurecido, girou as espadas gêmeas e desferiu diversos golpes horizontais e verticais, tentando agora atingir qualquer ponto do demônio, que ria insanamente. Matsuru ergueu a cabeça e observou Nobushi.
-Hoje você morre demônio. – Sussurrou
Razen percorreu o extenso campo que separava as duas vilas utilizando toda a sua velocidade. Próximo a uma bela cerejeira, ele avistou algumas flores mergulhadas na cristalina água que serpenteava pelas fendas do campo. Ofegante, agachou-se e encheu a bacia com a água.
Na vila, Nobushi agora mostrava total superioridade sobre Koji, que relutava em recuar, mantendo sua posição de ataque e protegendo o ferido Blaze que agonizava no chão.
-Maldito ser das trevas... Como pode ser tão cruel! – Exclamou Koji, balançando suas espadas gêmeas no ar e desferindo diversos ataques. Nobushi defendia-se com as garras e contra-atacava tentando atingir o estômago de Koji, que desviava com muita dificuldade, recebendo às vezes cortes nas laterais do corpo. Subitamente, Matsuru surgiu correndo detrás de Koji, desferindo um golpe vertical fortíssimo contra Nobushi, que tentando escapar acabou batendo com as costas na parede de uma das cabanas.
-Então o velho medroso tomou coragem... Isso torna tudo mais excitante. – Disse Nobushi, cerrando os dentes e preparando uma nova investida. Blaze continuava no chão, com muito sangue escorrendo de seu ferimento. Koji e Matsuru protegiam o corpo, com as espadas apontadas para Nobushi. Razen entrou na vila com cuidado, se camuflou agachando-se junto com as pessoas da vila, e ficou aguardando uma distração de Nobushi, que não havia percebido sua entrada.
O lorde demônio, que já estava cansando de tanta agitação e petulância de seus inimigos supostamente inferiores, decidiu ser mais crucial. Esticou os braços para frente e mirou no coração de Koji com suas garras.
-Vou atingi-lo ali... Você é o mais perigoso mesmo.
Em uma fração de segundos o destino de toda a vila foi executado. Nobushi avançou com fúria pra cima de Matsuru e Koji, que brandiram suas espadas e gritaram como se fossem dar o último golpe. Razen levantou-se com a bacia nas mãos, e a poucos metros de Nobushi lançou a água purificada, que atingiu o corpo do demônio em cheio, antes mesmo que ele pudesse atacar os samurais. Nobushi arregalou os olhos, que de um cinza frio e mortal passaram para um amarelo claro reluzente, e caiu no chão se contorcendo. Sua pele começou a se ressecar, e queimar lentamente.
-É AGORA! VAMOS ACABAR DE UMA VEZ POR TODAS COM ESSA AMEAÇA QUE TANTO MAL NOS CAUSOU! – Gritou Matsuru, triunfante, avançando contra o corpo do lorde demônio e cravando sua espada diretamente no centro do corpo.
As pessoas levantaram a cabeça e começaram a observar o restante mínimo de vida presente em Nobushi, que se contorceu em uma velocidade mais lenta durante alguns segundos, até finalmente ser dominado pelo poder iluminado das Flores Líricas. Razen não abriu um sorriso, pois seu fiel companheiro Blaze estava extremamente ferido. Pegando-o no colo, Razen encaminhou-se para dentro de uma cabana e repousou o corpo do amigo em uma cama. Koji esboçou um leve sorriso ao verificar o fim do lorde demônio, e correu até a cabana para auxiliar Razen, que retirou dos bolsos da calça diversos vidros de medicamentos, além de alguns panos e curativos, e tentou estancar o sangue.
Após alguns minutos sofrendo o tratamento do amigo, Blaze recobrou a consciência. Abrindo os olhos lentamente, viu em sua volta diversos moradores da vila, observando-o com uma expressão aliviada. Razen, que tinha ao seu lado Matsuru, foi o primeiro a falar:
-Tudo bem amigo?
-Eu... Não esperava aquele ataque. Nobushi foi derrotado...?
-Seus amigos deram um jeito nele – Afirmou Matsuru, sorrindo. – de agora em diante somos uma vila livre de ameaças demoníacas, ou, como diz o talentoso samurai, “seres das trevas”.
Os moradores riram. Pareciam agora bem mais conformados com a idéia de que seu mentor Gyakou não estaria mais entre eles.
Blaze levantou-se e viu Koji repousando em outra cama do outro lado da cabana.
-É um samurai realmente muito talentoso.
-Você tem grandes amigos, meu rapaz. Eles foram capazes de arriscar a própria vida para salvá-lo. Não se esqueça de dar a cada um o seu devido valor.
Blaze esticou os braços e espreguiçou-se lentamente. Em seguida botou os pés no chão e levantou-se, saindo da cama e caminhando até a cama de Koji.
-É hora de partirmos cara. – Disse baixinho, empurrando os ombros do samurai, que despertou sem muita demora.
-Ah... Sim. Como você está se sentindo? – Koji levantou-se e tratou de verificar logo se suas espadas gêmeas estavam bem acomodadas ao seu lado.
-Aliviado. Creio que te devo uma, você salvou a minha vida. Sou realmente muito grato, Koji.
-Não foi nada. – Respondeu o samurai, rindo alegremente.
O trio saiu da cabana algum tempo depois, seguidos pelos moradores. Na entrada da vila, foram recebidos por Matsuru, que iniciou um discurso:
-Bem... Vocês cumpriram a missão que lhes foi imposta, com êxito. Nosso mestre Gyakou não poderia ser salvo, e com certeza agora descansa ao lado de Deus. Nobushi foi eliminado, algo que eu realmente não acreditava que pudesse acontecer. Mas então, cumprida a missão, chega a hora do pagamento. Havia sido combinado entre todos nós em um ato de desespero que daríamos todos os nossos bens caso a missão fosse cumprida, e faremos de acordo com o trato.
-Não queremos nada. – Disseram os três caçadores, juntos.
-Arcaremos com as conseqüências com o chefe, não se preocupem. – Afirmou Blaze, fazendo um sinal de positivo com a mão.
-M-m-mas...
-Sem mais. Nem mesmo eu, que necessito de muito dinheiro para ajudar meu sensei, não seria capaz de cobrar algo de vocês que já perderam tanto. – Cortou Koji, impedindo Matsuru de tentar convencê-los do contrário.
Blaze pigarreou, e falou:
-Creio que também seja pertinente eu dizer algo a vocês. Hoje sem dúvidas foi um dia que vocês todos dificilmente conseguirão esquecer, pois aquele que era considerado um mestre pra todos foi cruelmente morto. Mas é tempo de se reerguer. Não dependam de uma única pessoa exaltada como mestre. Vocês todos juntos são muito mais fortes e sábios do que qualquer mestre que possam eleger. Matsuru sem dúvidas é um bom regente, e tenho certeza de que será ainda mais se tiver ao seu lado um povo ativo e firme, que o ajude a tomar as decisões corretas.
Dito isso, o caçador deu as costas para os pensativos moradores, e começou a caminhar pelo mesmo caminho que o levou até a vila outrora, sendo seguido por Koji e Razen, que ajeitavam seus chapéus na cabeça e caminhavam tranquilamente.
-Obrigado!! – Disseram todos os moradores em coro, ao ver o trio desaparecer no horizonte.
Unfaithful Capítulo 5
Capítulo 5 – Atrevimento
Mesmo em uma diferença numérica colossal, Blaze, Koji e o valente líder da tribo, Matsuru, atacaram os Hoanes sem temor. Koji atravessava suas espadas nos corpos de diversos demônios, enquanto Blaze atirava em pontos certeiros dos inimigos, causando suas quedas imediatas. Matsuru, por sua vez, socorria alguns guerreiros ainda vivos golpeando os Hoanes que os atacavam. Razen saiu da cabana empunhando o bastão, mas largou-o ao ver que o trio estava conseguindo acabar com todos os inimigos sem grande dificuldade. Aproximando-se de um guerreiro ferido na barriga, ele puxou de um bolso da calça um pedaço de pano branco e enrolou no corpo do guerreiro, cuidadosamente. Blaze, que estava próximo atirando em um Hoane enfurecido que insistia em lutar mesmo após várias balas terem perfurado o seu corpo, disse:
-É bom vê-lo vivo Razen.
O companheiro ergueu a cabeça para observar Blaze, e respondeu:
-Digo o mesmo. Mas não estamos tendo sucesso com essa missão... Muitas pessoas estão morrendo!
-Eu estou fazendo o possível... Esses desgraçados não morrem! – Exclamou Blaze, batendo com o cabo do Rifle na cabeça do Hoane que continuava vivo.
Alguns poucos demônios estavam vivos agora. Eles começaram a recuar até a saída norte da vila, enquanto Razen e Matsuru tentavam manter o maior número de guerreiros vivos. Koji e Blaze deram alguns passos em direção aos Hoanes vivos, porém pararam ao se depararem com um ser um pouco mais alto e notável que os demônios, que entrava na vila naquele exato momento, triunfante. A criatura deu três passos, tomando a frente dos demônios ainda vivos, e encarou friamente o território. Matsuru ergueu a cabeça e, vendo a criatura, inquietou-se e gaguejou:
-E-ele... Está a-aqui..
Tinha aproximadamente 2m de altura, ombros e pernas largos. Um rosto aparentemente humanóide, com dois olhos acinzentados, boca meio torta e as mesmas fendas comuns nos Hoanes no lugar de um nariz. Suas vestes lembravam as de um general imponente, um longo manto vermelho com um cachecol azul sobreposto, além de sandálias douradas que destacavam os grandes pés da criatura. Mantendo os braços apoiados nas costas e dando um suspiro debochante, o líder dos Hoanes iniciou uma fala:
-Ora, ora. Então o velho rabugento decidiu chamar reforços para tentar impedir a sua morte... – A criatura olhou fixamente para Blaze, em seguida para Koji, e continuou – Se eu fosse levar em consideração apenas a aparência, diria que esses dois são apenas frangos que estou prestes a devorar, porém... – O hoane deu mais um passo, ficando agora a apenas alguns metros de distância de Blaze e Koji, e observou seus soldados demônios mortos espalhados pela vila – Causaram uma grande perca de servos em minha tropa. São dignos do meu respeito. Mas agora a brincadeira acabou.
Blaze interrompeu o demônio, dizendo:
-Você é o tal Nobushi? Eu achava que você fosse apenas um humano normal com vontades demoníacas, mas agora percebi que você é tão feio quanto os seus servos. Provavelmente deve ter a mesma capacidade incansável deles.
O hoane abriu um sorriso satisfatório, e respondeu:
-Sim... Eu sou Nobushi. Existem métodos e rituais capazes de transformar um humano comum em um verdadeiro monstro... E eu fui agraciado com a realização do melhor ritual. Hoje eu sou o líder dos incansáveis... Sou ainda mais resistente do que eles, e muito mais poderoso.
Blaze interrompeu novamente:
-Bem legal o seu papinho de rei dos reis, mas eu não estou nem um pouco afim de ouvi-lo. Tente aproveitar seus últimos minutos de vida de uma forma mais produtiva, “grandão”.
-Vou aproveitar esses minutos então para agraciá-los com um presente... Eu vim até aqui apenas para entregá-lo. – Outro hoane entrou na vila, carregando nas mãos uma cabeça decepada, e entregou para Nobushi, que a estendeu no alto para que todos os moradores da vila pudessem ver. A cabeça era de um senhor idoso, com marcas por todo o rosto de cortes e chicotadas. – Reconhecem isso? – Perguntou Nobushi, gargalhando.
-Oh meu Deus... – Matsuru sibilou lentamente. Seus olhos encheram de lágrimas, e a expressão esperançosa das pessoas vivas na vila transformou-se em uma mórbida atmosfera de desilusão e desespero.
-Acabou... – Disse uma mulher próxima à Razen, ajoelhando-se mergulhando em lágrimas. – Não existem mais motivos pra tentarmos vencer. Nosso salvador está morto...
Nobushi, com um sorriso satisfatório estampado no rosto, observou cada pessoa presente no local.
-Podem ficar com a cabeça... Ela não me será útil em nada. – Afirmou Nobushi, prazerosamente jogando a cabeça de Gyakou perto dos pés de Matsuru, que observou o rosto marcado e sofrido do xamã.
Razen não sabia que atitude tomar. As pessoas ao seu redor demonstravam já não ter a mínima vontade de viver, e a missão que já parecia difícil quando dada por Vayne, mostrou-se muito mais complexa e complicada. Não estavam conseguindo cumpri-la de acordo com o desejado pelo cliente, e aquele ambiente totalmente desfavorável à vila de Matsuru tornava a presença do trio de caçadores um peso extra. Koji, de cabeça baixa, apenas aguardava um sinal para enfrentar os Hoanes ainda vivos e tentar diminuir a dor dos ali presentes.
Mas quem tomou uma atitude foi Blaze.
-Agora que... Você mostrou publicamente que Gyakou está morto, não existem mais motivos que nos impeçam de acabar com o seu reinado e dos seus comandados resistentes. - Salientou Blaze, empunhando suas shotguns apontadas na cabeça de Nobushi, que continuava sorrindo despreocupado.
-Era o que eu esperava. – Disse Koji, tomando posição de ataque com as espadas gêmeas devidamente posicionadas.
Havia apenas cinco hoanes vivos. Os cinco estavam ao redor de Nobushi, que cruzou os braços esperando a atitude de Blaze e Koji.
-Tenho a sua permissão, Matsuru? – Perguntou Blaze, firmemente.
-Com certeza.
-Obrigado. – Blaze atirou nos cinco servos de Nobushi, que se espalharam e avançaram contra o caçador. Koji cravou as espadas gêmeas em um Hoane armado com um sabre. Outro hoane desarmado tentou atacar as pessoas da vila, que estavam ajoelhadas sem movimento, mas foi impedido por Razen, que bateu no demônio diversas vezes com o bastão.
-Larga de ser covarde! – Vociferou Razen, acertando um chute na barriga do Hoane, que com o impacto caiu em cima de alguns barris de água perto de uma das cabanas. Os outros três Hoanes atacaram Blaze, que disparou diversas vezes, derrubando um por um. Por fim, o caçador voltou sua atenção para Nobushi, que continuava parado apenas assistindo, e provocou:
-Sua cambada não serve nem de aquecimento. Será mesmo que você é tão perigoso?
-Venha aqui conferir.
Blaze avançou contra Nobushi, atirando diversas vezes. O lorde dos Hoanes estendeu o braço e fez um movimento no ar. As balas de Blaze, que avançavam contra o demônio, ricochetearam contra o caçador, que, perplexo, não conseguiu se mover. Koji tomou a sua frente e despedaçou as quatro balas com suas espadas gêmeas.
-Esse não é um adversário pra você, Blaze. – Sussurrou Koji, antes de avançar contra Nobushi. O demônio finalmente pareceu interessado em um confronto, estendendo seus braços e mostrando suas afiadas garras.
-Vou cravá-las em você, samurai.
Koji desferiu diversos golpes com as duas espadas, usando toda a sua habilidade e maestria para tentar acertar Nobushi, que defendia com as garras, desviando o percurso das espadas. Em um golpe horizontal, tentando atingir as espadas nas laterais do demônio, Koji foi pego de surpresa. Nobushi defendeu o golpe usando seus dois braços como escudo. As lâminas cravaram em seus braços, ficando presas. Uma espécie de sangue roxo começou a escorrer do ferimento. Nobushi, sorrindo mais uma vez, agarrou os braços de Koji, que segurava as espadas desacreditando no que via, e cabeceou o samurai no rosto, que caiu ferido. O demônio em seguida retirou lentamente as espadas gêmeas cravadas em seu braço, apreciando a dor e sangramento causados.
-Creio que... Vou ter que ensiná-los a se comportarem adequadamente perante um Lorde Demônio...
Mesmo em uma diferença numérica colossal, Blaze, Koji e o valente líder da tribo, Matsuru, atacaram os Hoanes sem temor. Koji atravessava suas espadas nos corpos de diversos demônios, enquanto Blaze atirava em pontos certeiros dos inimigos, causando suas quedas imediatas. Matsuru, por sua vez, socorria alguns guerreiros ainda vivos golpeando os Hoanes que os atacavam. Razen saiu da cabana empunhando o bastão, mas largou-o ao ver que o trio estava conseguindo acabar com todos os inimigos sem grande dificuldade. Aproximando-se de um guerreiro ferido na barriga, ele puxou de um bolso da calça um pedaço de pano branco e enrolou no corpo do guerreiro, cuidadosamente. Blaze, que estava próximo atirando em um Hoane enfurecido que insistia em lutar mesmo após várias balas terem perfurado o seu corpo, disse:
-É bom vê-lo vivo Razen.
O companheiro ergueu a cabeça para observar Blaze, e respondeu:
-Digo o mesmo. Mas não estamos tendo sucesso com essa missão... Muitas pessoas estão morrendo!
-Eu estou fazendo o possível... Esses desgraçados não morrem! – Exclamou Blaze, batendo com o cabo do Rifle na cabeça do Hoane que continuava vivo.
Alguns poucos demônios estavam vivos agora. Eles começaram a recuar até a saída norte da vila, enquanto Razen e Matsuru tentavam manter o maior número de guerreiros vivos. Koji e Blaze deram alguns passos em direção aos Hoanes vivos, porém pararam ao se depararem com um ser um pouco mais alto e notável que os demônios, que entrava na vila naquele exato momento, triunfante. A criatura deu três passos, tomando a frente dos demônios ainda vivos, e encarou friamente o território. Matsuru ergueu a cabeça e, vendo a criatura, inquietou-se e gaguejou:
-E-ele... Está a-aqui..
Tinha aproximadamente 2m de altura, ombros e pernas largos. Um rosto aparentemente humanóide, com dois olhos acinzentados, boca meio torta e as mesmas fendas comuns nos Hoanes no lugar de um nariz. Suas vestes lembravam as de um general imponente, um longo manto vermelho com um cachecol azul sobreposto, além de sandálias douradas que destacavam os grandes pés da criatura. Mantendo os braços apoiados nas costas e dando um suspiro debochante, o líder dos Hoanes iniciou uma fala:
-Ora, ora. Então o velho rabugento decidiu chamar reforços para tentar impedir a sua morte... – A criatura olhou fixamente para Blaze, em seguida para Koji, e continuou – Se eu fosse levar em consideração apenas a aparência, diria que esses dois são apenas frangos que estou prestes a devorar, porém... – O hoane deu mais um passo, ficando agora a apenas alguns metros de distância de Blaze e Koji, e observou seus soldados demônios mortos espalhados pela vila – Causaram uma grande perca de servos em minha tropa. São dignos do meu respeito. Mas agora a brincadeira acabou.
Blaze interrompeu o demônio, dizendo:
-Você é o tal Nobushi? Eu achava que você fosse apenas um humano normal com vontades demoníacas, mas agora percebi que você é tão feio quanto os seus servos. Provavelmente deve ter a mesma capacidade incansável deles.
O hoane abriu um sorriso satisfatório, e respondeu:
-Sim... Eu sou Nobushi. Existem métodos e rituais capazes de transformar um humano comum em um verdadeiro monstro... E eu fui agraciado com a realização do melhor ritual. Hoje eu sou o líder dos incansáveis... Sou ainda mais resistente do que eles, e muito mais poderoso.
Blaze interrompeu novamente:
-Bem legal o seu papinho de rei dos reis, mas eu não estou nem um pouco afim de ouvi-lo. Tente aproveitar seus últimos minutos de vida de uma forma mais produtiva, “grandão”.
-Vou aproveitar esses minutos então para agraciá-los com um presente... Eu vim até aqui apenas para entregá-lo. – Outro hoane entrou na vila, carregando nas mãos uma cabeça decepada, e entregou para Nobushi, que a estendeu no alto para que todos os moradores da vila pudessem ver. A cabeça era de um senhor idoso, com marcas por todo o rosto de cortes e chicotadas. – Reconhecem isso? – Perguntou Nobushi, gargalhando.
-Oh meu Deus... – Matsuru sibilou lentamente. Seus olhos encheram de lágrimas, e a expressão esperançosa das pessoas vivas na vila transformou-se em uma mórbida atmosfera de desilusão e desespero.
-Acabou... – Disse uma mulher próxima à Razen, ajoelhando-se mergulhando em lágrimas. – Não existem mais motivos pra tentarmos vencer. Nosso salvador está morto...
Nobushi, com um sorriso satisfatório estampado no rosto, observou cada pessoa presente no local.
-Podem ficar com a cabeça... Ela não me será útil em nada. – Afirmou Nobushi, prazerosamente jogando a cabeça de Gyakou perto dos pés de Matsuru, que observou o rosto marcado e sofrido do xamã.
Razen não sabia que atitude tomar. As pessoas ao seu redor demonstravam já não ter a mínima vontade de viver, e a missão que já parecia difícil quando dada por Vayne, mostrou-se muito mais complexa e complicada. Não estavam conseguindo cumpri-la de acordo com o desejado pelo cliente, e aquele ambiente totalmente desfavorável à vila de Matsuru tornava a presença do trio de caçadores um peso extra. Koji, de cabeça baixa, apenas aguardava um sinal para enfrentar os Hoanes ainda vivos e tentar diminuir a dor dos ali presentes.
Mas quem tomou uma atitude foi Blaze.
-Agora que... Você mostrou publicamente que Gyakou está morto, não existem mais motivos que nos impeçam de acabar com o seu reinado e dos seus comandados resistentes. - Salientou Blaze, empunhando suas shotguns apontadas na cabeça de Nobushi, que continuava sorrindo despreocupado.
-Era o que eu esperava. – Disse Koji, tomando posição de ataque com as espadas gêmeas devidamente posicionadas.
Havia apenas cinco hoanes vivos. Os cinco estavam ao redor de Nobushi, que cruzou os braços esperando a atitude de Blaze e Koji.
-Tenho a sua permissão, Matsuru? – Perguntou Blaze, firmemente.
-Com certeza.
-Obrigado. – Blaze atirou nos cinco servos de Nobushi, que se espalharam e avançaram contra o caçador. Koji cravou as espadas gêmeas em um Hoane armado com um sabre. Outro hoane desarmado tentou atacar as pessoas da vila, que estavam ajoelhadas sem movimento, mas foi impedido por Razen, que bateu no demônio diversas vezes com o bastão.
-Larga de ser covarde! – Vociferou Razen, acertando um chute na barriga do Hoane, que com o impacto caiu em cima de alguns barris de água perto de uma das cabanas. Os outros três Hoanes atacaram Blaze, que disparou diversas vezes, derrubando um por um. Por fim, o caçador voltou sua atenção para Nobushi, que continuava parado apenas assistindo, e provocou:
-Sua cambada não serve nem de aquecimento. Será mesmo que você é tão perigoso?
-Venha aqui conferir.
Blaze avançou contra Nobushi, atirando diversas vezes. O lorde dos Hoanes estendeu o braço e fez um movimento no ar. As balas de Blaze, que avançavam contra o demônio, ricochetearam contra o caçador, que, perplexo, não conseguiu se mover. Koji tomou a sua frente e despedaçou as quatro balas com suas espadas gêmeas.
-Esse não é um adversário pra você, Blaze. – Sussurrou Koji, antes de avançar contra Nobushi. O demônio finalmente pareceu interessado em um confronto, estendendo seus braços e mostrando suas afiadas garras.
-Vou cravá-las em você, samurai.
Koji desferiu diversos golpes com as duas espadas, usando toda a sua habilidade e maestria para tentar acertar Nobushi, que defendia com as garras, desviando o percurso das espadas. Em um golpe horizontal, tentando atingir as espadas nas laterais do demônio, Koji foi pego de surpresa. Nobushi defendeu o golpe usando seus dois braços como escudo. As lâminas cravaram em seus braços, ficando presas. Uma espécie de sangue roxo começou a escorrer do ferimento. Nobushi, sorrindo mais uma vez, agarrou os braços de Koji, que segurava as espadas desacreditando no que via, e cabeceou o samurai no rosto, que caiu ferido. O demônio em seguida retirou lentamente as espadas gêmeas cravadas em seu braço, apreciando a dor e sangramento causados.
-Creio que... Vou ter que ensiná-los a se comportarem adequadamente perante um Lorde Demônio...
Unfaithful Capítulo 4
Capítulo 4 – Coragem
Matsuru foi o primeiro a entrar na casa. Em seguida entraram Blaze, Razen e Koji. Uma imagem aterrorizante deixou os quatro atordoados. Havia sangue por toda a pequena casa, e algumas pequenas manchas no solo branco formavam a palavra NOBUSHI. Shaleen estava estirada na cama, ensangüentada, com os olhos fixos no teto. Um corte fino se estendia do peito até a cintura da menina, executado exatamente no centro do corpo. Matsuru se aproximou lentamente da filha, com os olhos cheios de lágrimas, ajoelhou-se e acariciou o cabelo dela delicadamente.
-Eu... Não vou deixar isso barato... Filha. – Sussurrou Matsuru. As lágrimas continuavam a escorrer de seu rosto pálido. Blaze e Razen tiraram seus chapéus, abaixaram a cabeça e saíram da casa, acompanhados de Koji, que encarou a cena friamente.
-O que vamos fazer? – Perguntou Razen, enquanto o trio caminhava pela vila e via as pessoas desoladas espalhadas pelos cantos, sem tomarem alguma atitude ou ação digna.
Blaze observou o ambiente por alguns instantes e disse:
-Não acho a situação propícia para descansos. Vou até a aldeia desse desgraçado acabar logo com isso. É melhor que você fique por aqui Razen, cuidando dessas pessoas. Ainda não entendi completamente qual é a influência que esse oráculo causa neles, mas é algo muito intenso. Koji, você vem comigo.
Koji abaixou a cabeça em sinal positivo. Razen não gostou da idéia de ter que ficar na aldeia, mas preferiu não dizer nada. Blaze e Koji se encaminharam para o sul, mas pararam ao ver Matsuru saindo da casa onde encontraram Shaleen. Com uma postura fria e determinada, empunhando uma lança de prata um pouco menor que o tamanho de seu corpo, ele ordenou:
-Levem-me com vocês. Eu quero ajudar a eliminar Nobushi e resgatar o nosso oráculo. É o meu dever como líder.
Blaze encarou o determinado Matsuru por alguns segundos, enquanto as pessoas ao redor estavam espantadas com a atitude do líder.
-Muito bem... Se é o que você quer, não vou tentar impedir. Só faça o favor de não morrer inutilmente. – Respondeu Blaze, saindo da vila acompanhando de Koji. Matsuru virou-se para os aldeões e disse:
-É chegado o momento final, meus amigos e amigas. Hoje nós traremos de volta para a aldeia o nosso querido Gyankou, e recuperaremos a estima e alegria de outrora. Lutarei como homem até o fim, e caso eu não volte, peço que tomem conta da nossa aldeia com carinho. Até mais. – Matsuru deu as costas para as pessoas, que continuavam atordoadas e confusas, e andou depressa para alcançar Blaze e Koji. Os três caminharam, com a correnteza à direita serpenteando levemente pelas fendas no solo. A paisagem era bonita, um gramado bem verde separava as duas aldeias, um campo grande, recheado de árvores e pequenos animais silvestres. Nenhum dos três disse algo, até chegarem à entrada da aldeia de Nobushi. Duas criaturas vestindo kimonos azuis e longos chapéus de palha estavam de guarda, e notando a presença do trio, tomaram posição de batalha. Puxaram de suas bainhas katanas de lâminas finas e levantaram o rosto para observar os visitantes. Blaze, Koji e Matsuru pararam de andar.
-São eles... Demônios Hoanes, os incansáveis. Eles lutam como verdadeiros samurais habilidosos.
Os dois demônios tinham diversas rugas espalhadas pelo rosto, boca fina sem lábios, duas fendas um pouco acima da boca, representando o nariz, e olhos amarelos. Olhos frios e mortais, capazes de fazer os mais fracos caírem ao chão de tanto pavor. Blaze encarou-os com a mesma intensidade que eles o encaravam. Koji tomou a frente.
-Permitam-me dar conta desses dois seres das trevas. Servirão como um aquecimento decente para as minhas lâminas. – Disse Koji, desembainhando suas espadas gêmeas, de lâmina meio entortada.
-Vamos ver então o que um samurai pode fazer. – Disse Blaze, cruzando os braços e apenas observando. Matsuru, ao ver a atitude de Blaze, virou-se para Koji e falou:
-V-vai lutar sozinho contra dois Hoanes? Enlouqueceu? Eles são DEMÔNIOS!
Koji, sem diminuir a sua postura, apenas respondeu:
-Seres das trevas são um desafio à altura de um samurai como eu.
O samurai avançou rapidamente pelo campo, fazendo suas sandálias levantarem poeira do solo duro. Os dois Hoanes também avançaram, um pela esquerda e um pela direita, desferindo um golpe na vertical. Koji sentiu as lâminas próximas a seus ombros, dando então uma cambalhota por entre os dois demônios para escapar. Levantou-se rapidamente já desferindo um golpe horizontal, sem obter sucesso, pois os demônios defenderam com suas espadas. Koji demonstrava um exímio domínio das espadas gêmeas, atacando diversas vezes a dupla adversária e dificultando um contra-ataque.
Os demônios, percebendo que não estavam conseguindo reagir, recuaram alguns passos, retomando posição de batalha e encarando Koji com ferocidade. Koji avançou na direção da dupla, manejando as espadas no ar e desferindo diversos ataques tanto pela horizontal quanto pela vertical. Um dos Hoanes defendeu o golpe de uma das espadas e acertou um chute no estômago de Koji, que com o impacto caiu no chão. Os dois demônios levantaram suas espadas com a ponta virada pra baixo, e tentaram cravá-las no peito do samurai, que rolou pelo chão pra escapar dos dois golpes. A força aplicada pelos demônios foi exagerada, fazendo com que as espadas ficassem presas no chão. Desesperados, eles tentaram retirá-las, enquanto Koji retomava a pose e preparava-se pra finalizar a luta.
-São de fato seres habilidosos, embora não tenham tido muita sorte enfrentando minhas lâminas. – Disse o samurai executando um golpe lateral com ambas as espadas, dividindo o corpo dos Hoanes em dois.
Blaze entortou a boca em um sorriso, enquanto Matsuru, pasmo, observava os corpos mortos dos Hoanes no chão.
-Incrível... Formidável... Você é muito bom Koji! – Exclamou Matsuru, sorrindo alegremente, já pensando na agora possível grande chance de vencerem Nobushi.
-Gostei Koji... Realmente você é um forte samurai. Agora vamos invadir logo essa casa do capeta e acabar com isso.
O trio adentrou na aldeia, que estava completamente deserta. Diversas cabanas estavam espalhadas pelo local, todas vazias. Mais ao fundo havia uma cabana muito maior, capaz de abrigar dezenas de pessoas.
-Que estranho... Onde estão os demônios? Não há ninguém aqui. – Disse Blaze, entrando cuidadosamente em cada cabana e verificando se havia presença de algum ser vivo.
-A cabana mais ao fundo é a de Nobushi, vejam. É muito maior que todas as outras.
O trio abriu a porta da cabana do líder cuidadosamente. Blaze sacou sua Shotgun e manteve empunhada, analisando o local. A cabana era tão comum quanto as outras, exceto pela sua extensão e conforto. Havia diversas camas, duas mesas para refeições e alguns vasos espalhados por cada canto.
-Não estou entendendo mais nada... Onde está Nobushi? – Indagou Matsuru.
Um grito afobado atraiu a atenção do trio, que saíram da cabana e se depararam com um dos soldados da aldeia de Matsuru, muito ferido e ensangüentado, descendo o campo rapidamente até chegar na entrada da aldeia.
-SENHOR... AS TROPAS... OS HOANES... ESTÃO MATANDO... TODOS.. – Disse o guerreiro, caindo lentamente até ficar de joelhos, e, finalmente deitar, fulminado.
-OH MEU DEUS, EU PRECISO PROTEGER A MINHA VILA! – Gritou Matsuru, correndo pelo campo sendo seguido por Blaze e Koji, que economizaram palavras para ganharem fôlego.
Na vila, uma destruição desordenada havia tomado conta de tudo. Diversos Hoanes matavam os soldados que valentemente ainda tentavam defender suas mulheres e filhos. Razen, armado com seu revólver, afastou os Hoanes que tentavam entrar em uma cabana onde ele mantinha todas as mulheres e crianças reunidas, tentando protegê-las. Após matar seis Hoanes, suas balas esgotaram-se. As pessoas desesperadas choravam com medo, enquanto Razen pegou um bastão que estava em cima de uma mesa. Empunhando o objeto, ele se posicionou como obstáculo entre a porta e as pessoas encolhidas na cabana, e aguardou a entrada de mais algum demônio.
-Droga... Não vamos agüentar muito tempo... – Lamentou Razen, batendo diversas vezes em um Hoane que tentou invadir a cabana.
-Eles não morrem com isso... São incansáveis... Você vai bater eternamente sem sucesso. – Lamentou uma senhora desesperada, chorando.
-Tem alguma outra sugestão, minha senhora? Eu não queria enfrentar essa horda de demônios apenas com um bastão! – Respondeu Razen, continuando a golpear o demônio, que tentava se levantar e não parecia sentir dor.
-Será que os seus amigos morreram? – Perguntou a senhora, causando um desespero ainda maior nas pessoas ali presentes.
Razen parou de golpear a criatura por um momento e refletiu.
-Transformem esse pessimismo de vocês em coragem... Não vamos sair vivos daqui assim! Eu preciso que vocês colaborem! – Suplicou Razen, esquecendo-se do Hoane, que se preparava para torcer o pescoço dele com as mãos.
-Então tome a coragem, meu rapaz! – Disse a senhora, pegando uma pá de ferro que estava no chão e desferindo um golpe na direção de Razen, que desviou assustado. A pá acertou no pescoço no Hoane, forçando o deslocamento, e conseqüentemente a morte da criatura.
Matsuru, Koji e Blaze chegaram à aldeia.
-Hora de acabar com os seres das trevas. – Disse Koji, desembainhando suas espadas.
-VAMOS ACABAR COM ISSO AGORA! – Vociferou Matsuru, avançando furiosamente contra os Hoanes.
Matsuru foi o primeiro a entrar na casa. Em seguida entraram Blaze, Razen e Koji. Uma imagem aterrorizante deixou os quatro atordoados. Havia sangue por toda a pequena casa, e algumas pequenas manchas no solo branco formavam a palavra NOBUSHI. Shaleen estava estirada na cama, ensangüentada, com os olhos fixos no teto. Um corte fino se estendia do peito até a cintura da menina, executado exatamente no centro do corpo. Matsuru se aproximou lentamente da filha, com os olhos cheios de lágrimas, ajoelhou-se e acariciou o cabelo dela delicadamente.
-Eu... Não vou deixar isso barato... Filha. – Sussurrou Matsuru. As lágrimas continuavam a escorrer de seu rosto pálido. Blaze e Razen tiraram seus chapéus, abaixaram a cabeça e saíram da casa, acompanhados de Koji, que encarou a cena friamente.
-O que vamos fazer? – Perguntou Razen, enquanto o trio caminhava pela vila e via as pessoas desoladas espalhadas pelos cantos, sem tomarem alguma atitude ou ação digna.
Blaze observou o ambiente por alguns instantes e disse:
-Não acho a situação propícia para descansos. Vou até a aldeia desse desgraçado acabar logo com isso. É melhor que você fique por aqui Razen, cuidando dessas pessoas. Ainda não entendi completamente qual é a influência que esse oráculo causa neles, mas é algo muito intenso. Koji, você vem comigo.
Koji abaixou a cabeça em sinal positivo. Razen não gostou da idéia de ter que ficar na aldeia, mas preferiu não dizer nada. Blaze e Koji se encaminharam para o sul, mas pararam ao ver Matsuru saindo da casa onde encontraram Shaleen. Com uma postura fria e determinada, empunhando uma lança de prata um pouco menor que o tamanho de seu corpo, ele ordenou:
-Levem-me com vocês. Eu quero ajudar a eliminar Nobushi e resgatar o nosso oráculo. É o meu dever como líder.
Blaze encarou o determinado Matsuru por alguns segundos, enquanto as pessoas ao redor estavam espantadas com a atitude do líder.
-Muito bem... Se é o que você quer, não vou tentar impedir. Só faça o favor de não morrer inutilmente. – Respondeu Blaze, saindo da vila acompanhando de Koji. Matsuru virou-se para os aldeões e disse:
-É chegado o momento final, meus amigos e amigas. Hoje nós traremos de volta para a aldeia o nosso querido Gyankou, e recuperaremos a estima e alegria de outrora. Lutarei como homem até o fim, e caso eu não volte, peço que tomem conta da nossa aldeia com carinho. Até mais. – Matsuru deu as costas para as pessoas, que continuavam atordoadas e confusas, e andou depressa para alcançar Blaze e Koji. Os três caminharam, com a correnteza à direita serpenteando levemente pelas fendas no solo. A paisagem era bonita, um gramado bem verde separava as duas aldeias, um campo grande, recheado de árvores e pequenos animais silvestres. Nenhum dos três disse algo, até chegarem à entrada da aldeia de Nobushi. Duas criaturas vestindo kimonos azuis e longos chapéus de palha estavam de guarda, e notando a presença do trio, tomaram posição de batalha. Puxaram de suas bainhas katanas de lâminas finas e levantaram o rosto para observar os visitantes. Blaze, Koji e Matsuru pararam de andar.
-São eles... Demônios Hoanes, os incansáveis. Eles lutam como verdadeiros samurais habilidosos.
Os dois demônios tinham diversas rugas espalhadas pelo rosto, boca fina sem lábios, duas fendas um pouco acima da boca, representando o nariz, e olhos amarelos. Olhos frios e mortais, capazes de fazer os mais fracos caírem ao chão de tanto pavor. Blaze encarou-os com a mesma intensidade que eles o encaravam. Koji tomou a frente.
-Permitam-me dar conta desses dois seres das trevas. Servirão como um aquecimento decente para as minhas lâminas. – Disse Koji, desembainhando suas espadas gêmeas, de lâmina meio entortada.
-Vamos ver então o que um samurai pode fazer. – Disse Blaze, cruzando os braços e apenas observando. Matsuru, ao ver a atitude de Blaze, virou-se para Koji e falou:
-V-vai lutar sozinho contra dois Hoanes? Enlouqueceu? Eles são DEMÔNIOS!
Koji, sem diminuir a sua postura, apenas respondeu:
-Seres das trevas são um desafio à altura de um samurai como eu.
O samurai avançou rapidamente pelo campo, fazendo suas sandálias levantarem poeira do solo duro. Os dois Hoanes também avançaram, um pela esquerda e um pela direita, desferindo um golpe na vertical. Koji sentiu as lâminas próximas a seus ombros, dando então uma cambalhota por entre os dois demônios para escapar. Levantou-se rapidamente já desferindo um golpe horizontal, sem obter sucesso, pois os demônios defenderam com suas espadas. Koji demonstrava um exímio domínio das espadas gêmeas, atacando diversas vezes a dupla adversária e dificultando um contra-ataque.
Os demônios, percebendo que não estavam conseguindo reagir, recuaram alguns passos, retomando posição de batalha e encarando Koji com ferocidade. Koji avançou na direção da dupla, manejando as espadas no ar e desferindo diversos ataques tanto pela horizontal quanto pela vertical. Um dos Hoanes defendeu o golpe de uma das espadas e acertou um chute no estômago de Koji, que com o impacto caiu no chão. Os dois demônios levantaram suas espadas com a ponta virada pra baixo, e tentaram cravá-las no peito do samurai, que rolou pelo chão pra escapar dos dois golpes. A força aplicada pelos demônios foi exagerada, fazendo com que as espadas ficassem presas no chão. Desesperados, eles tentaram retirá-las, enquanto Koji retomava a pose e preparava-se pra finalizar a luta.
-São de fato seres habilidosos, embora não tenham tido muita sorte enfrentando minhas lâminas. – Disse o samurai executando um golpe lateral com ambas as espadas, dividindo o corpo dos Hoanes em dois.
Blaze entortou a boca em um sorriso, enquanto Matsuru, pasmo, observava os corpos mortos dos Hoanes no chão.
-Incrível... Formidável... Você é muito bom Koji! – Exclamou Matsuru, sorrindo alegremente, já pensando na agora possível grande chance de vencerem Nobushi.
-Gostei Koji... Realmente você é um forte samurai. Agora vamos invadir logo essa casa do capeta e acabar com isso.
O trio adentrou na aldeia, que estava completamente deserta. Diversas cabanas estavam espalhadas pelo local, todas vazias. Mais ao fundo havia uma cabana muito maior, capaz de abrigar dezenas de pessoas.
-Que estranho... Onde estão os demônios? Não há ninguém aqui. – Disse Blaze, entrando cuidadosamente em cada cabana e verificando se havia presença de algum ser vivo.
-A cabana mais ao fundo é a de Nobushi, vejam. É muito maior que todas as outras.
O trio abriu a porta da cabana do líder cuidadosamente. Blaze sacou sua Shotgun e manteve empunhada, analisando o local. A cabana era tão comum quanto as outras, exceto pela sua extensão e conforto. Havia diversas camas, duas mesas para refeições e alguns vasos espalhados por cada canto.
-Não estou entendendo mais nada... Onde está Nobushi? – Indagou Matsuru.
Um grito afobado atraiu a atenção do trio, que saíram da cabana e se depararam com um dos soldados da aldeia de Matsuru, muito ferido e ensangüentado, descendo o campo rapidamente até chegar na entrada da aldeia.
-SENHOR... AS TROPAS... OS HOANES... ESTÃO MATANDO... TODOS.. – Disse o guerreiro, caindo lentamente até ficar de joelhos, e, finalmente deitar, fulminado.
-OH MEU DEUS, EU PRECISO PROTEGER A MINHA VILA! – Gritou Matsuru, correndo pelo campo sendo seguido por Blaze e Koji, que economizaram palavras para ganharem fôlego.
Na vila, uma destruição desordenada havia tomado conta de tudo. Diversos Hoanes matavam os soldados que valentemente ainda tentavam defender suas mulheres e filhos. Razen, armado com seu revólver, afastou os Hoanes que tentavam entrar em uma cabana onde ele mantinha todas as mulheres e crianças reunidas, tentando protegê-las. Após matar seis Hoanes, suas balas esgotaram-se. As pessoas desesperadas choravam com medo, enquanto Razen pegou um bastão que estava em cima de uma mesa. Empunhando o objeto, ele se posicionou como obstáculo entre a porta e as pessoas encolhidas na cabana, e aguardou a entrada de mais algum demônio.
-Droga... Não vamos agüentar muito tempo... – Lamentou Razen, batendo diversas vezes em um Hoane que tentou invadir a cabana.
-Eles não morrem com isso... São incansáveis... Você vai bater eternamente sem sucesso. – Lamentou uma senhora desesperada, chorando.
-Tem alguma outra sugestão, minha senhora? Eu não queria enfrentar essa horda de demônios apenas com um bastão! – Respondeu Razen, continuando a golpear o demônio, que tentava se levantar e não parecia sentir dor.
-Será que os seus amigos morreram? – Perguntou a senhora, causando um desespero ainda maior nas pessoas ali presentes.
Razen parou de golpear a criatura por um momento e refletiu.
-Transformem esse pessimismo de vocês em coragem... Não vamos sair vivos daqui assim! Eu preciso que vocês colaborem! – Suplicou Razen, esquecendo-se do Hoane, que se preparava para torcer o pescoço dele com as mãos.
-Então tome a coragem, meu rapaz! – Disse a senhora, pegando uma pá de ferro que estava no chão e desferindo um golpe na direção de Razen, que desviou assustado. A pá acertou no pescoço no Hoane, forçando o deslocamento, e conseqüentemente a morte da criatura.
Matsuru, Koji e Blaze chegaram à aldeia.
-Hora de acabar com os seres das trevas. – Disse Koji, desembainhando suas espadas.
-VAMOS ACABAR COM ISSO AGORA! – Vociferou Matsuru, avançando furiosamente contra os Hoanes.
Unfaithful Capítulo 3
Capítulo 3 – Samurai
“Quando eu era pequeno, ouvia meu pai me contar diversas histórias sobre a linhagem dos Mortuary, a bravura do meu avô e as dificuldades e superações diversas que eles passaram. Naquela época eu ficava vislumbrado a cada palavra dele, e sonhava em fazer parte dos mais famosos parentes. Porém o sonho foi se apagando conforme os anos foram passando, e eu descobri que toda a riqueza e poder da família não passavam de uma farsa mascarada pelo mafioso mais astuto desse país.”
Razen e Blaze ficaram em silêncio por alguns segundos, até repararem que o homem sentado ao fundo estava se comportando estranhamente. Blaze levantou-se, e caminhou até o homem, para escutar as palavras que ele dizia baixinho. O homem subitamente girou a cabeça para observar Blaze, que se arrepiou com o que viu. O homem era, na verdade, um robô. Uma fina camada de aço azulado cobria o que seria a sua “pele”. Duas lâmpadas brancas assumiam a posição de olhos. Abaixo das lâmpadas havia uma pequena abertura que representava a boca. O robô levantou-se, era um pouco mais alto que Blaze, e movimentou a cabeça analisando-o de cima a baixo. Olhou também para Razen, e após isso se comportou de forma ainda mais estranha. A máquina começou a fazer um ruído que se transformou em voz:
-ALVO ENCONTRADO. ELIMINAR IMEDIATAMENTE. - Disse, saltando por cima de Blaze e correndo em direção de Razen. O robô levantou um dos braços, onde havia uma lâmina fina feita de metal, e atacou Razen ferozmente, que desviou do golpe e caiu no chão assustado. O robô esticou o braço novamente pra desferir outro golpe. Blaze atravessou o vagão e sacou as duas shotgun para combater o robô, mas não precisou fazer nada. O homem que lia um jornal pegou uma espada que repousava ao seu lado, e que não havia sido notada por ninguém no vagão, e cortou o corpo do robô em dois, com um golpe lateral. Razen, estatelado no chão, não conseguia dizer nada. O susto foi maior. Blaze estava surpreso com a atitude do homem, que após cortar o robô, caindo fulminado no chão, repousou tranquilamente a espada de volta no canto do banco, ergueu a cabeça e disse:
- Faltam-lhes astúcia e velocidade de reação para uma situação como essa. Porém, o destino agraciou-lhes com a presença do mais habilidoso samurai de todos os feudos.
Blaze encarou o homem e falou:
- Quem é você afinal?
O homem agachou-se perto da carcaça do robô e disse:
-Kojiro Hashibana, comumente chamado de Koji Das Duas Lâminas. Seu senhor, Vayne Pennymore, solicitou os meus serviços para auxiliá-los em sua tarefa.
Razen levantou-se, aproximou-se do samurai e verificou a presença de uma pequena placa soldada no outro braço do robô.
A placa continha os dizeres:
“LIRIUM CORPORATION”
Arregalando os olhos e se afastando da máquina, Razen balbuciou:
-Essa máquina... Foi enviada pelo meu irmão! É uma fabricação da empresa dele!
-Seu próprio irmão tentando eliminá-lo? – Indagou Blaze, enquanto observava o samurai.
Razen baixou a cabeça, e disse:
-É uma longa história. Prefiro... Não falar nisso agora...
O samurai despiu seu jaleco, dobrou-o cuidadosamente e colocou do lado da espada. Vestia um kimono feito de um tecido muito branco, com bordas azuladas. O rosto dele pôde finalmente ser observado. Ele aparentava ter cerca de 30 anos, face marcada por algumas cicatrizes de cortes, sobrancelhas grossas, nariz fino e pontudo, dando ar de superioridade.
Blaze suspirou, e disse:
-E quanto a você... Koji. Um samurai se sujeitando a trabalhar para um mafioso?
Koji fitou Blaze de cima a baixo, e respondeu:
-Meu sensei precisa da minha ajuda. O melhor meio que possuo para ajudá-lo é trabalhar para um mafioso em troca de muito dinheiro. E Vayne Pennymore é a pessoa mais rica do país, logo, trabalhando pra ele eu rapidamente conseguirei juntar o dinheiro que necessito.
-Mas por qual razão Vayne o enviou até aqui?
O samurai virou a cabeça e observou a paisagem pela janela do trem. Os campos rurais cheios de gado e plantações indicavam que a chegada ao feudo estava próxima.
-Vayne disse que essa missão será demasiadamente complicada para apenas duas pessoas. E que a minha espada poderia ser necessária para manter vocês dois vivos.
O trem parou, havia chegado à estação. Blaze, que continuava insatisfeito com a presença de um terceiro elemento na missão, desceu do vagão, juntamente de Razen, que continuava cabisbaixo e pensativo, e Koji. O trio caminhou até sair da estação, e se depararam com uma pequena cidade. Algumas poucas pessoas caminhavam e conversavam alegremente. Duas pequenas barracas atraiam diversos curiosos, onde três pequenos meninos vendiam diversas bugigangas estranhas. Um homem idoso que estava sentado perto de uma fonte onde água cristalina jorrava levantou-se ao perceber a chegada do trio, e caminhou até eles. Em seu rosto notava-se uma expressão triste e vazia, que tornava as diversas rugas ainda mais intensas. Uma longa barba estendia-se de seu queixo até o peito.
-Soldados da agência Pennymore? – Perguntou o homem.
-Sim. Senhor Matsuru, certo? Conte-nos o que se passa com a sua aldeia. – Disse Razen, tentando distrair-se e não pensar mais no que aconteceu no trem.
O homem fez sinal para que o trio o acompanhasse, e caminhou até uma das saídas da cidade, que era próxima à estação. Ninguém disse nada, apenas acompanharam o cliente, que em seguida caminhou mais um pouco e desceu uma pequena ladeira, seguido pelo trio.
Ao fim da ladeira, um grupo de pessoas com trajes simples de camponeses aguardava os visitantes. O semblante de seus rostos era de imensa tristeza e desolação. Matsuru parou de caminhar ao se aproximar das pessoas, e virou-se para o trio.
-Estes são os moradores da minha aldeia. Como vocês podem observar, não desprovemos de luxo ou ostentação em nossas vestimentas, tampouco em nossas construções. – Disse Matsuru, abrindo caminho por entre as pessoas e apontando para algumas pequenas casas erguidas por madeiras velhas, com telhados de palha. – Temos o nosso espaço de plantio – Matsuru apontou para dois pequenos campos ao fundo do lado direito, povoados por diversos tipos de vegetais e cereais. – Não nos queixamos da nossa humilde existência, e tudo estaria muito bem assim se não existissem os Hoanes.
-O que são Hoanes? – Perguntou Blaze, já pretendendo ir direto ao assunto e evitar maiores delongas de Matsuru.
-Descendo ao extremo sul de nossa aldeia, seguindo a correnteza de água cristalina que nos abastece diariamente, é possível avistar outra aldeia, um pouco maior e mais enriquecida de produtos e materiais. Ela é liderada por Nobushi, filho de um falecido aldeão desta minha vila, que... – Matsuru deu uma pequena pausa e olhou para o céu – Teve sua vida consumida pelo próprio filho, um verdadeiro tirano. Eu expulsei Nobushi da aldeia quando ele matou seu pai, e assim, ele levantou uma nova aldeia, governando nada mais, nada menos que... Demônios.
-Os seres das trevas sujeitaram-se a um humano? – Indagou Koji.
Matsuru deu uma risadinha sarcástica, e respondeu:
-Nobushi não é um humano... Ele se rendeu aos encantos das trevas desde pequeno, quando fez amizade com alguns demônios que sempre apareciam por aqui para tentar saquear mantimentos. Quando atingiu a adolescência, Nobushi percebeu que já poderia liderar um exército dos seres que tanto o fascinavam, e assim o fez. Os demônios-servos dele foram nomeados Hoanes, pelo próprio, que significa “Incansável”. Uma denominação justa, para seres que não param de lutar até que não lhes restem mais forças para se levantar. Os Hoanes são temíveis, meus caros.
-E o que você quer é que eliminemos esses Hoanes? Só por serem servos do Nobushi? – Perguntou Blaze, já impaciente. Razen observava a aldeia enquanto escutava a explicação de Matsuru, e ao ver dois irmãos brincando juntos com algumas pedrinhas, lembrou-se vagamente dele mesmo quando pequeno sozinho em um quarto sem brinquedos nem irmãos.
-Ora, meu caro. Quem dera fosse apenas esse o problema. O fato é que Nobushi odeia a nossa vila, e tirou de nós o bem mais precioso: Nosso oráculo. Existe um sábio nesta vila, que já trouxe muita prosperidade e alegria para todos os aldeões. O sábio contou histórias de suas aventuras de quando jovem para as crianças, ensinava os mais velhos a plantar nos solos mais férteis, pescar os peixes com maestria, entre muitas outras coisas. Seu nome é Gyakou, um dos cinco lendários xamãs do passado. Gyakou é um membro fundamental do nosso grupo, e foi seqüestrado pelo exército de Nobushi na noite passada.
Uma mulher do grupo de pessoas tomou um passo à frente, e, em prantos, disse:
-Não podemos esperar até algo ruim acontecer. Precisamos do nosso oráculo. Eu imploro!
O trio observou o desespero da mulher e das outras pessoas no grupo, que pareciam desnorteadas sem a presença do oráculo.
-Entendo... Isso torna tudo mais interessante. Nossa missão então é resgatar o velho. Nobushi deve ser eliminado? – Perguntou Blaze, estralando os dedos.
-Creio que essa seja a solução mais pertinente, afinal, ele não vai descansar até acabar com todos nós. Se quiserem, vocês podem repousar essa noite, o sol já está se pondo.
Um grito de pânico desviou a atenção de todos.
-ESSE GRITO... FOI DA MINHA FILHA SHALEEN. ELA ESTÁ NAQUELA ÚLTIMA CASA AO FUNDO, VAMOS! – Gritou Matsuru, avançando rapidamente até a casa, sendo seguido por Blaze, Razen, Koji e o grupo de pessoas.
“Quando eu era pequeno, ouvia meu pai me contar diversas histórias sobre a linhagem dos Mortuary, a bravura do meu avô e as dificuldades e superações diversas que eles passaram. Naquela época eu ficava vislumbrado a cada palavra dele, e sonhava em fazer parte dos mais famosos parentes. Porém o sonho foi se apagando conforme os anos foram passando, e eu descobri que toda a riqueza e poder da família não passavam de uma farsa mascarada pelo mafioso mais astuto desse país.”
Razen e Blaze ficaram em silêncio por alguns segundos, até repararem que o homem sentado ao fundo estava se comportando estranhamente. Blaze levantou-se, e caminhou até o homem, para escutar as palavras que ele dizia baixinho. O homem subitamente girou a cabeça para observar Blaze, que se arrepiou com o que viu. O homem era, na verdade, um robô. Uma fina camada de aço azulado cobria o que seria a sua “pele”. Duas lâmpadas brancas assumiam a posição de olhos. Abaixo das lâmpadas havia uma pequena abertura que representava a boca. O robô levantou-se, era um pouco mais alto que Blaze, e movimentou a cabeça analisando-o de cima a baixo. Olhou também para Razen, e após isso se comportou de forma ainda mais estranha. A máquina começou a fazer um ruído que se transformou em voz:
-ALVO ENCONTRADO. ELIMINAR IMEDIATAMENTE. - Disse, saltando por cima de Blaze e correndo em direção de Razen. O robô levantou um dos braços, onde havia uma lâmina fina feita de metal, e atacou Razen ferozmente, que desviou do golpe e caiu no chão assustado. O robô esticou o braço novamente pra desferir outro golpe. Blaze atravessou o vagão e sacou as duas shotgun para combater o robô, mas não precisou fazer nada. O homem que lia um jornal pegou uma espada que repousava ao seu lado, e que não havia sido notada por ninguém no vagão, e cortou o corpo do robô em dois, com um golpe lateral. Razen, estatelado no chão, não conseguia dizer nada. O susto foi maior. Blaze estava surpreso com a atitude do homem, que após cortar o robô, caindo fulminado no chão, repousou tranquilamente a espada de volta no canto do banco, ergueu a cabeça e disse:
- Faltam-lhes astúcia e velocidade de reação para uma situação como essa. Porém, o destino agraciou-lhes com a presença do mais habilidoso samurai de todos os feudos.
Blaze encarou o homem e falou:
- Quem é você afinal?
O homem agachou-se perto da carcaça do robô e disse:
-Kojiro Hashibana, comumente chamado de Koji Das Duas Lâminas. Seu senhor, Vayne Pennymore, solicitou os meus serviços para auxiliá-los em sua tarefa.
Razen levantou-se, aproximou-se do samurai e verificou a presença de uma pequena placa soldada no outro braço do robô.
A placa continha os dizeres:
“LIRIUM CORPORATION”
Arregalando os olhos e se afastando da máquina, Razen balbuciou:
-Essa máquina... Foi enviada pelo meu irmão! É uma fabricação da empresa dele!
-Seu próprio irmão tentando eliminá-lo? – Indagou Blaze, enquanto observava o samurai.
Razen baixou a cabeça, e disse:
-É uma longa história. Prefiro... Não falar nisso agora...
O samurai despiu seu jaleco, dobrou-o cuidadosamente e colocou do lado da espada. Vestia um kimono feito de um tecido muito branco, com bordas azuladas. O rosto dele pôde finalmente ser observado. Ele aparentava ter cerca de 30 anos, face marcada por algumas cicatrizes de cortes, sobrancelhas grossas, nariz fino e pontudo, dando ar de superioridade.
Blaze suspirou, e disse:
-E quanto a você... Koji. Um samurai se sujeitando a trabalhar para um mafioso?
Koji fitou Blaze de cima a baixo, e respondeu:
-Meu sensei precisa da minha ajuda. O melhor meio que possuo para ajudá-lo é trabalhar para um mafioso em troca de muito dinheiro. E Vayne Pennymore é a pessoa mais rica do país, logo, trabalhando pra ele eu rapidamente conseguirei juntar o dinheiro que necessito.
-Mas por qual razão Vayne o enviou até aqui?
O samurai virou a cabeça e observou a paisagem pela janela do trem. Os campos rurais cheios de gado e plantações indicavam que a chegada ao feudo estava próxima.
-Vayne disse que essa missão será demasiadamente complicada para apenas duas pessoas. E que a minha espada poderia ser necessária para manter vocês dois vivos.
O trem parou, havia chegado à estação. Blaze, que continuava insatisfeito com a presença de um terceiro elemento na missão, desceu do vagão, juntamente de Razen, que continuava cabisbaixo e pensativo, e Koji. O trio caminhou até sair da estação, e se depararam com uma pequena cidade. Algumas poucas pessoas caminhavam e conversavam alegremente. Duas pequenas barracas atraiam diversos curiosos, onde três pequenos meninos vendiam diversas bugigangas estranhas. Um homem idoso que estava sentado perto de uma fonte onde água cristalina jorrava levantou-se ao perceber a chegada do trio, e caminhou até eles. Em seu rosto notava-se uma expressão triste e vazia, que tornava as diversas rugas ainda mais intensas. Uma longa barba estendia-se de seu queixo até o peito.
-Soldados da agência Pennymore? – Perguntou o homem.
-Sim. Senhor Matsuru, certo? Conte-nos o que se passa com a sua aldeia. – Disse Razen, tentando distrair-se e não pensar mais no que aconteceu no trem.
O homem fez sinal para que o trio o acompanhasse, e caminhou até uma das saídas da cidade, que era próxima à estação. Ninguém disse nada, apenas acompanharam o cliente, que em seguida caminhou mais um pouco e desceu uma pequena ladeira, seguido pelo trio.
Ao fim da ladeira, um grupo de pessoas com trajes simples de camponeses aguardava os visitantes. O semblante de seus rostos era de imensa tristeza e desolação. Matsuru parou de caminhar ao se aproximar das pessoas, e virou-se para o trio.
-Estes são os moradores da minha aldeia. Como vocês podem observar, não desprovemos de luxo ou ostentação em nossas vestimentas, tampouco em nossas construções. – Disse Matsuru, abrindo caminho por entre as pessoas e apontando para algumas pequenas casas erguidas por madeiras velhas, com telhados de palha. – Temos o nosso espaço de plantio – Matsuru apontou para dois pequenos campos ao fundo do lado direito, povoados por diversos tipos de vegetais e cereais. – Não nos queixamos da nossa humilde existência, e tudo estaria muito bem assim se não existissem os Hoanes.
-O que são Hoanes? – Perguntou Blaze, já pretendendo ir direto ao assunto e evitar maiores delongas de Matsuru.
-Descendo ao extremo sul de nossa aldeia, seguindo a correnteza de água cristalina que nos abastece diariamente, é possível avistar outra aldeia, um pouco maior e mais enriquecida de produtos e materiais. Ela é liderada por Nobushi, filho de um falecido aldeão desta minha vila, que... – Matsuru deu uma pequena pausa e olhou para o céu – Teve sua vida consumida pelo próprio filho, um verdadeiro tirano. Eu expulsei Nobushi da aldeia quando ele matou seu pai, e assim, ele levantou uma nova aldeia, governando nada mais, nada menos que... Demônios.
-Os seres das trevas sujeitaram-se a um humano? – Indagou Koji.
Matsuru deu uma risadinha sarcástica, e respondeu:
-Nobushi não é um humano... Ele se rendeu aos encantos das trevas desde pequeno, quando fez amizade com alguns demônios que sempre apareciam por aqui para tentar saquear mantimentos. Quando atingiu a adolescência, Nobushi percebeu que já poderia liderar um exército dos seres que tanto o fascinavam, e assim o fez. Os demônios-servos dele foram nomeados Hoanes, pelo próprio, que significa “Incansável”. Uma denominação justa, para seres que não param de lutar até que não lhes restem mais forças para se levantar. Os Hoanes são temíveis, meus caros.
-E o que você quer é que eliminemos esses Hoanes? Só por serem servos do Nobushi? – Perguntou Blaze, já impaciente. Razen observava a aldeia enquanto escutava a explicação de Matsuru, e ao ver dois irmãos brincando juntos com algumas pedrinhas, lembrou-se vagamente dele mesmo quando pequeno sozinho em um quarto sem brinquedos nem irmãos.
-Ora, meu caro. Quem dera fosse apenas esse o problema. O fato é que Nobushi odeia a nossa vila, e tirou de nós o bem mais precioso: Nosso oráculo. Existe um sábio nesta vila, que já trouxe muita prosperidade e alegria para todos os aldeões. O sábio contou histórias de suas aventuras de quando jovem para as crianças, ensinava os mais velhos a plantar nos solos mais férteis, pescar os peixes com maestria, entre muitas outras coisas. Seu nome é Gyakou, um dos cinco lendários xamãs do passado. Gyakou é um membro fundamental do nosso grupo, e foi seqüestrado pelo exército de Nobushi na noite passada.
Uma mulher do grupo de pessoas tomou um passo à frente, e, em prantos, disse:
-Não podemos esperar até algo ruim acontecer. Precisamos do nosso oráculo. Eu imploro!
O trio observou o desespero da mulher e das outras pessoas no grupo, que pareciam desnorteadas sem a presença do oráculo.
-Entendo... Isso torna tudo mais interessante. Nossa missão então é resgatar o velho. Nobushi deve ser eliminado? – Perguntou Blaze, estralando os dedos.
-Creio que essa seja a solução mais pertinente, afinal, ele não vai descansar até acabar com todos nós. Se quiserem, vocês podem repousar essa noite, o sol já está se pondo.
Um grito de pânico desviou a atenção de todos.
-ESSE GRITO... FOI DA MINHA FILHA SHALEEN. ELA ESTÁ NAQUELA ÚLTIMA CASA AO FUNDO, VAMOS! – Gritou Matsuru, avançando rapidamente até a casa, sendo seguido por Blaze, Razen, Koji e o grupo de pessoas.
Unfaithful Capítulo 2
Capítulo 2 – Aversão
“Razen se tornou o meu companheiro de trabalho há três anos. Passamos por muita coisa juntos, e demorou muito tempo para que eu o aceitasse verdadeiramente como meu amigo. Até hoje tenho dúvidas de suas motivações, mas o fato é que ele trabalha apenas para me ajudar a pagar minha dívida.”
Blaze e Razen estavam em uma sala de reuniões. Blaze estava segurando seu casaco dobrado nas mãos, juntamente de seu chapéu. Nenhuma das armas da dupla parecia visível. Diversos quadros espalhados pelas paredes do local facilmente chamavam a atenção, talvez pelas faces grotescas de figurões mafiosos em trajes elegantes presentes nas figuras. Um dos quadros, o maior de todos, trazia a foto de um homem extremamente obeso. Na legenda do quadro estava escrito, em letras garrafais: “Vayne Pennymore – The Vermillion”.
Uma mesa grande, produzida a partir de cedros de qualidade, acomodava os pés grandes e gordos do homem reproduzido no quadro, usando um terno cinza impecavelmente engomado. O homem mantinha entre os dedos da mão um cachimbo dinamarquês de aparência desgastada. O rosto enorme dele apontava sua maior característica em uma verruga presente em seu queixo. Aparentemente aborrecido, olhava fixamente para a dupla de caçadores. Acomodando-se em sua cadeira de luxo, ele começou a falar:
- Bem... Parece-me então que vocês conseguiram cumprir a missão. Richard repousou em um hospital próximo daqui por algumas horas, e efetuou o pagamento pelo serviço em seguida. – O homem deu uma lenta tragada no cachimbo, e continuou – Recebi uma ligação de um camponês solicitando os meus serviços. Essa missão parece um tanto quanto interessante – Ele arregalou os olhos e encarou Blaze com um olhar desafiante, enquanto entregava nas mãos de Razen um bilhete com o endereço do cliente – Afinal... Ele está disposto a pagar com os bens de todos os moradores de sua pacata aldeia.
A dupla mostrou-se surpresa.
-Todos os bens? Que tipo de situação esses moradores estão enfrentando? – Perguntou Blaze, encarando o homem com a mesma intensidade.
-Isso vocês terão que descobrir sozinhos. Não é problema meu. – O homem deu uma risada arrastada e fez sinal com a mão para que eles saíssem.
Razen puxou o braço de Blaze e levou-o pra fora da sala. Os dois percorreram um grande espaço dedicado à acomodação dos amigos de Vayne, onde bebida e mesas redondas formavam um grande ciclo confortável. Alguns mafiosos estavam sentados em aconchegantes sofás vermelhos, acompanhados de suas escravas. Um Barman sorridente, mascando um palito de dentes, aproximou-se da dupla e procurou conseguir atenção:
-Heeeey! Não vão parar nem pra beber um pouquinho? Não sei como agüentam essa rotina agitada...
Blaze parou, lançou um olhar com frieza para o Barman e disse:
-Felizmente, Charles, sua única ocupação é servir bebidas para os mais moribundos mafiosos dessa cidade.
Charles coçou a nuca e disse:
-Ok, ok. Desculpe-me por interromper sua tarefa... Todavia, quando tiverem um tempo, repousem por aqui. Garanto que vocês irão provar do melhor drinque que esse Barman pode fazer! – Concluiu dando uma piscadela.
Blaze, sem dar muita atenção ao comentário, deixou a boate seguido por Razen, e se dirigiu ao taxi mais próximo, que estava do outro lado da calçada. A rua estava bastante movimentada, dificultando a passagem de pedestres. A dupla cumprimentou Clay, que gentilmente abaixou a cabeça e perguntou:
-Para onde iremos hoje, senhores?
-Leve-nos até a estação de trem. Depressa. – Solicitou Blaze, entrando no carro, sentando-se no banco de couro meio rasgado e repousando seu chapéu sobre as pernas. Suas armas estavam debaixo do banco do motorista. Razen entrou em seguida, verificando se seu punhal e revólver também estavam debaixo do banco. O taxista fechou as portas, entrou no carro e disse:
-Hoje quase descobriram essas armas aqui. Estou tendo dificuldades para escondê-las, afinal, não são materiais comuns de um cidadão. – O homem deu a partida e o carro começou a circular.
Razen deu uma nova conferida nas armas e disse:
- Não se preocupe Clay. Vou providenciar um novo esconderijo para as nossas armas. Com o nosso trabalho sendo malvisto pela sociedade, é realmente complicado manter esse tipo de objeto no seu veículo.
O taxi entrou em uma rua à direita no segundo cruzamento. As ruas seguintes estavam tão movimentadas quanto a rua da boate. Clay suspirou e calmamente puxou assunto:
-Bem... Como andam as coisas com Vayne? Vocês me parecem um tanto quanto inquietos...
Blaze olhou pela janela e não respondeu a pergunta. Razen, vendo a atitude do companheiro, disse:
-Vayne não é um cara muito fácil de lidar... E às vezes ele nos causa raiva devido as suas atitudes inadequadas. Estamos indo para uma pequena vila existente ao norte... Sem nem mesmo sabermos que tipo de problemas o nosso cliente está tendo por lá.
-Hum... Eu conheço aquele velho gordo há muito tempo, e sei do quão imbecil ele consegue se tornar... É realmente uma pessoa complicada pra se ter como chefe. – Disse Clay, enquanto contornava uma praça com o carro. O veículo seguiu até o fim de uma rua estreita, e parou em frente a uma estação de trem. Blaze e Razen saíram do carro, colocaram suas armas dentro dos bolsos e alças de suas roupas, pagaram Clay e encaminharam-se para o banco de espera. Razen retirou do bolso o bilhete dado por Vayne, e percebeu a presença de duas passagens de trem.
-Ao menos as passagens ele providenciou pra nós.
O trem chegou logo em seguida. Blaze continuava quieto. A dupla entrou e se acomodou no banco plástico mais próximo. Razen fitou o companheiro por alguns instantes, e disse:
-Estamos completando três anos de trabalho juntos. Já passamos por tanta coisa, não é?
Blaze resmungou em sinal positivo.
-Eu sempre quis saber o que motivou você a trabalhar pro Vayne... - Insistiu Razen, desviando o olhar pro chão.
Blaze girou a cabeça para observar o vagão do trem e verificar quantas pessoas estavam ali. Havia apenas mais duas pessoas, uma sentada no último banco ao fundo, outra um pouco mais perto, lendo um jornal. Ambos com casacos um pouco sujos. A pessoa mais ao fundo usava um chapéu grande, o que impedia a visualização de seu rosto. Blaze virou-se para Razen e disse:
-Vou lhe contar então como tudo aconteceu. Preciso mesmo dividir isso com alguém, pois está difícil suportar sozinho. – O caçador deu uma pequena pausa, para um suspiro, e continuou - Eu sou o único filho de Gisele e Romeu Mortuary, dois burgueses diretamente ligados à Vayne Pennymore. Quando completei seis anos de idade, meu pai me levou até aquela boate imunda do Vayne, e me ofereceu como recruta a ele, para que eu pudesse ser forte o suficiente pra trabalhar e pagar as dívidas da família. Gisele e Romeu eram muito ambiciosos, e assinaram diversos empréstimos para conseguirem obter todos os bens materiais que desejavam. Como Vayne era, e ainda é, o mafioso mais rico e influente do país, ele naturalmente enriqueceu meus pais com bens para depois cobrar os empréstimos e recuperar triplamente o dinheiro. Eu me tornei um recruta da máfia... – Baixou a cabeça por um instante, e continuou – E sofri um rígido treinamento para me tornar apto a trabalhar pro Vayne. Logo de início ele deixou bem claro pro meu pai que eu me tornaria um caçador de aberrações, mas – Blaze deu uma risada sarcástica – Até parece que Romeu Mortuary estava preocupado. Aos 12 anos o meu treinamento foi finalizado. Meus pais continuavam com dívidas imensas e não tinham como arrumar dinheiro. É claro que, com o início do meu trabalho, eu rapidamente conseguiria juntar o suficiente para pagar o que devíamos, mas foi aí que o destino me mostrou que nada seria tão simples. Um verdadeiro desastre mudou pra sempre, a vida que já não começou fácil.
- Desastre?! – Indagou Razen, que estava muito mais surpreso do que pensou que ficaria.
- Sim. Um desastre comumente chamado de... Legacy.
O homem sentado à frente deles virou a pagina do jornal, cruzou as pernas e continuou a ler. Razen, estático, aguardava Blaze continuar a falar.
-Na mesma época que Romeu e Gisele fizeram diversos empréstimos para obter seus bens, uma facção mafiosa conhecida como Rotwild começou a se manifestar no país. A família Pennymore, que até esse momento era a mais influente, pouco a pouco foi perdendo seu espaço para os violentos recrutas da Rotwild, que saqueavam postos e lojas, ameaçavam cidadãos, e eliminavam membros de famílias rivais para aumentar sua popularidade. O líder, Danathor Rotwild, declarou publicamente que pretendia se tornar o carrasco na vida de Vayne. Claro que ele não ficou sem reação perante essa situação. Ambicioso e petulante como sempre foi, Vayne fez um pacto maligno com Legacy, o demônio mais poderoso que existe.
Razen se perdeu em pensamentos por um instante, e interrompeu Blaze complementando:
-Lembro-me do meu primeiro dia como recruta do Vayne. Ao lado dele estava um ser com um aspecto demoníaco, que ficara encarando o Clay outrora, e agora me observava. Aquela criatura me incomodou um pouco, mas eu estava decidido a trabalhar. Alguns dias depois acabei decidindo me juntar a você no seu objetivo... E sofrer junto as conseqüências. Nesse último mês... – Razen esticou os braços e observou-os com um semblante triste. Marcas roxas se estendiam até o cotovelo. – Sofremos duas “quedas”. Eu não imaginava que fosse tão doloroso.
Blaze olhou pros braços de Razen, e continuou a falar:
-Como você já sabe, a principal característica do Legacy, além de sua mobilidade e força extremas em combate, é a capacidade denominada “queda”. Uma luva existente em seu braço lhe permite sugar determinadas quantidades de energia vital dos seres humanos, e revertê-las em energia para si próprio. Porém, a forma com que a luva suga a energia é realmente aterrorizante, devido aos distúrbios mentais causados durante o processo. Vayne fez um pacto com Legacy justamente por estar ciente do poder grandioso existente nele. E com esse pacto, a destruição e desequilíbrio assolaram esse país. Legacy, sozinho, aniquilou todos os membros da família Rotwild e recolocou os Pennymore no poder absoluto do país. A segunda ordem foi a de que Legacy fosse até a residência de determinados clientes dele, a fim de colocar um ponto final nas dívidas não-pagas – Blaze abaixou a cabeça por um momento – Logicamente Legacy foi até a casa dos meus pais. Neste dia estávamos tendo um jantar em família, como há muito tempo não tínhamos. Meu pai estava comentando sobre a possibilidade de nos reerguermos financeiramente com o início do meu trabalho... Ele parecia feliz. Mamãe sorria, algo que em raras oportunidades eu pude presenciar. Mas tudo durou poucos instantes. O massacre foi rápido. Legacy adentrou em nossa sala de jantar de forma misteriosa, ele simplesmente apareceu do lado de Romeu, com uma espada apontada para o pescoço do meu pai. Antes de matá-lo, o demônio cruelmente disse: - Blaze deu uma nova verificada nos vagões do trem, e continuou – “Essa é a punição para burgueses mesquinhos que acham ter direito de não pagar suas dívidas”. Legacy degolou a cabeça de Romeu sem deixá-lo tomar qualquer atitude, e saltou por cima da mesa em direção à Gisele, que só teve tempo de gritar e pedir para que eu fugisse, antes de ser retalhada pela espada do demônio. Eu me mantive imóvel, não conseguia tomar qualquer atitude vendo meus pais serem mortos. Naquele momento, Legacy voltou a sua atenção pra mim. Ele se aproximou lentamente da cadeira onde eu estava sentado, até subitamente parar e me encarar com frieza. Reparei na ausência de pupilas nele, os dois olhos amarelos pareciam mais duas fendas mortais. O rosto, que tinha um semblante de um humano comum, demonstrava nesses dois olhos a característica primaria de que ele era um demônio.
Legacy encarou-me por alguns segundos. Eu conseguia sentir a respiração ofegante dele, o cheiro de morte, e a ânsia por mais sangue. Mas, contrariando a situação e a vontade, ele não me matou. Quando aproximou o rosto, disse baixinho “Estranho. Você não é como os seres fracos que matei agora. O que diabos é essa presença que o seu corpo emana?”
Fiquei ali, assustado enquanto o demônio analisava-me com os olhos, curioso sobre a diferença entre eu e meus pais. Não consegui entender muito bem o que ele havia visto de diferente, porém aquilo contrariou os planos dele de tal forma que ele simplesmente saltou pela janela e fugiu do local, sem tocar um dedo em mim. Mas eu percebi ali que não importa o que eu faça, o meu futuro já está escrito. Seremos nós dois, apenas nós. E apenas um vai terminar o dia vivo.
“Razen se tornou o meu companheiro de trabalho há três anos. Passamos por muita coisa juntos, e demorou muito tempo para que eu o aceitasse verdadeiramente como meu amigo. Até hoje tenho dúvidas de suas motivações, mas o fato é que ele trabalha apenas para me ajudar a pagar minha dívida.”
Blaze e Razen estavam em uma sala de reuniões. Blaze estava segurando seu casaco dobrado nas mãos, juntamente de seu chapéu. Nenhuma das armas da dupla parecia visível. Diversos quadros espalhados pelas paredes do local facilmente chamavam a atenção, talvez pelas faces grotescas de figurões mafiosos em trajes elegantes presentes nas figuras. Um dos quadros, o maior de todos, trazia a foto de um homem extremamente obeso. Na legenda do quadro estava escrito, em letras garrafais: “Vayne Pennymore – The Vermillion”.
Uma mesa grande, produzida a partir de cedros de qualidade, acomodava os pés grandes e gordos do homem reproduzido no quadro, usando um terno cinza impecavelmente engomado. O homem mantinha entre os dedos da mão um cachimbo dinamarquês de aparência desgastada. O rosto enorme dele apontava sua maior característica em uma verruga presente em seu queixo. Aparentemente aborrecido, olhava fixamente para a dupla de caçadores. Acomodando-se em sua cadeira de luxo, ele começou a falar:
- Bem... Parece-me então que vocês conseguiram cumprir a missão. Richard repousou em um hospital próximo daqui por algumas horas, e efetuou o pagamento pelo serviço em seguida. – O homem deu uma lenta tragada no cachimbo, e continuou – Recebi uma ligação de um camponês solicitando os meus serviços. Essa missão parece um tanto quanto interessante – Ele arregalou os olhos e encarou Blaze com um olhar desafiante, enquanto entregava nas mãos de Razen um bilhete com o endereço do cliente – Afinal... Ele está disposto a pagar com os bens de todos os moradores de sua pacata aldeia.
A dupla mostrou-se surpresa.
-Todos os bens? Que tipo de situação esses moradores estão enfrentando? – Perguntou Blaze, encarando o homem com a mesma intensidade.
-Isso vocês terão que descobrir sozinhos. Não é problema meu. – O homem deu uma risada arrastada e fez sinal com a mão para que eles saíssem.
Razen puxou o braço de Blaze e levou-o pra fora da sala. Os dois percorreram um grande espaço dedicado à acomodação dos amigos de Vayne, onde bebida e mesas redondas formavam um grande ciclo confortável. Alguns mafiosos estavam sentados em aconchegantes sofás vermelhos, acompanhados de suas escravas. Um Barman sorridente, mascando um palito de dentes, aproximou-se da dupla e procurou conseguir atenção:
-Heeeey! Não vão parar nem pra beber um pouquinho? Não sei como agüentam essa rotina agitada...
Blaze parou, lançou um olhar com frieza para o Barman e disse:
-Felizmente, Charles, sua única ocupação é servir bebidas para os mais moribundos mafiosos dessa cidade.
Charles coçou a nuca e disse:
-Ok, ok. Desculpe-me por interromper sua tarefa... Todavia, quando tiverem um tempo, repousem por aqui. Garanto que vocês irão provar do melhor drinque que esse Barman pode fazer! – Concluiu dando uma piscadela.
Blaze, sem dar muita atenção ao comentário, deixou a boate seguido por Razen, e se dirigiu ao taxi mais próximo, que estava do outro lado da calçada. A rua estava bastante movimentada, dificultando a passagem de pedestres. A dupla cumprimentou Clay, que gentilmente abaixou a cabeça e perguntou:
-Para onde iremos hoje, senhores?
-Leve-nos até a estação de trem. Depressa. – Solicitou Blaze, entrando no carro, sentando-se no banco de couro meio rasgado e repousando seu chapéu sobre as pernas. Suas armas estavam debaixo do banco do motorista. Razen entrou em seguida, verificando se seu punhal e revólver também estavam debaixo do banco. O taxista fechou as portas, entrou no carro e disse:
-Hoje quase descobriram essas armas aqui. Estou tendo dificuldades para escondê-las, afinal, não são materiais comuns de um cidadão. – O homem deu a partida e o carro começou a circular.
Razen deu uma nova conferida nas armas e disse:
- Não se preocupe Clay. Vou providenciar um novo esconderijo para as nossas armas. Com o nosso trabalho sendo malvisto pela sociedade, é realmente complicado manter esse tipo de objeto no seu veículo.
O taxi entrou em uma rua à direita no segundo cruzamento. As ruas seguintes estavam tão movimentadas quanto a rua da boate. Clay suspirou e calmamente puxou assunto:
-Bem... Como andam as coisas com Vayne? Vocês me parecem um tanto quanto inquietos...
Blaze olhou pela janela e não respondeu a pergunta. Razen, vendo a atitude do companheiro, disse:
-Vayne não é um cara muito fácil de lidar... E às vezes ele nos causa raiva devido as suas atitudes inadequadas. Estamos indo para uma pequena vila existente ao norte... Sem nem mesmo sabermos que tipo de problemas o nosso cliente está tendo por lá.
-Hum... Eu conheço aquele velho gordo há muito tempo, e sei do quão imbecil ele consegue se tornar... É realmente uma pessoa complicada pra se ter como chefe. – Disse Clay, enquanto contornava uma praça com o carro. O veículo seguiu até o fim de uma rua estreita, e parou em frente a uma estação de trem. Blaze e Razen saíram do carro, colocaram suas armas dentro dos bolsos e alças de suas roupas, pagaram Clay e encaminharam-se para o banco de espera. Razen retirou do bolso o bilhete dado por Vayne, e percebeu a presença de duas passagens de trem.
-Ao menos as passagens ele providenciou pra nós.
O trem chegou logo em seguida. Blaze continuava quieto. A dupla entrou e se acomodou no banco plástico mais próximo. Razen fitou o companheiro por alguns instantes, e disse:
-Estamos completando três anos de trabalho juntos. Já passamos por tanta coisa, não é?
Blaze resmungou em sinal positivo.
-Eu sempre quis saber o que motivou você a trabalhar pro Vayne... - Insistiu Razen, desviando o olhar pro chão.
Blaze girou a cabeça para observar o vagão do trem e verificar quantas pessoas estavam ali. Havia apenas mais duas pessoas, uma sentada no último banco ao fundo, outra um pouco mais perto, lendo um jornal. Ambos com casacos um pouco sujos. A pessoa mais ao fundo usava um chapéu grande, o que impedia a visualização de seu rosto. Blaze virou-se para Razen e disse:
-Vou lhe contar então como tudo aconteceu. Preciso mesmo dividir isso com alguém, pois está difícil suportar sozinho. – O caçador deu uma pequena pausa, para um suspiro, e continuou - Eu sou o único filho de Gisele e Romeu Mortuary, dois burgueses diretamente ligados à Vayne Pennymore. Quando completei seis anos de idade, meu pai me levou até aquela boate imunda do Vayne, e me ofereceu como recruta a ele, para que eu pudesse ser forte o suficiente pra trabalhar e pagar as dívidas da família. Gisele e Romeu eram muito ambiciosos, e assinaram diversos empréstimos para conseguirem obter todos os bens materiais que desejavam. Como Vayne era, e ainda é, o mafioso mais rico e influente do país, ele naturalmente enriqueceu meus pais com bens para depois cobrar os empréstimos e recuperar triplamente o dinheiro. Eu me tornei um recruta da máfia... – Baixou a cabeça por um instante, e continuou – E sofri um rígido treinamento para me tornar apto a trabalhar pro Vayne. Logo de início ele deixou bem claro pro meu pai que eu me tornaria um caçador de aberrações, mas – Blaze deu uma risada sarcástica – Até parece que Romeu Mortuary estava preocupado. Aos 12 anos o meu treinamento foi finalizado. Meus pais continuavam com dívidas imensas e não tinham como arrumar dinheiro. É claro que, com o início do meu trabalho, eu rapidamente conseguiria juntar o suficiente para pagar o que devíamos, mas foi aí que o destino me mostrou que nada seria tão simples. Um verdadeiro desastre mudou pra sempre, a vida que já não começou fácil.
- Desastre?! – Indagou Razen, que estava muito mais surpreso do que pensou que ficaria.
- Sim. Um desastre comumente chamado de... Legacy.
O homem sentado à frente deles virou a pagina do jornal, cruzou as pernas e continuou a ler. Razen, estático, aguardava Blaze continuar a falar.
-Na mesma época que Romeu e Gisele fizeram diversos empréstimos para obter seus bens, uma facção mafiosa conhecida como Rotwild começou a se manifestar no país. A família Pennymore, que até esse momento era a mais influente, pouco a pouco foi perdendo seu espaço para os violentos recrutas da Rotwild, que saqueavam postos e lojas, ameaçavam cidadãos, e eliminavam membros de famílias rivais para aumentar sua popularidade. O líder, Danathor Rotwild, declarou publicamente que pretendia se tornar o carrasco na vida de Vayne. Claro que ele não ficou sem reação perante essa situação. Ambicioso e petulante como sempre foi, Vayne fez um pacto maligno com Legacy, o demônio mais poderoso que existe.
Razen se perdeu em pensamentos por um instante, e interrompeu Blaze complementando:
-Lembro-me do meu primeiro dia como recruta do Vayne. Ao lado dele estava um ser com um aspecto demoníaco, que ficara encarando o Clay outrora, e agora me observava. Aquela criatura me incomodou um pouco, mas eu estava decidido a trabalhar. Alguns dias depois acabei decidindo me juntar a você no seu objetivo... E sofrer junto as conseqüências. Nesse último mês... – Razen esticou os braços e observou-os com um semblante triste. Marcas roxas se estendiam até o cotovelo. – Sofremos duas “quedas”. Eu não imaginava que fosse tão doloroso.
Blaze olhou pros braços de Razen, e continuou a falar:
-Como você já sabe, a principal característica do Legacy, além de sua mobilidade e força extremas em combate, é a capacidade denominada “queda”. Uma luva existente em seu braço lhe permite sugar determinadas quantidades de energia vital dos seres humanos, e revertê-las em energia para si próprio. Porém, a forma com que a luva suga a energia é realmente aterrorizante, devido aos distúrbios mentais causados durante o processo. Vayne fez um pacto com Legacy justamente por estar ciente do poder grandioso existente nele. E com esse pacto, a destruição e desequilíbrio assolaram esse país. Legacy, sozinho, aniquilou todos os membros da família Rotwild e recolocou os Pennymore no poder absoluto do país. A segunda ordem foi a de que Legacy fosse até a residência de determinados clientes dele, a fim de colocar um ponto final nas dívidas não-pagas – Blaze abaixou a cabeça por um momento – Logicamente Legacy foi até a casa dos meus pais. Neste dia estávamos tendo um jantar em família, como há muito tempo não tínhamos. Meu pai estava comentando sobre a possibilidade de nos reerguermos financeiramente com o início do meu trabalho... Ele parecia feliz. Mamãe sorria, algo que em raras oportunidades eu pude presenciar. Mas tudo durou poucos instantes. O massacre foi rápido. Legacy adentrou em nossa sala de jantar de forma misteriosa, ele simplesmente apareceu do lado de Romeu, com uma espada apontada para o pescoço do meu pai. Antes de matá-lo, o demônio cruelmente disse: - Blaze deu uma nova verificada nos vagões do trem, e continuou – “Essa é a punição para burgueses mesquinhos que acham ter direito de não pagar suas dívidas”. Legacy degolou a cabeça de Romeu sem deixá-lo tomar qualquer atitude, e saltou por cima da mesa em direção à Gisele, que só teve tempo de gritar e pedir para que eu fugisse, antes de ser retalhada pela espada do demônio. Eu me mantive imóvel, não conseguia tomar qualquer atitude vendo meus pais serem mortos. Naquele momento, Legacy voltou a sua atenção pra mim. Ele se aproximou lentamente da cadeira onde eu estava sentado, até subitamente parar e me encarar com frieza. Reparei na ausência de pupilas nele, os dois olhos amarelos pareciam mais duas fendas mortais. O rosto, que tinha um semblante de um humano comum, demonstrava nesses dois olhos a característica primaria de que ele era um demônio.
Legacy encarou-me por alguns segundos. Eu conseguia sentir a respiração ofegante dele, o cheiro de morte, e a ânsia por mais sangue. Mas, contrariando a situação e a vontade, ele não me matou. Quando aproximou o rosto, disse baixinho “Estranho. Você não é como os seres fracos que matei agora. O que diabos é essa presença que o seu corpo emana?”
Fiquei ali, assustado enquanto o demônio analisava-me com os olhos, curioso sobre a diferença entre eu e meus pais. Não consegui entender muito bem o que ele havia visto de diferente, porém aquilo contrariou os planos dele de tal forma que ele simplesmente saltou pela janela e fugiu do local, sem tocar um dedo em mim. Mas eu percebi ali que não importa o que eu faça, o meu futuro já está escrito. Seremos nós dois, apenas nós. E apenas um vai terminar o dia vivo.
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